Pequena crônica dos batimentos por minutos

Aos 15 desconfiei, pela primeira vez, que estava apaixonada por ela.
Colégio de freiras. Pais católicos. Uniformes. Sapatos engraxados. Duas meninas.
Estávamos em 1996 e não podíamos nem nos olhar diretamente.
Rodinha dos mesmos amigos no recreio. Ela jogava futebol na educação física e falava do flamengo sempre que estávamos juntas. Eu sou do vasco, mas era a desculpa que eu precisava para andar ao lado dela por 30 minutos.
Sabe quando as mãos se tocam? Sabe quando os pêlos dos braços se levantam e o coração quase te denuncia de tanto barulho? Essa era eu aos 15. Bastava ela acenar e me chamar para longe dos amigos. “Vamos andar?”
Minha repsosta nem saia direito. Era um”vamos” abafado e tonto. Me perdia nos cabelos escuros dela. Procurava guardar cada olhar, cada toque, cada arrepio.
Arranhei com um compasso a mesa da sala de aula, imaginando que, um dia, as meninas da nossa escola iriam se questionar sobre de quem seriam aquelas iniciais. BeS. Imaginando que aquelas iniciais iriam perdurar após a mesa desmontada no galpão da escola. Abandonada num aterro ou queimada e transformada em poeira de volta ao solo. BeS.
Nosso amor em 1996 era sem voz. Era absorto na pele e transmutado como a madeira da nossa carteira na sala de aula. Éramos nós duas no silêncio do jardim da escola. Éramos nossas mãos entrelaçadas e o perfume do shampoo nos cabelos.
Nunca nos beijamos.