Bastidores

Mergulhe no caos como se fosse 1992

25 / maio / 2016

Por Pablo Rebello*

A California Highway patrolman directs raffic around a shopping center engulfed in flames in Los Angeles, 30 April 1992. Riots broke out in Los Angeles, 29 April 1992, after a jury acquitted four police officers accused of beating a black youth, Rodney King, in 1991, hours after the verdict was announced. (Photo credit should read CARLOS SCHIEBECK/AFP/Getty Images)

A primeira vez que ouvi falar em Todos envolvidos foi numa conversa de bar com o pessoal do trabalho. Um amigo me recomendou a leitura, dizendo que o livro era a minha cara, seja lá o que isso quer dizer. Dei corda para saber um pouco mais sobre a trama. Ele me contou que a história se baseava em fatos reais, nas revoltas que tomaram as ruas de Los Angeles após a Justiça absolver três policiais que espancaram um taxista negro no início dos anos 1990, com foco nas gangues que se aproveitaram do caos para realizarem os próprios acertos de contas. Pedi mais uma cerveja ao garçom. O assunto parecia interessante.

Naturalmente, quis saber mais sobre o livro, então perguntei detalhes da história, momento em que meu amigo se embolou um pouco. Primeiro, por não querer me dar spoilers, o que acho muito justo. Aproveito para dizer que também não farei isso aqui. Afinal, não quero estragar a diversão de ninguém. Segundo, pelo livro não ter uma narrativa tradicional, mas podemos falar disso daqui a pouco. O que importa é que a conversa me deixou intrigado.

Eu me lembrava vagamente das revoltas de 1992 em Los Angeles. Na época, eu não passava de um pré-adolescente que ainda estava descobrindo o mundo e não compreendia bem a relevância daquelas notícias bombásticas. Tudo que eu via na televisão eram cenas de violência, lojas pegando fogo e nuvens de fumaça enormes. Podia ser um filme, se não estivesse passando no Jornal Nacional (ainda assistíamos a TV aberta naqueles tempos). Se fiquei preocupado foi só por ver o impacto que tais matérias provocavam em meus pais. Seja como for, as imagens ficaram gravadas na minha cabeça. Talvez até tenham influenciado, de forma subliminar, a minha decisão por cursar jornalismo, embora até eu admita que esteja forçando um pouco a barra nesse ponto.

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Menciono isso pelo fato de, quando estava na faculdade, ter flertado com a ideia de me tornar correspondente de guerra. Não lembro exatamente por quê. Pode ser que estivesse apenas atrás do lado com mais adrenalina da minha profissão. Acabou que o destino me levou a conhecer outra zona de guerra muito mais próxima da minha realidade: o jornalismo policial. Por anos, frequentei delegacias, cenas de crimes, subi morros, entrei em favelas, entrevistei policiais e bandidos, recebi uma dúzia de ameaças e conheci famílias devastadas pela violência urbana. Não sinto saudades de nada daquilo. Mas reconheço a importância que tais experiências tiveram na minha formação. E acabo me interessando por livros, filmes e séries que se aprofundam nesse universo criminal.

211319todosenvolvidosLogo, mesmo sem o título cair nas minhas mãos quando chegou ao departamento de comunicação, fui atrás para descobrir do que se tratava. E bastou ler o primeiro capítulo para perceber que devoraria o livro em bem pouco tempo. A narrativa de Ryan Gattis me pegou de jeito. Além de ser crua e visceral, tem um tom confessional, como se os personagens estivessem me contando seus segredos mais íntimos enquanto reagiam ao caos que se espalhou por Los Angeles. De repente, me vi embrenhado naquela realidade violenta e assustadora, compreendendo a revolta de uns e me indignando com o oportunismo de outros.

Também compreendi a dificuldade do meu amigo em me passar uma sinopse do livro. Não é fácil resumir uma experiência como a que Ryan Gattis oferece em Todos envolvidos. A história segue uma cronologia linear, no sentido de que cobre seis dias de revoltas e tumultos, mostrando tanto a instalação do caos como a sua inevitável extinção (e isso não é spoiler, antes que apontem o dedo para mim). Só que isso não é feito seguindo os passos de um protagonista específico ou por meio de histórias que apenas utilizam o mesmo cenário e momento para se desenvolverem. Isso é feito conectando todos os personagens, de modo que tenham o seu lugar ao sol e vejamos como cada um influencia a vida do outro. Dizer mais do que isso seria flertar com a zona de spoilers.

Demorei uns quatro dias para terminar a leitura porque decidi ler sem muita pressa, saboreando os detalhes e as conexões entre os capítulos. Quando virei a última página e fechei o livro, contemplei a capa mais uma vez, pensando em todos os pontos de vista que me foram apresentados naquela jornada por uma Los Angeles em pé de guerra, e fiz algo que não faço com frequência: suspirei. Eu sentiria falta daqueles personagens, de suas histórias, suas perdas e suas dores. Eu refletiria sobre as desigualdades sociais e econômicas que criam barreiras entre as pessoas não só em L.A., mas em qualquer cidade que já tive oportunidade de conhecer. Eu pensaria sobre o Brasil e tudo pelo que passamos nos últimos anos.

Eu me conectei com o livro. No fundo, acho que isso é tudo que importa. Por se basear num evento real, por não se apoiar em nenhum protagonista específico, por me colocar na pele de cada um dos seus 17 personagens principais, por tudo isso e muito mais, tiro meu chapéu para Ryan Gattis e sua prosa provocadora, imersiva e iluminada pelas chamas de coquetéis molotov jogados em vidraças de consciências desavisadas. Obrigado por me envolver nessa armadilha literária montada com tanto cuidado. E boa leitura para aqueles que se arriscarem por essas perigosas páginas.

Pablo Rebello é assistente de Comunicação na Intrínseca e escritor nas horas vagas. Participou das coletâneas Contos da Confraria (Ed. Bookmakers) e Dragões (Ed. Draco) e é autor do e-book Deserto dos desejos (disponível na Amazon).

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