testeA outra revolta

Por Roberto Jannarelli*

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No dia 29 de abril de 1992, três policiais de Los Angeles foram absolvidos em um polêmico julgamento no qual foram acusados de subjugar com violência um taxista negro chamado Rodney King. O júri não considerou o ato como abuso de força. Há provas claras. Hoje podemos encontrar o vídeo do espancamento com uma busca no Google. São imagens fortes, não recomendo a visualização. Mas na época parte do vídeo foi exibida na mídia, e, como resposta à absolvição, as pessoas foram à rua e a cidade implodiu em uma das mais violentas revoltas populares já vistas. Durante seis dias, Los Angeles ardeu em chamas. Literalmente.

Esta revolta é o cenário de Todos envolvidos, lançamento de ficção da Intrínseca do mês de março. O autor, Ryan Gattis, usou esta história como inspiração para falar não sobre esta, mas outra revolta. Ao pesquisar sobre o assunto, ele descobriu que gangues latinas da Califórnia aproveitaram o momento em que as atenções estariam voltadas para a luta do povo contra a força policial e que não haveria policiamento suficiente em todos os lugares ao mesmo tempo. Algumas áreas inevitavelmente ficariam sem nenhuma assistência, e isso era o contexto perfeito para uma série de acertos de contas entre os membros das gangues. Eles perceberam enfim que durante a revolta do caso Roney King não haveria lei em Los Angeles.

211319todosenvolvidosRyan Gattis analisou as estatísticas: 10.904 prisões, mais de 2.383 pessoas feridas, 11.113 incêndios, mais de 1 bilhão de dólares em danos a propriedades e sessenta mortes foram atribuídas às revoltas. Estudando mais a fundo, o autor descobriu que o número de mortes não levava em conta vários assassinatos ocorridos em regiões periféricas às dos conflitos. Ou seja, possivelmente os acertos de contas das gangues foram negligenciados pelo status quo (vamos guardar esse termo). Eles foram considerados “normais”, como se não fizessem parte de todo o contexto de ódio que tomava a cidade. Essa é a história de Todos envolvidos.

Ryan Gattis criou uma obra de ficção inspirada em acontecimentos reais. Este é um recurso na ficção que, curiosamente, anda ocupando bastante espaço na minha rotina de trabalho. Antes de Todos envolvidos eu havia trabalhado em O regresso , ficção inspirada na história de um caçador americano em 1822. Em geral, quando trabalho em livros desse tipo, a primeira coisa que faço é estudar um pouco o contexto histórico a que se refere.

Posso dizer que me senti mais próximo do livro de Gattis, já que, por mais que às vezes me sinta com 600 anos de idade, pouco sabia sobre as caçadas no oeste norte-americano no século 19. Me lembrar de 1992, quando tinha sete anos, foi bem mais fácil. Recordei, por exemplo, que 1992 foi o ano em que Bill Clinton foi eleito dono do mundo, quero dizer, presidente dos Estados Unidos, vencendo nas urnas George H. W. Bush, quem o meu exagero adolescente consideraria alguns anos mais tarde o pior presidente americano de todos os tempos. O jovem Roberto claramente não fazia ideia do que a família Bush ainda poderia fazer.

Aqui no Brasil, 1992 foi o ano do impeachment do presidente Fernando Collor, e o jovem Roberto com muita inocência achou que não viveria o suficiente para ouvir falar nessa palavra de novo (mas por favor não vamos entrar nesse assunto). O referido ano também tem uma lembrança muito particular para mim, pois foi nele que o astro de basquete Magic Johnson, um dos ídolos do jovem Roberto, disse ao mundo que tinha contraído o vírus HIV, o que por si só já poderia ser traumático para uma criança, mas o que veio a traumatizar de fato o garoto foi a conversa sobre o assunto que ele teve com a Dona Lúcia, sua mãe, que, coitada, teve de responder a muitas perguntas sobre como as pessoas pegavam essa doença. Posso dizer que nem todas as respostas resultaram em boas lembranças.

Mas vamos deixar minhas memórias de lado e nos concentrar no livro.

Depois de estudar um pouco sobre o mundo das gangues e a Califórnia em 1992, mergulhei de cabeça no livro. No caso deste, é conveniente mergulhar com colete à prova de balas, capacete de chumbo e qualquer outro tipo de proteção em que você acredite. Gattis descreve a guerrilha urbana de modo que o leitor se sinta nela. Ouvindo o estouro de bombas e o zunido de balas. É assustador e ao mesmo tempo incrível.

A pesquisa ajudou na construção da linguagem dos personagens, dando ao livro um estilo muito peculiar. O próprio original estrangeiro tem um glossário no final com muitas das gírias usadas pelos personagens para orientar o leitor em caso de dúvida. Então, o que fizemos na nossa edição foi adaptar o glossário para a nossa realidade. Traduzimos algumas dessas expressões, mas em outras optamos pelo termo em espanhol ou inglês para não perdermos a ambientação criada pelo autor. Algumas delas, como “original gangster”, eu já conhecia de filmes e séries, e também de uma música do Ice T. Mas, por mais que compreendesse a ideia, só pude entender o real sentido da expressão ao trabalhar no livro e lançar mão do glossário.

Outro ponto interessante são os personagens, que são muito fortes. Em outro texto de bastidores do blog da editora, a extraordinária Nina Lopes escreveu que quando trabalhamos com livros os personagens são muitas vezes nossos amigos mais próximos por um determinado tempo e também que somos muito exigentes quanto a isso. A Nina está certíssima e eu acho que nunca conseguiria dizer isso tão bem quanto ela.

No caso de Todos envolvidos, são 17 narradores contando a história, cada capítulo por um ponto de vista. E o autor entrelaça muito bem esses relatos, fazendo com que o narrador de um capítulo apareça despretensiosamente na história de outro. Uma mistura de Sin City e Pulp Fiction, com um clima meio Cidade de Deus.

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Bem, é verdade que desses 17 amigos-narradores alguns acabaram me decepcionando quando, bem, dirigiram jogando coquetéis molotov pela janela e incendiando a cidade, ou quando armaram uma cilada para pegar o Ernesto, um cara legal que só queria viver sossegado e perseguir seu sonho, que era ser chef de cozinha. Pobre Ernesto. A irmã dele, Payasa, está envolvida no mundo das gangues e também é uma personagem fascinante. Ela é forte e carismática como as grandes personagens femininas da literatura. O bombeiro Anthony também se tornou um amigo, e, sem dar spoiler, posso dizer que torci para que ele e a enfermeira Gloria se entendessem. Gloria é muito sensível e passa uns maus bocados no hospital em que trabalha. Também levei comigo o brother Termite, um cara que ama música e fica o tempo inteiro com seu walkman tentando não ouvir os ruídos da guerra. Sobre isso, pensei duas coisas:

Primeiro, walkman — obrigado por essa lembrança Ryan Gattis. Segundo, quando o Termite opta por andar pela rua com os fones no ouvido, sua mixtape girando na bobina do walkman, eu penso que isso é uma bela representação do que nós fazemos na vida real. Metaforicamente, colocamos nosso fone para não ouvir e fingir que a guerrilha urbana não está acontecendo, não é verdade?

Não sei se o autor pensou nessa alegoria, mas arriscaria dizer que sim, porque construindo esse personagem ele mostra com maestria como uma pessoa que está inserida nesse sistema, que está envolvida, pode ter o ímpeto de ignorar a guerrilha, como nós fazemos, mas simplesmente não pode. Não existe essa opção. A guerrilha urbana não é uma linha traçada paralela à vida do Termite; ela é uma linha vermelha de sangue traçada sobre a vida dele.

Por causa desse personagem eu também criei minhas mixtapes em casa. Ouvi bastante Rage Against the Machine, banda que gosto tanto e tem tudo a ver com o clima de Todos envolvidos. Engajada, bruta, grave e com sotaque mexicano. Em outros momentos me dei conta de que estava com “Gangsta’s Paradise”, do rapper Coolio, na cabeça e morri de rir quando percebi que sabia boa parte da letra de cor.

Me lembrei de alguns rappers que fizeram sucesso na década de 90, como Ice T e Tupac (ou 2pac, até hoje não sei como esse cara assinava). Descobri que “April, 29th, 1992 (Miami)”, do Sublime, outra banda que já ouvi muito, é inspirada nas revoltas do caso Rodney King. E, apesar de a letra ser bem clara, eu não sabia até ler esse livro, e gostaria de agradecer ao Termite por isso.

Bem, retomando o que a Nina falou no texto dela, queria acrescentar uma coisa. Quando falamos em personagens dos livros, não falamos só de pessoas. Claro, pode ser um gato, um cachorro. Ou até mesmo um lugar, como em Todos envolvidos. A cidade em chamas é o principal personagem da história, mesmo caótica e totalmente subvertida. Lembra daquela expressão que pedi para guardarmos lá no início do texto? Status quo. A cidade em chamas é a força do povo contra esse status quo opressivo. E o livro de Ryan Gattis é uma incrível manifestação de como é bom quando a literatura também se realiza como essa força subversiva.

*Roberto Jannarelli é editor assistente de ficção e não ficção estrangeiras da Intrínseca, adora música e joga basquete nos finais de semana, mesmo que hoje em dia os finais de semana aconteçam de 365 em 365 dias.

testeLeia um trecho de O oráculo oculto

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Sabemos que os semideuses estão ansiosos para o lançamento da nova série de Rick Riordan, As provações de Apolo, marcado para 3 de maio. Para acalmar os ânimos, confira um trecho inédito do primeiro livro, O oráculo oculto.

A história, como o nome já indica, acompanhará o deus Apolo, que foi punido por seu pai, Zeus, e transformado em um adolescente mortal, com direito a espinhas e gordura abdominal. Agora, ele tentará descobrir uma forma de reverter a punição, cair novamente nas graças de seu pai e obter seus poderes de volta. Nessa longa jornada, ele contará com a ajuda de ninguém menos que Percy Jackson, mostrando o que aconteceu com o semideus depois dos acontecimentos da série Os heróis do Olimpo.

 

“Viramos na Rua 82, a leste.

Quando chegamos à Segunda Avenida, o lugar começou a me parecer familiar, com fileiras de prédios, lojas de material de construção, lojas de conveniência e restaurantes indianos. Eu sabia que Percy Jackson morava em algum lugar por ali, mas minhas viagens pelo céu na carruagem do Sol me deram um senso de localização pareado com o Google Earth. Eu não estava acostumado a me deslocar no nível da rua.

Além do mais, nessa forma mortal, minha memória perfeita tinha se tornado… imperfeita. Medos e necessidades mortais enevoavam meus pensamentos. Sentia fome. Queria ir ao banheiro. Meu corpo estava doendo. Minhas roupas estavam fedendo. Parecia que meu cérebro estava cheio de pedaços de algodão molhados. Sinceramente, como vocês, humanos, aguentam?

Depois de mais alguns quarteirões, uma mistura de granizo e chuva começou a cair. Meg tentou pegar as gotas na língua, o que achei uma forma muito ineficiente de beber alguma coisa, e logo água suja. Comecei a tremer por causa do frio e tentei me concentrar em pensamentos felizes: as Bahamas, as Nove Musas em perfeita harmonia, as muitas punições horríveis que eu daria a Cade e Mikey quando me tornasse deus de novo.

Eu ainda estava interessado em descobrir quem era o chefe deles e como ele soube em que lugar eu cairia na Terra. Nenhum mortal teria como saber isso. Na verdade, quanto mais eu pensava, mais improvável se tornava a ideia de que um deus (fora eu mesmo) pudesse ter previsto o futuro de forma tão certeira. Afinal, eu era o deus da profecia, o mestre do Oráculo de Delfos, distribuidor de amostras de alta qualidade do destino dos outros há milênios.

É claro que não me faltavam inimigos. Uma das consequências naturais de ser tão incrível é que eu atraía inveja por onde passava. Mas eu só conseguia pensar em um adversário capaz de prever o futuro. E se ele viesse atrás de mim em meu atual estado…

Afastei esse pensamento. Já tinha muito com que me preocupar. Não fazia sentido ficar aterrorizado por causa de situações hipotéticas.

Começamos a procurar nas ruas menores, verificando os nomes nas caixas de correspondência e nos painéis dos interfones. O Upper East Side tinha uma quantidade surpreendente de Jacksons. Achei isso irritante.

Depois de várias tentativas fracassadas, dobramos uma esquina, e ali, parado debaixo de um resedá, havia um velho Prius azul. O capô tinha o amassado inconfundível dos cascos de um pégaso. (Como eu tinha tanta certeza? Sou ótimo em identificar marcas de cascos. Além do mais, cavalos normais não sobem em carros. Pégasos, sim. O tempo todo.)

— Ahá — falei para Meg. — Estamos quase chegando.

Meio quarteirão depois, reconheci o prédio: um edifício de tijolos aparentes com cinco andares e aparelhos de ar-condicionado enferrujados pendurados nas janelas.

Voilà! — gritei.

Meg parou de repente, como se houvesse uma barreira invisível que a impedisse de avançar. Ela olhava desconcertada para a Segunda Avenida.

— O que aconteceu? — perguntei.

— Achei que tivesse visto de novo.

— O quê? — Segui o olhar dela, mas não vi nada de estranho. — Os delinquentes do beco?

— Não. Duas… — Ela balançou os dedos. — Bolhas brilhantes. Eu as vi na Avenida Park.

Meu coração disparou.

— Bolhas brilhantes? Por que você não disse nada?

Ela bateu nas hastes dos óculos.

— Eu já falei que vi muitas coisas esquisitas. Geralmente não ligo, mas…

— Mas, se eles estiverem nos seguindo, não vai ser nada bom — retruquei.

Olhei para a rua de novo. Nada de diferente, mas eu não estranharia se Meg realmente tivesse visto bolhas brilhantes. Muitos espíritos aparecem dessa forma. Meu próprio pai, Zeus, já se transformou em uma bolha brilhante para atrair uma mulher mortal. (Por que a mulher mortal achou isso atraente, eu não faço ideia.)

— A gente devia entrar — falei. — Percy Jackson vai nos ajudar.

Meg continuou hesitante. Ela não demonstrou medo quando enfrentou ladrões com lixo em um beco sem saída, mas agora parecia estar em dúvida se devia tocar a campainha. Então me dei conta de que talvez ela já tivesse encontrado semideuses, e que esses encontros podiam não ter saído como o esperado.

— Meg, sei que alguns semideuses não são bons — falei. — Eu poderia contar histórias de todos que precisei matar ou transformar em ervas…

— Ervas?

— Mas Percy Jackson sempre foi de confiança. Não precisa ter medo. Além do mais, ele gosta de mim. Eu ensinei tudo que ele sabe.

Ela franziu a testa.

— É?

Achei a inocência dela meio encantadora. Havia tantas coisas óbvias que ela não sabia.

— Claro. Vamos subir agora.

Eu toquei o interfone. Alguns segundos depois, a voz falhada de uma mulher atendeu.

— Alô.

— Oi — falei. — Aqui é Apolo.

Estática.

— O deus Apolo — reforcei, achando que talvez devesse ser mais específico. — Percy está?

Mais estática, seguida de duas vozes em uma conversa abafada. A porta da frente se abriu. Antes de entrar, vi um breve movimento com o canto do olho. Dei uma conferida na calçada, mas novamente não vi nada.

Talvez tivesse sido um reflexo. Ou granizo sendo carregado pelo vento. Ou talvez tivesse sido uma bolha brilhante. Meu couro cabeludo formigou de apreensão.

— O que foi? — perguntou Meg.

— Nada de mais. — Forcei um tom alegre. Não queria que Meg saísse correndo logo no momento em que estávamos tão perto de um lugar seguro. Estávamos unidos agora. Eu teria que segui-la se ela ordenasse, e não queria ter que viver naquele beco para sempre.

— Vamos subir. Não podemos deixar nossos anfitriões esperando.

 

Depois de tudo que fiz por Percy Jackson, eu esperava alegria com a minha chegada. Boas-vindas lacrimosas, a queima de algumas oferendas e um pequeno festival em minha homenagem não teriam sido inadequados.

Mas o jovem só abriu a porta do apartamento e perguntou:

— Por quê?

Como sempre, fiquei impressionado com a semelhança dele com o pai, Poseidon. Ele herdara os mesmos olhos verde-mar, o mesmo cabelo preto desgrenhado, as mesmas belas feições que podiam mudar de bom humor para raiva com facilidade. No entanto, Percy Jackson não seguia a preferência do pai por shorts de praia e camisas havaianas. Ele estava usando uma calça jeans surrada e um casaco de moletom azul com as palavras equipe de natação ahs bordadas na frente.

Meg recuou no corredor e se escondeu atrás de mim.

Decidi dar um sorriso.

— Percy Jackson, minhas bênçãos para você! Estou precisando de assistência.

O olhar de Percy voou de mim para Meg.

— Quem é a sua amiga?

— Esta é Meg McCaffrey — expliquei —, uma semideusa que precisa ser levada para o Acampamento Meio-Sangue. Ela me salvou de delinquentes.

— Salvou… — Percy olhou meu rosto ferido. — Você quer dizer que o visual “adolescente surrado” não é só disfarce? Cara, o que aconteceu com você?

— Eu acho que mencionei delinquentes.

— Mas você é um deus.

— Quanto a isso… eu era um deus.

Percy piscou.

Era?

— Além disso — falei —, tenho quase certeza de que estamos sendo seguidos por espíritos do mal.

Se eu não soubesse quanto Percy Jackson me idolatrava, teria jurado que ele estava prestes a me dar um soco no nariz já quebrado.

Ele suspirou.

— Acho que vocês dois deviam entrar.”

testeAmar vale a pena

Não tem como ler um livro sem se perguntar quanto da história faz parte da autobiografia do autor. Adianto logo que O amor segundo Buenos Aires reflete pelo menos um aspecto pessoal: meu profundo afeto pela cidade.

Muita gente me pergunta por que Buenos Aires, e não Paris, Londres, Nova York ou mesmo o Rio de Janeiro? A melhor resposta para essa questão é: eu precisava escrever sobre aqueles personagens em terreno portenho; eles brotaram de mim ali. A ideia da história de amor entre Hugo e Leonor, uma das que conduzem a trama, surgiu quando eu andava pelas ruas de San Telmo. Nenhuma outra cidade do mundo me despertou isso — pelo menos não dessa forma, clara como um dia de verão.

Sete visitas a Buenos Aires, cinco anos e incontáveis revisões depois, criei caminhos para outros personagens que inventei passeando pelas ruas, por pontos turísticos, livrarias desconhecidas, restaurantes imponentes e cafés decadentes da cidade. Foi em Buenos Aires que sugiram e ganharam vida o ansioso e bem-intencionado Eduardo, o digno e determinado Daniel, a esperançosa e confusa Carolina, a corajosa e vibrante Charlotte, o afetuoso — e por vezes exasperante — Pedro… Personagens que têm em comum a imensa capacidade de amar.

Numa análise distanciada, acredito que eu e Hugo, o personagem central, não poderíamos ser mais diferentes. Jamais me mudei para outro país atrás de um grande amor nem sofri na pele provações comparáveis às que ele passa na trama. Mesmo assim, não consegui convencer uma leitora muito exigente de que Hugo, no fim das contas, trata-se de uma versão fictícia de mim mesmo. Ao ler o original, bem antes de ele seguir para a editora, ela comentou o livro inteiro referindo-se às ações do personagem central: “Gostei muito quando você disse aquilo, achei aquilo que aconteceu com você muito pesado.”A leitora? Minha mãe.

Mas preciso dar o braço a torcer e admitir que, pelo menos em um ponto, eu e Hugo compartilhamos um sentimento. Assim como ele, sou capaz de identificar todos os defeitos de Buenos Aires, mas os aceito e entendo. E até os justifico. É mais ou menos o que acontece quando a gente ama alguém de verdade — um filho, um amigo ou namorado(a).

Pense bem: seu filho é realmente a criança mais inteligente do mundo? Se você encontrasse de novo seu primeiro amor, será que ele (ou ela) ainda seria tão irresistível assim? Você já se deu conta de que seu marido perdeu a maior parte do cabelo e sua esposa ganhou alguns centímetros ao redor da cintura? Quando há amor de verdade, a aparência e os defeitos acabam perdendo importância.

O amor segundo Buenos Aires é a minha primeira aventura numa narrativa de ficção. Como jornalista, já fiz muitas reportagens em que tive de ir a campo, e escrevi um livro-reportagem para o qual viajei para o Paquistão. Embora viver experiências e relatá-las seja meu modo de ganhar a vida, este romance é meu trabalho mais pessoal.

O livro reflete o que penso sobre a vida, posicionamentos que defendo e atitudes que gostaria de ter. A resiliência, a coragem, a paciência e a dedicação ao próximo que os personagens demonstram ao longo da narrativa refletem três crenças centrais que norteiam cada um dos capítulos: todo amor vale a pena, todos têm o direito de amar e todo mundo é, de alguma forma, especial.

testeOn the road books — para pegar a estrada sem sair de casa

Já fui estradeiro e viajei com minha banda para tudo quanto foi canto do país. Parávamos onde dava, comíamos o que tinha, dormíamos em repúblicas estudantis, em pulgueiros e, eventualmente, até dentro de nossos carros em postos de gasolina. Distâncias intermináveis, cachês duvidosos e equipamentos de som sofríveis sucumbiam ao prazer infinito de estar com os amigos em cima do palco.

O tempo, no entanto, é mestre em dilapidar sonhos do tipo sem lenço, sem documento. Aquela coisa “nem por você nem por ninguém eu me desfaço dos meus planos”, infelizmente, um dia cai por terra, quando a vida lhe cobra um pouco mais de responsabilidade. E, sem que nos demos conta, começamos a achar bom ficar “em casa, guardado por Deus, contando o vil metal”.

On the road - por Junior Aragão (1)

On the road – por Junior Aragão

A literatura me resgatou do limbo e me colocou de novo no jogo. Por longos e prazerosos anos venho pegando a estrada para participar de eventos literários. Distâncias intermináveis, cachês inexistentes e, eventualmente, pouco público também têm sucumbido ao prazer infinito de conversar olho a olho com meus leitores. Por sorte, as estradas têm sido bem mais aéreas do que terrestres. Ainda assim, não evito encarar quinze ou dezesseis horas de ônibus quando o tempo permite e a necessidade financeira exige. Desde a invenção da lanterna no celular, quinze horas num ônibus passaram a significar potenciais quinze horas de escrita, temperadas pela magia que só a estrada tem. Algumas de minhas frases preferidas foram concebidas nas madrugadas, rodando em BRs por aí. Frases que acabaram fazendo parte dos dois road books que escrevi.

Para celebrar as aventuras que certamente ainda virão, segue minha lista de road books que vão lhe deixar cheio de vontade de jogar tudo para o alto, entrar num veículo qualquer e sair sem rumo:

1- On the road, de Jack Kerouac — Sexo, drogas, bebidas e jazz. A viagem de Sal Paradise e Dean Moriarty pelos Estados Unidos é um dos meus livros favoritos. A escrita é como um caminhão rodando pela estrada, no estilo fluxo de consciência. Algo como “o que vim pensando fui escrevendo”. O manuscrito original, sem parágrafos, é de tirar o fôlego.

2- De moto pela América do Sul, diário de viagem de Che Guevara — Nem toda a viagem de Ernesto e Alberto Granado entre a Argentina e a Venezuela foi feita de moto, a chamada La Poderosa. De carona, obtendo a maioria da comida e da hospedagem de graça, o livro é um ótimo relato da transformação dos ideais de um homem.

3- Livre: a jornada de uma mulher em busca do recomeço, de Cheryl Strayed — Li esse livro depois de assistir ao ótimo filme. É o relato da autora sobre uma viagem a pé, de mais de 1.700 km, por uma trilha na costa pacífica dos Estados Unidos. O fato de ser uma história real, ou muito próxima da realidade, torna a leitura mais fascinante. O clássico tema da descoberta do sentido das coisas. Como diz a autora: “Este livro é sobre como suportar o que não podemos suportar.”

4- A máquina de contar histórias, de Maurício Gomyde — Escrevi esse livro como um mea culpa para o tanto que a literatura consome do precioso tempo ao lado das minhas filhas. Um escritor descobre, após a morte da esposa, que as duas filhas o consideram um completo estranho. É uma viagem de reconquista e, principalmente, descoberta de que a coisa mais importante da vida muitas vezes pode estar bem ao nosso lado.

5- Na natureza selvagem, de Jon Krakauer — Livro e filme belíssimos. É a história de Christopher McCandless, ou Alex Supertramp, um jovem que se forma numa prestigiosa faculdade, esfrega o diploma na cara da família, doa seu dinheiro para uma instituição de caridade e parte em direção ao nada para viver uma vida livre. Citações e a alma de grandes escritores como Tolstói, Jack London e Thoreau estão presentes o tempo todo. O fim é trágico, mas não menos belo e poderoso.

6- A garota de papel, de Guillaume Musso — O livro não é muito conhecido e não me lembro como chegou às minhas mãos. Achei a história muito boa e li de uma vez só. Sou suspeito, pois gosto de livros sobre escritores. O clichê da crise criativa abre espaço para uma abordagem fantasiosa e deliciosa, de uma personagem que pula das páginas para a vida real e implora que o escritor termine uma trilogia antes que ela desapareça. Tudo isso acontece na estrada, numa viagem pela costa da Califórnia e do México. É hilário e apaixonante

7- Mosquitolândia, de David Arnold — A viagem da pequena e determinada Mim Malone é cativante. As inúmeras referências pop, de Star Wars a Elvis Presley, enriquecem essa história de descoberta que traz temas fortes, como morte, suicídio e divórcio. Destaque para os personagens Walt e Beck.

8- Surpreendente!, de Maurício Gomyde — Quatro amigos saem pela estrada para fazer um filme antes de um deles ficar completamente cego. Obviamente, sou suspeito para falar sobre o tanto que me envolvi com tudo, sobretudo por conhecer a fundo os cenários onde a história acontece. Costurado pelos clichês do cinema, é meu road book

testeAs melhores modificações de Orgulho e Preconceito e Zumbis

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Seth Grahame-Smith é um dos maiores nomes entre os autores que misturam clássicos da literatura mundial com criaturas modernas. Em Orgulho e Preconceito e Zumbis, ele não apenas introduz os monstros no romance de costumes, mas faz uma releitura de costumes e práticas na Inglaterra do começo do século XIX.

Listamos cinco das melhores adaptações que Seth Grahame-Smith fez em relação à obra original de Jane Austen:

 

1 – O primeiro encontro entre Elizabeth Bennet e o arrogante Sr. Darcy é um pouco diferente em Orgulho e Preconceito e Zumbis. Além de ficar ofendida por ser esnobada, Lizzie considera seguir o Código dos Guerreiros e cortar a garganta de Darcy do lado de fora do baile:

“Enquanto o Sr. Darcy se afastava, Elizabeth sentiu o sangue ferver. Nunca em sua vida fora tão insultada. O Código dos Guerreiros exigia que ela vingasse sua honra prontamente.”

 

2 – O momento em que Darcy menciona os olhos de Elizabeth tem uma menção à tenacidade da Srta. Bennet para atravessar as hordas de mortos-vivos para visitar sua irmã doente, Jane:

“— Receio, Sr. Darcy — observou a Srta. Bingley quase num sussurro —, que essa aventura tenha afetado bastante sua admiração pelos belos olhos dela.

— De modo algum! — replicou ele. — Estavam ainda mais brilhantes, devido ao esforço realizado.”

 

3 – Um dos personagens mais modificados da obra original é o Sr. Wickham, que tem uma história de rivalidade com Sr. Darcy mais novo completamente diferente. Além disso, é mostrado o tipo de educação que o Sr. Darcy pai deu ao filho e a Wickham:

“Quando ele e Darcy tinham não mais do que 7 anos de idade, o Sr. Darcy empenhava-se em aprimorar o treinamento de ambos. Certo dia, ao amanhecer, durante um treino de luta corpo a corpo, o jovem Wickham desfechou um forte pontapé em Darcy, que o atirou no chão. O Sr. Darcy, pai, implorou a Wickham que ‘desse um fim’ em seu filho, com um chute direto na garganta.”

 

4 – O desgosto que o pai das irmãs Bennet sente pelo gorducho Sr. Collins continua igual, e sua reação à possibilidade de Elizabeth casar com um sujeito tão estranho é ainda melhor:

“Não toleraria ter minha melhor guerreira casada com um homem que é mais gordo que Buda e mais embotado que o fio cego de uma espada de treinamento.”

 

5 – A única parente de Darcy ainda viva, a rancorosa Lady Catherine, tem um passado ligeiramente mais épico.

“— Srta. Bennet, tem certeza de que sabe quem eu sou? Já não escutou as canções sobre minhas vitórias contra as legiões de escravos de Satã? Não leu sobre minhas inigualáveis habilidades para matar? Sou praticamente a única parenta viva do Sr. Darcy, de modo que tenho o direito de estar a par de tudo o que lhe diz respeito, até mesmo dos assuntos mais íntimos.”

testeA joalheria mais amada do mundo e da cultura pop

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Em Um presente da Tiffany, as vidas de dois casais são transformadas quando seus presentes de Natal da famosa loja são trocados após um acidente no meio da Quinta Avenida, em Nova York. A empresa, conhecida por suas belíssimas joias, já apareceu diversas vezes em livros, músicas e filmes. Separamos alguns desses momentos. Confira:

 

1- A loja foi uma das muitas listadas por Marilyn Monroe na música “Diamonds Are a Girl’s Best Friend” no filme Os Homens Preferem as Loiras, de 1953.

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2- No filme 007 – Os Diamantes São Eternos, James Bond conhece a contrabandista Tiffany Case, que explica que seu pai deu de presente mil dólares e uma joia da loja antes de abandoná-la com a mãe.

3- A música “Hotel California”, da banda Eagles, conta a história de uma jovem ambiciosa que tem a mente distorcida pelo glamour da loja.

4- No filme Sintonia de Amor, a personagem de Meg Ryan tem um desejado anel de noivado da loja.

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5- Como não poderia faltar, em Breakfast at Tiffany’s, no Brasil traduzido como Bonequinha de Luxo, a personagem de Audrey Hepburn é fascinada pela loja a ponto de tomar café da manhã olhando para uma das vitrines.

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testeHawking, o vingador de Einstein

Por Amâncio Friaça*

Em Minha breve história, Stephen Hawking confessa que na escola fazia a lição de casa sem o menor capricho e que sua caligrafia era o horror dos professores. Na época, um colega chegou a apostar um saco de balas com outro amigo de que ele nunca seria ninguém. No entanto, Hawking acabou sendo apelidado de Einstein e, com o seu usual senso de humor, o cientista deduz que os amigos “viram sinais de algo melhor em mim”. No fim das contas, parece que seus colegas tinham mesmo razão, e o amigo da onça acabou perdendo a aposta.

O pressentimento que os colegas bonzinhos de Hawking tiveram estava espetacularmente correto. O companheirismo deles justifica o exagero de chamá-lo de Einstein, mas, na verdade, Hawking pode ser considerado uma espécie de vingador de Einstein.

Quando começou o doutorado em Cambridge, em 1962, o plano de Stephen Hawking era trabalhar com o astrofísico Fred Hoyle, que havia desenvolvido um modelo cosmológico: a teoria do estado estacionário. Na época, a cosmologia era vista como um campo de estudo suspeito — o tópico quente era a física de partículas. Já a cosmologia e a gravitação eram áreas negligenciadas porque se acreditava que tudo já tinha sido feito, como no caso da gravitação, ou que nada podia ser provado, como na cosmologia.

Esses dois campos foram abertos por Albert Einstein durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1915, depois de quase uma década de esforços extenuantes, Einstein incorporou de modo definitivo a gravitação na teoria da relatividade e inaugurou a relatividade geral. Os resultados foram reunidos no genial artigo “Fundamentos da teoria da relatividade geral”, publicado na revista científica alemã Annalen der Physik no ano seguinte.

E a revolução de Einstein prossegue. Em 1917, ele ressuscitou a cosmologia com seu extraordinário trabalho “Considerações cosmológicas sobre a relatividade geral”. Pela primeira vez desde o Renascimento, voltou-se a falar em cosmologia, ou seja, o estudo do universo como um todo, mas desta vez dentro de um arcabouço rigoroso e abrangente, a teoria da relatividade geral.

No entanto, no começo da década de 1960, a imensa contribuição de Einstein à ciência parecia confinada às glórias do passado. Havia a impressão de que a cosmologia não ofereceria testes que pudessem distinguir entre um modelo e outro. Depois da descoberta da expansão do universo, na década de 1920, os estudos cosmológicos pareciam ter entrado em um marasmo. E mais do que isso: a própria teoria da gravitação, baseada na teoria da relatividade geral, parecia não ter experimentos, e isso levava a crer que ela tinha pouco contato com o mundo real. Os pesquisadores se contentavam em obter alguma solução para as equações do campo gravitacional e não se perguntavam sobre o significado físico das soluções.

Nesse momento, Hawking percebeu que havia, sim, muito a ser feito no campo da gravitação. Havia uma teoria muito bem definida, a teoria da relatividade geral, mas suas soluções eram extremamente difíceis de serem obtidas. Com sua coragem característica, ele se dedicou ao destrinchamento da matemática complicadíssima da relatividade, mas sem nunca desistir da busca por significados físicos para as soluções das equações do campo da relatividade geral. Nesses estudos, o que norteava Hawking era a cosmologia, que, apesar das aparências, estava passando por uma revolução. O duplo legado de Einstein, o da gravitação e o da cosmologia, estava muito vivo em Hawking.

Na verdade, Hawking percebeu que a maré estava mudando em relação à cosmologia e à gravitação — e ele não era o único. Nos anos 1960, a astronomia experimentou um extraordinário desenvolvimento. Isso levou a um reavivamento do interesse na gravitação, pois é nas escalas astronômicas que a força da gravidade se torna cada vez mais dominante. Os astrônomos descobriram um verdadeiro zoológico de corpos celestes, como pares de estrelas com emissão de raios X, radiogaláxias e quasares. Cada um desses objetos permitiu testar pela primeira vez certos aspectos da teoria da gravitação de Einstein, como, por exemplo, a natureza dos buracos negros.

Naqueles seus anos dourados em Cambridge, Hawking viu a radioastronomia abalar a teoria do estado estacionário de Fred Hoyle — cientista que quase foi orientador de Hawking. Nessa teoria, o universo teria a mesma aparência em qualquer época e não haveria um início. Já a teoria oposta, a do Big Bang, dizia que o universo teria um princípio e que no passado teria sido cada vez mais denso e quente. Seu principal defensor era o ucraniano naturalizado americano George Gamow. Hoyle, com seu humor britânico, atacava sem piedade Gamow, o que não adiantava muito, porque Gamow era um grande piadista.

No entanto, na mesma Cambridge de Hoyle, o grupo do radioastrônomo Martin Ryle operava um poderoso radiotelescópio e, em 1963, seus dados sobre radiogaláxias já indicavam que a densidade do universo tinha sido maior no passado distante, o que contrariava o modelo do estado estacionário.

O golpe final contra a teoria de Hoyle, também desferido pela radioastronomia, veio do outro lado do Atlântico, em 1965. Em Nova Jersey, Arno Penzias e Robert Wilson tentavam calibrar uma antena de micro-ondas para ser usada como radiotelescópio, mas havia um ruído persistente. Depois se deram conta do que se tratava. Era uma fraca radiação de fundo de micro-ondas cuja origem era um estado extremamente quente do universo muito jovem. Gamow, o pai da teoria do Big Bang, estava certíssimo. Ele havia previsto esse fundo de micro-ondas do universo primordial em 1948. Hawking diz que foi uma sorte ele não ter sido aluno de Hoyle, senão teria que defender a teoria do estado estacionário.

Contudo, Hawking não teve dificuldades em defender Einstein. A primeira teoria cosmológica formulada dentro do contexto da ciência moderna, a de Einstein, em 1917, era de um universo estático. Porém, na época em que Einstein escreveu o seu artigo, isso era muito razoável, pois a astronomia mal havia saído da nossa galáxia, e a existência de outras galáxias era considerada especulativa pela maioria dos astrônomos.

Foi apenas em 1922 que o astrônomo americano Edwin Hubble obteve evidências de que a nebulosa de Andrômeda era uma galáxia de tamanho comparável à Via Láctea. Em 1929, Hubble e Humason descobriram que quanto maior for a distância de uma galáxia, maior será a sua velocidade de afastamento em relação à Via Láctea. Mas foi o padre e astrônomo belga Georges Lemaître o primeiro a interpretar essas observações como devidas à expansão do universo.

Posteriormente, Einstein elaborou junto com o astrônomo e matemático holandês Willem de Sitter seu próprio modelo de universo em expansão, o modelo Einstein-De Sitter. Como bem assinala Hawking, a teoria da relatividade geral de Einstein permite construir muitas cosmologias, entre elas aquela que se aplica a este nosso universo, que está em expansão agora, mas outros possíveis universos continuam a obedecer à teoria da relatividade geral, mas com condições iniciais e proporção de componentes diferentes. Assim, há lugar, nestes outros universos, para fases de expansão, de contração e de relativa pausa.

Para um Einstein confinado na Alemanha da Primeira Guerra Mundial, não há como saber qual universo é o nosso, e a sua escolha de um universo estático seria a escolha com um mínimo de pressupostos. Como diz Hawking na introdução da sua tese de doutorado: “A ideia de que o universo está expandindo tem uma origem recente. Todas as antigas cosmologias eram essencialmente estacionárias, e mesmo Einstein, cuja teoria da relatividade é a base de quase todos os desenvolvimentos recentes em cosmologia, achou natural sugerir um modelo estático do universo.”

Por fim, talvez o maior tributo de Hawking a Einstein seja a busca de uma Teoria de Tudo. Quando Hawking decidiu buscar uma teoria final que explicasse completamente e conectasse todos os aspectos físicos do universo, a proposta de Einstein nesse sentido, que ele chamou teoria do campo unificado, era vista como um esforço melancólico fadado ao insucesso. De novo, Hawking assume a coragem titânica de Einstein e parte para elaborar a Teoria de Tudo.  Mas há algo mais do que coragem. Há a paciência, aquela que temos quando vemos que a tarefa vai exigir um esforço por muito, muito tempo. Basta lembrar os cem anos que se passaram entre a primeira previsão das ondas gravitacionais por Einstein em 1916 e a sua confirmação pelo observatório LIGO em 2016.  Com o objetivo de uma compreensão unificada do universo, desde Einstein, e passando por Hawking, muitas gerações desenvolveram instrumentos matemáticos cada vez mais intrincados, laboratórios cada vez mais poderosos com experimentos cada vez mais delicados e observatórios astronômicos cada vez mais sensíveis. E estamos muito distantes do objetivo. Contudo, as escalas de tempo de bilhões de anos em cosmologia tornam muito mais leves as décadas ou séculos que levamos para cumprir uma missão em ciência.

 

Amâncio Friaça é astrônomo do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo. Trabalha em astrobiologia, cosmologia, evolução química do universo e nas relações entre astronomia, cultura e educação. Foi o responsável pela revisão técnica da edição revista de Uma breve história do tempo e da nova edição de O universo numa casca de noz, ambos lançados pela Intrínseca.

testePlaylist de P.S.: Ainda amo você

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Lara Jean está mais madura em P.S.: Ainda amo você, continuação de Para todos os garotos que já amei, mas continua uma menina sonhadora e apaixonada pelo amor. Para embalar a leitura do romance, nossa equipe preparou uma nova playlist com músicas que expressam os sentimentos da personagem.

Taylor Swift, queridinha da autora Jenny Han, One Direction, Julie Andrews, The Archies, Maroon 5 e muito mais!

Escute aqui!

testeDivulgado trailer de Como eu era antes de você [ATUALIZADO!]

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Os leitores apaixonados por Como eu era antes de você já podem comemorar! A espera por novidades sobre a adaptação está chegando ao fim. O primeiro trailer e o pôster oficial do filme — que estreia nos cinemas em junho — foram divulgados pela autora Jojo Moyes.

[Atualizado] Confira o trailer estendido de Como eu era antes de você, com introdução dos atores Sam Claflin e Emilia Clarke!

Como eu era antes de você conta a história de Louisa Clark, uma jovem do interior sem muitas ambições que, quando vê a cafeteria em que trabalha fechar as portas, é obrigada a se tornar cuidadora de um tetraplégico.

Emilia Clarke, conhecida por interpretar Daenerys, da série Game of Thrones, dará vida à personagem Lou. A atriz conta que devorou o livro nos intervalos de gravação de Exterminador do futuro: Gênesis e que desejava muito ser escalada para o elenco.

A adaptação terá ainda Sam Claflin, de Jogos vorazes, Matthew Lewis, de Harry Potter, Charles Dance, de Game of Thrones, e Jenna Coleman, de Doctor Who. Ansiosos?

Depois de você, continuação de Como eu era antes de você, chega às livrarias em 15 de fevereiro.

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testePai real, pai imaginário

Aos oito anos, o menino andava quase trinta minutos para chegar ao colégio. Eram os anos 1980 — outros tempos. Os pais se preocupavam menos; tinham filhos demais para tratar cada um como se fosse uma peça de porcelana ou preservá-los como o ser humano que viria a salvar o mundo de uma epidemia rara. Então, na segunda série, andava doze quarteirões até a escola. Passinhos pequenos, um diante do outro.

Se quisesse chegar à uma, precisava sair ao meio-dia e meia. Mochila jeans nas costas, cheia de cartilhas e cadernos recheados de parabéns e notas dez, e uma lancheira do papa-léguas. Destacava-se tanto nas aulas que, à noite, ao contrário de todas as crianças do mundo, rezava para tirar 82 na prova, em vez de 99. Às vezes encontrava uns amigos no meio do caminho; às vezes o primo de segundo grau, alcoólatra, se oferecia para levá-lo de carro. Ele, claro, aceitava.

Em regra, o garoto fazia o trajeto a pé, sozinho. A caminhada diária, no entanto, jamais era em vão. Todos os dias, naqueles idos de 1985, tinha uma missão: encontrar seu pai verdadeiro. Decidira, em silêncio, que havia algo de errado com a história que lhe contaram. Era impossível ter um pai de 57 anos. Fizera e refizera as contas: era quase o dobro da idade da maioria dos outros pais. Além do mais, não se achava parecido com ele. Talvez fossem apenas semelhantes o suficiente para que ninguém pudesse desvendar a trama.

Desenvolveu algumas teorias. Na primeira delas ele era fruto de uma relação ilícita de um dos tios, o irmão mais novo de sua mãe. A família, naquela cidade pequena, não queria saber de escândalo e resolveu acobertar a história, oferecendo um novo filho para seus pais. Depois de pensar um pouco no assunto — na verdade, após dedicar-se bastante ao tema —, essa hipótese passou a não lhe agradar tanto.

A família quase inteira morava no mesmo quintal, e um segredo cabeludo não seria guardado por muito tempo. Na primeira discussão, alguém ia dar com a língua nos dentes. E as brigas eram constantes. Sem falar nada a ninguém, descartou a própria teoria. Mas não desistira de encontrar seu pai verdadeiro, e usava o caminho até a escola para desvendar o mistério.

Era um jogo de adivinhação diário. Seria o homem que, com a caminhonete estacionada, fazia a barba dentro do carro, usando um barbeador elétrico? Seria o dono da loja de materiais de construção? Será que, com o dinheiro que todas aquelas pessoas compravam sacos de cimento, ele ajudava a pagar a mensalidade da escola? Podia ser ainda o Amintas, da mercearia, que lhe dera uma paçoca de graça outro dia.

De uma coisa tinha certeza: era nessas caminhadas que seu pai verdadeiro o acompanhava, só para certificar-se de que ele estava bem. Um dia, no momento correto, contaria toda a verdade. O tempo passou e, no entanto, o pai — fosse quem fosse — parecia não ter reunido as forças para se aproximar. Aos poucos, a ideia da busca acabou se dissipando na cabeça do garoto. Até que abandonou o assunto, sem se dar conta.

O menino cresceu e, embora tenha se esquecido da procura pelo pai imaginário, nunca chegou a ser realmente próximo do pai  real. Não havia brigas, mas os dois pareciam ser diferentes em tudo. Eram opostos. Um gostava de fazenda; o outro, de cidade. Um era caladão, o outro falava sem parar. O voto de um era no Maluf e o de outro, no Lula.

Foi o garoto já grande o último a ver o pai vivo, no hospital, uma hora antes que partisse. Pressionado pelas enfermeiras para deixar a UTI, sentiu que era o fim. Pediu ao pai que se lembrasse da infância na fazenda e do longo caminho que percorria para ir à escola, pelo mato, quando pequeno. Recordar a montanha em que morava e os jogos que inventava nas três horas que tinha de andar para receber educação. Afagou a cabeça do pai como se aquele velhinho fosse filho seu.

Mesmo nesse último momento no hospital, as caminhadas em busca daquele pai jovem, tão diferente do seu, não lhe voltaram à mente. Recordou suas aventuras quando mal conseguiu abafar o riso enquanto literalmente babava dentro de um tubo de plástico, para colher o material para um teste de DNA.

O tal teste não tinha relação com qualquer dúvida de infância. Foi um pedido de uma prima paterna, que queria descobrir se a família carregava o gene de determinada doença. A resposta só viria se o teste fosse feito num parente da mesma geração, do sexo masculino.

O resultado do exame não foi de muita ajuda. Inconclusivo. No entanto, o DNA revelou que ele realmente era primo de sua prima. O que também fazia dele filho inconteste de seu pai.