Bastidores

Taylor Swift e a prova de que nenhuma mulher está à salvo do silenciamento

25 / novembro / 2019

Por Joyce Souza*

Assédio, manipulações, menosprezo e silenciamento. Não importa o quão influente uma mulher seja ou quanto dinheiro possui: em algum momento da vida ela pode enfrentar pelo menos uma das situações acima. E nós precisamos falar sobre isso.

Nos últimos anos, a conscientização sobre a desigualdade social, econômica e política entre homens e mulheres ganhou força no mundo inteiro. Movimentos como o #MeToo trouxeram à tona a grandiosidade do problema, e mulheres de diferentes classes, raças e áreas de atuação decidiram que era o momento de falar abertamente sobre a dor e o desconforto de viver em uma sociedade onde seus corpos e pensamentos são constantemente inferiorizados e violentados. Porém, mesmo com a enorme exposição e alguns avanços no que diz respeito ao assunto, ainda é nítido que há uma longa batalha pela frente. 

Esse é o tema do livro Rede de sussurros, de Chandler Baker, enviado na caixa de agosto do clube do livro intrínsecos. A trama conta a história de três mulheres que deixam os sussurros de lado e decidem usar suas vozes para expor o comportamento desrespeitoso do chefe com as subordinadas. Quando definem que o silêncio não deveria ser uma opção, suas vidas — como mulheres, colegas, mães, esposas, amigas e até adversárias — mudam drasticamente.

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Seja na ficção ou na vida real, o silenciamento continua sendo uma questão para mulheres em seus espaços de convivência. Contudo, aos poucos elas vêm trocando os sussurros por gritos de liberdade, mostrando que suas vozes são a ferramenta mais poderosa que possuem. E o mais recente conflito da indústria musical envolvendo Taylor Swift é um grande exemplo disso.

Estou tão cansada de correr o mais rápido que posso, me perguntando se chegaria mais rápido se fosse homem. E estou tão cansada deles vindo atrás de mim de novo, porque se eu fosse homem, então eu seria o cara. 

É desta maneira que Taylor Swift inicia o refrão da música “The Man”, faixa de seu sétimo álbum, Lover. A composição lançada em agosto deste ano não poderia estar mais atrelada aos últimos acontecimentos da carreira da cantora. Por meio de suas mídias sociais, Swift tem exposto os intensos conflitos com sua antiga gravadora, Big Machine Records, e todas as tentativas de boicote e silenciamento que sofreu desde que decidiu deixar a companhia. 

 

1 – Como tudo começou

No final de junho, foi anunciado que o empresário Scooter Braun era o mais novo dono da Big Machine Records, ocupando o cargo ao lado de Scott Borchetta. Com a aquisição da gravadora, as mídias começaram a anunciar a grande jogada empresarial de Braun: além de gerenciar as carreiras de Justin Bieber, Ariana Grande e Demi Lovato, ele agora era proprietário dos direitos dos seis primeiros álbuns de Taylor Swift, um dos nomes mais lucrativos da indústria musical. Enquanto era enaltecido como um exemplo de sucesso e de inteligência no mundo dos negócios, quase ninguém fazia ideia dos bastidores dessa transação.

Poucas horas após a notícia, Swift expressou sua insatisfação com a aquisição. Em carta aberta, a cantora comentou que este era o “pior cenário possível”, clamando que um homem que a humilhou no passado agora era o dono da maior parte de suas músicas. 

 

Taylor não teve a chance de comprar sua discografia. Não por falta de dinheiro, mas por não permitirem que ela fosse dona das próprias canções. O único contrato que ofereceram a ela foi um de renovação, no qual, a cada álbum novo que fizesse, ela teria o direito de obter um antigo. Isso é, no mínimo, cruel. Mais seis álbuns com a Big Machine Records até que Swift e suas músicas pudessem ser plenamente livres.

Ao rejeitar o contrato com a Big Machine Records, a cantora assinou com a Republic Records e passou a ser dona de todas as músicas que gravasse dali em diante. Mas, após novembro de 2020, Taylor está contratualmente apta a regravar todas as suas antigas faixas, libertando-se da antiga gravadora. 

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Contudo, quase cinco meses depois, Swift escreveu uma nova carta com o título “Não sei mais o que fazer”. 

 

No texto, a artista pop diz que Scott Borchetta e Scooter Braun não deram autorização para que ela cantasse as faixas de seus primeiros álbuns no American Music Awards, onde foi homenageada como a Artista da Década. Além disso, Swift revelou que o documentário que está gravando com a Netflix há alguns anos também está comprometido, visto que os donos de sua ex-gravadora não permitiram que ela utilizasse canções e performances anteriores. Diante dos novos fatos, mais um acordo injusto foi oferecido para Taylor: a cantora estaria autorizada a usar suas músicas antigas se não as regravasse no próximo ano. E se parasse de falar publicamente sobre Scott Borchetta e Scooter Braun. 

É estranho pensar nos motivos racionais que levariam Borchetta e Braun a impedir ambos os projetos. Economicamente, seria o melhor cenário possível para eles — a artista homenageada da noite, que não está mais vinculada diretamente à gravadora, cantando antigos sucessos em uma premiação televisionada para o mundo inteiro. Mas é claro que essa não é uma história sobre dois homens ricos querendo ter mais dinheiro à custa do trabalho de outra pessoa. É a história de dois homens querendo poder à custa de uma mulher. 

2 – Se Taylor Swift fosse um homem, os acordos com a gravadora teriam sido diferentes? 

Quem acompanha a trajetória de Taylor Swift ao longo de seus quinze anos de carreira sabe que ela não conquistou o mundo só por sua voz ou pelas apresentações impecáveis. Foram suas letras sobre amor verdadeiro, desilusões, corações partidos e superação que a transformaram em um fenômeno de sua geração. Foram as composições que escreveu em seu quarto dos 14 aos 29 anos que fazem Taylor Swift ser o que é hoje, e é cruel arrancar este vínculo que a cantora tem com seus fãs.

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Depois de muito alvoroço em torno do assunto, da hashtag #IStandWithTaylor dominar as redes sociais, e de muitas artistas femininas como Lily Allen, Halsey, Selena Gomez, além de Elizabeth Warren, candidata à presidência dos Estados Unidos, se posicionarem sobre a situação, a Big Machine Records publicou uma nota explicando seu lado da história. 

 

 

 

 

Após a versão da gravadora, os jornais The Guardian e The New York Times investigaram o ocorrido e conseguiram acesso aos e-mails trocados entre a Big Machine Records e a equipe de Swift. No texto, os dois jornais afirmam que a gravadora não autorizou o uso das músicas na premiação, no documentário da Netflix e no evento chinês Alibaba Double Eleven, no qual a cantora havia apresentado apenas as músicas de seu último álbum, Lover, na semana anterior. 

 

 

Em uma segunda nota, a Big Machine Records contou que entrou em contato com a Dick Clark Productions, organizadora do American Music Awards, e eles concederam todas as licenças de performances de seus artistas. Entretanto, um representante da produtora compartilhou uma declaração negando qualquer envolvimento com a nota da gravadora. 

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Em nenhum momento a Dick Clark Productions concordou em criar, autorizar ou distribuir um comunicado em parceria com a Big Machine Label Group sobre a performance de Taylor Swift no American Music Awards 2019. Qualquer acordo final sobre esse assunto deve ser feito diretamente com a equipe de gerenciamento de Taylor Swift.

 

Mais uma vez, a Big Machine Records havia sido publicamente desmentida, e muitas questões giravam ao redor dessa situação: se Borchetta e Braun não estão interessados em prejudicar Swift, como alegam, por que não permitem que ela compre ou utilize o próprio catálogo de maneira justa? Por que eles a estariam impedindo de cantar em apresentações com transmissão televisiva, se isso é algo benéfico para os dois lados? Por que publicam notas sem fundamento? Estariam sendo tão ingênuos a ponto de achar que não seriam descobertos? Ou estavam se apoiando em um machismo, impregnado na nossa sociedade, que constantemente pinta as mulheres como exageradas, loucas e “histéricas”? É muito difícil ter uma resposta em relação à isso, mas também é extremamente complicado acreditar que a primeira opção é a verdadeira. O grupo Big Machine é uma empresa com funcionários experientes e competentes, que auxiliaram a carreira de Taylor Swift desde os primeiros anos, sem muitos problemas. Como seria possível que eles errassem de tal forma?

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O que aconteceria, também, se Swift fosse uma artista menor? Se ela não tivesse gritado ao mundo o que vinha passando? Ela teria sido ouvida? Teria conseguido o acordo da mesma forma ou estaria até hoje à espera de um milagre? Se Taylor Swift fosse um homem, os acordos com a gravadora teriam sido diferentes? 

 

3 – Elas não vão mais se calar 

Infelizmente, o caso de Swift é apenas mais um entre tantos outros. É para que mulheres não passem por situações como essa que movimentos como o #MeToo existem. Diante de boicotes, manipulações, mentiras e injustiças, ficar calada não é mais uma opção. Assim como em Rede de sussurros, mulheres estão se unindo cada vez mais, parando com os sussurros e expondo seus casos para o mundo. 

O AMAs 2019 aconteceu na noite de 24 de novembro, em Los Angeles. Vencedora de seis categorias, Taylor Swift quebrou o recorde de Michael Jackson e se tornou a maior vencedora da história da premiação. Depois de todos os conflitos em torno de sua performance, a cantora foi autorizada a cantar suas músicas antigas. Vestindo uma camisa social com o nome de seus primeiros álbuns, ela começou o medley com uma música que não pertencia a Borchetta e Braun, mas que precisava ser cantada em alto e bom som: “The Man”.

 

*Joyce Souza é apresentadora. Dona do programa De frente com a Joyce, é dela a voz misteriosa por trás da Live da Intrínseca. Além dos milhares de fãs que acumula no Instagram, é publicitária em formação e suas maiores paixões são música pop e pão de alho. Como prefere não dar detalhes de sua vida privada a seus seguimores, esta biografia é assinada por sua ASCOM.


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