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Tenho um plano para isso – a campanha (revolucionária) de Elizabeth Warren

6 / março / 2020

Por Dolores Roux*

Elizabeth Warren deixou a disputa pela candidatura democrata, mas não desistiu, fez questão de avisar. “Não concorrerei à presidência em 2020, mas garanto: continuo nessa luta”, disse a senadora democrata, na tarde do dia 5. Ela prometeu retornar daqui a quatro anos, para a eleição de 2024.

A senadora por Massachusetts era uma das pré-candidatas mais competitivas do campo democrata. Chegou a estar na frente na disputa pela nomeação do Partido Democrata para enfrentar Donald Trump nas urnas, em novembro. Foi por isso que, ao anunciar a decisão, Warren tinha a voz triste.

A decisão ocorreu depois de ela não ter tido bom desempenho na Superterça, dia 3, quando pré-candidatos democratas passaram por primárias em 14 Estados americanos. Sua saída deixa o ex-vice-presidente Joe Biden e o senador Bernie Sanders como os únicos pré-candidatos com chances de obter a nomeação democrata para concorrer à Casa Branca. Warren deve apoiar um dos dois, mas disse que precisa de “um tempinho para pensar um pouco mais” antes de revelar sua escolha.

Pesquisas dos últimos meses mostravam Warren entre três principais nomes da corrida democrata. Em outubro ela chegou a ficar em primeiro lugar e tecnicamente empatada com Biden, com 26,6%. A última pesquisa antes de sua saída, feita pela Reuters com o instituto Ipsos, mostra Biden com 45%, Sanders com 32% e Warren com 11%.   

Bernie Sanders, Joe Biden e Elizabeth Warren

Neste ano, a disputa democrata está infinitamente mais acirrada do que a republicana. A briga pela nomeação do partido começou com dez candidatos e agora está praticamente com dois. A breve participação do bilionário Michael Bloomberg e a saída recente de Warren, do ex-prefeito Pete Buttigieg e da senadora Amy Klobuchar fazem a corrida democrata nada linear.

Warren, contudo, buscou traçar um caminho distinto do dos outros pré-candidatos de seu partido. Ela fez questão de trazer à tona questões incômodas para os EUA, como desigualdade econômica e favorecimento de bancos e grandes empresas. O jornal The New York Times a classificou como a senadora e ex-professora de direito “que quer mudar as regras da economia” americana.

Sua agenda estava recheada de propostas que, se implementadas, poderiam ser consideradas uma verdadeira revolução nos EUA. Ela prometia “grandes mudanças estruturais” com o objetivo de virar a balança mais para o lado dos trabalhadores e menos para grandes corporações e ricos. A longa lista de planos, como taxar grandes riquezas, perdoar dívidas estudantis, seguro-saúde para todos e novo imposto sobre lucros corporativos, rendeu à senadora de 70 anos o slogan “I have a plan for that” (“Tenho um plano para isso”), que estampou a camiseta oficial de sua campanha.

Muitos questionavam como Warren pretendia financiar todos os planos que tem para os EUA. Em seu site, ela propunha “um pequeno imposto sobre grandes fortunas” – de 2% para quem ganha entre US$ 50 milhões e US$ 1 bilhão anualmente e de 6% para quem ganha mais –, medida que poderia gerar US$ 4 trilhões por ano para os cofres públicos.

As propostas não são, no entanto, novidade para o público. Em seu livro Uma chance de lutar, lançado em 2016 pela Intrínseca no Brasil, Warren dá as primeiras pistas. Nele, ela conta como passou a integrar o grupo de trabalho responsável por supervisionar as atividades do Congresso americano, o Congressional Oversight Panel, quando ainda dava aula de direito na Universidade do Texas. Depois, tornou-se professora em Harvard e foi chamada pela Casa Branca para atuar como assistente do presidente Barack Obama na implantação da Agência de Proteção Financeira ao Consumidor, órgão com poder para garantir que regulamentações de proteção ao consumidor fossem elaboradas de maneira justa e fiscalizadas com rigor. Em 2012, ela foi eleita senadora por Massachusetts.

Desde então, a sua grande briga não tem sido apenas contra os bancos, mas contra o fato de eles terem carta branca para destruir a vida de milhões de cidadãos, levando o país e boa parte do mundo para o buraco.

Se na eleição de 2016 essas bandeiras inspiraram tanto Bernie Sanders quanto Hillary Clinton, que falava em maior controle sobre instituições financeiras, desta vez tiveram maior atenção do público e de formadores de opinião, que veem Warren como uma figura singular.

A imprensa americana destacou que, no último debate democrata, de 19 de fevereiro em Las Vegas, Warren começou um verdadeiro ataque contra Bloomberg logo nos primeiro minutos. “Os democratas correm um enorme risco se substituirmos um bilionário arrogante por outro”, disse Warren, ao comparar o ex-prefeito de Nova York ao presidente americano. Sua postura firme levou Paul Krugman, colunista do New York Times, a vê-la como “uma força a ser reconhecida” tanto na corrida presidencial quanto no cenário político dos EUA hoje.

Mike Bloomberg e Elizabeth Warren

Os pré-candidatos estão no meio do caminho para a nomeação democrata. A etapa atual é a primeira de duas partes que compõem a eleição americana.  No início, os pré-candidatos brigam pelo maior número de delegados possível para conseguir a nomeação do partido. Nas 20 primárias e caucuses democratas até 3 de março, foram disputados 903 delegados, de um total de 1.991 para a nomeação do partido. Na segunda etapa eles disputam os votos dos eleitores no dia da votação, que ocorre na terça-feira após a primeira segunda-feira de novembro — neste ano, 4 de novembro.

Nesta primeira fase, o pré-candidato democrata tem de passar por 57 primárias (organizadas pelo governo local) e caucuses (financiados por entidades privadas), onde obtém votos dos delegados do partido naquele Estado, além de debates que equivalem a uma votação e podem levar o candidato à bancarrota.

A última etapa da primeira fase é a convenção nacional de cada partido, na qual delegados acabam formalizando seu voto. Se nenhum dos nomes tiver obtido votos suficientes nas primárias, é na convenção que os delegados definem os candidatos a presidente e a vice-presidente da legenda. No caso do Partido Democrata, a convenção ocorrerá entre 13 e 16 de julho, em Milwaukee, no Estado de Wisconsin.

Do lado republicano, como de praxe, o presidente em primeiro mandato não enfrenta rivais no partido; as primárias estão ocorrendo em apenas alguns estados, e Trump será formalizado candidato à reeleição na convenção do Partido Republicano, em 18 de junho, na Carolina do Norte.

Só então começa a segunda parte do processo eleitoral, quando eleitores vão às urnas e escolhem o próximo presidente e vice-presidente.

 

Como funciona o processo eleitoral nos Estados Unidos

Diferentemente do Brasil, nos EUA não ganha quem recebeu o maior número de votos populares. Quem vota são os eleitores, mas quem acaba definindo o vencedor é o Colégio Eleitoral, órgão composto por 538 delegados, distribuídos em todos os estados e a capital, Washington, D.C. O número de delegados varia de acordo com a população de cada estado. Estados mais populosos, como Califórnia e Flórida, possuem mais delegados — 55 e 29, respectivamente — e, por isso, costumam ser chave nas eleições americanas.

Vale lembrar que, na eleição de 2016, Trump derrotou Hillary mesmo tendo recebido cerca de 3 milhões de votos a menos do que a ex-secretária de Estado. Trump recebeu 46,1% dos votos populares, e Hillary, 48,2%. Mas o republicano conquistou apoio em estados-chave e acabou ficando com 304 votos dos delegados do Colégio Eleitoral, ante 227 de Hillary.

Somam-se a todas essas idiossincrasias do processo eleitoral dos EUA os diferentes tipos de voto que o país possui. Dado o grau de federalismo, cada estado define como é feita sua votação. Assim, o voto nos EUA é um verdadeiro pot-pourri — vai de cédulas de papel a voto eletrônico e até mesmo pelo correio.

No caso da cédula há duas submodalides. Ou o papel é marcado com caneta e entregue ao mesário para depois ser contado manualmente, ou a cédula é lida por um escâner, que registra o voto.

Há ainda o voto eletrônico — conhecido pela sigla DRE (direct recording electronic) —, do qual pode ser emitido um comprovante, e o voto pelo correio, disponível em mais de 20 estados.

O voto por aplicativo, testado em projetos pilotos na Virgínia Ocidental, Colorado e Oregon, vem sendo cada vez mais debatido. Enquanto se mostra uma mão na roda para mesários e eleitores, ele é visto com cautela por especialistas em segurança cibernética. As suspeitas de interferência de hackers russos nas últimas eleições americanas fizeram o nível de preocupação crescer ainda mais. 

 

 *Dolores Roux é jornalista e doutoranda em ciência política. Cobre política internacional há 14 anos e se dedica a estudar democracia e política social na América Latina há oito.

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