[A BONDADE REPENTINA]

Por Pedro Gabriel

16 / dezembro / 2014

coluna 16.12

Algo estranho acontece todo final de ano: as pessoas ficam simpáticas. Do nada. Corrigindo: as pessoas que não tinham o hábito de praticar gestos gentis se veem automaticamente entupidas de uma bondade jamais vista. Com direito a brilho nos olhos, sorriso de orelha a orelha e braços mais abertos que os do Cristo. Desde 1984, quando nasci, sou testemunha viva desse fenômeno. Não costuma durar muito tempo – geralmente chega na segunda quinzena de dezembro e se estica até o primeiro amanhecer de janeiro.

A sensação que eu tenho é que todo mundo se matriculou ao mesmo tempo em aulas de ioga. Intensivão de pensamentos positivos ohmmmmmm; supletivo de postura bacanuda perante o amor ao próximo ohmmmmmm; hora extra pelo futuro da Mãe Natureza ohmmmmmm… Seria lindo se não fosse perecível. Aquela mesma pessoa que ontem te xingava nas redes sociais hoje compartilha freneticamente as atualizações do seu mural. E tem mais: comenta com um coraçãozinho fofo e até dá uma curtida na foto da sua árvore de Natal recém-montada. Como se não bastasse, suspeito que ela ainda tenha mandado uma solicitação para jogar Candy Crush, mas sem querer acabei ignorando. Que maldade! (Desculpa, querida. Ainda não estou pronto para esse tipo de aproximação. O problema sou eu, não você.) Ah, como eu amo essa época!

Mas cuidado, praticante do bem diário: essas pessoas tocadas pela bondade repentina podem voltar ao normal a qualquer momento. Num mundo onde a concorrência é cada vez mais maldosa, ser bom, infelizmente, virou um diferencial. Isso sempre me incomodou. Não gostaria que a gentileza fosse um item de supermercado, posicionado estrategicamente na prateleira mais alta, com código de barras e prazo de validade – uma espécie de panetone a ser consumido imediatamente.

Que em 2015 todo mês seja dezembro.

Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena, capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português. A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e autor de Eu me chamo Antônio Segundo – Eu me chamo Antônio e Ilustre Poesia.

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Comentários

12 Respostas para “[A BONDADE REPENTINA]

  1. E quantas vezes a gente já foi picado por essa simpatia momentânea. Ainda bem, que o tempo é o nosso melhor amigo, pois a gente amadurece e percebe o quanto a gente já foi bobo um dia. Quer dizer, nem todos amadurecem, alguns apodrecem e nada aprende.

  2. Boa reflexão. Infelizmente está sendo assim mesmo alguma atitudes das pessoas…prefiro qualidade do de quantidade.

  3. Que assim seja… Mas q seja sem hipocrisia… Pq cansa, irrita e consome. Que possamos ser tocados pelo espírito da bondade.

  4. Amém. Mas que seja uma simpatia verdadeira nesse próximo ano.

  5. Quem dera todo mês fosse dezembro…e todos os dias Natal…
    Pena que, como você mesmo observa, a bondade de algumas tantas pessoas tenham prazo de validade…e talvez, mesmo em validade, estejam podres.
    Que venha sempre dezembro! Que venham as gentilezas…mas sem hipocrisia!
    Parabéns pelo belo trabalho. Super fã sua!

  6. Comentei isso ontem coincidentemente em um outro site…Sobre essa bondade repentina, esse fazer pelo outro somente nessa época do ano, o fazer e sair “bandeirando” que fez…Aff…Isso passa muito longe de ser caridade, é uma tremenda de uma vaidade. Pessoas oportunistas que se aproveitam do período e das situações para se auto promover 🙁 Mas tem, e muito mais do que imaginamos!! Façamos pelo outro, tomara que em qualquer época do ano, sem querer mostrar que estamos fazendo. Parabéns, te acompanho, gosto do seu trabalho!! Você esteve em Ribeirão Preto por esses dias , no segundo Antonio, mas infelizmente Eu não pude estar presente, pois estava trabalhando, uma pena. Abraço.

  7. Eu sempre imaginei que o natal e todas essas comemorações sejam um data estratégica para faturarem. Minha família não comemora o natal, ás vezes o ano novo, enfim. Eu gostaria que você, Pedro Gabriel, me desse um conselho. Alguns meses atrás, eu conheci um garoto. Bem, ele era tudo que sempre admirei nas pessoas… A gente começou a namorar, no entanto, minha mãe não aprovou essa ideia, devido ele ser pobre. Passamos por muitas dificuldades, minha mãe inclusive ameaçou ele, só que ele continuou intacto. Agora, eu conversava com uma de suas amigas pelas redes sociais, e ele ficou sabendo, ficou muito magoado e foi me ignorando aos poucos. Hoje em dia, ele pediu um tempo, disse que eu mudei e que quando ele estiver preparado falará comigo. Eu realmente não sei o que fazer, tenho medo de passar muito tempo e eu acabar perdendo ele. Me aconselha quanto a isso?

  8. As festinhas de “confraternização” tem todos esses ingredientes, uma pena.

  9. Pedro, seus textos são incríveis. Olha, se um dia eu conseguir escrever textos tão lindos e tocantes como os seus, eu tenho certeza que serei a pessoa mais feliz do mundo. Parabéns! Você é incrível!

  10. Muitas pessoas veem a vida como um programa de milhagens.
    Acumulam pecados o ano todo e em dezembro querem quitá-los com boas ações.

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