Relatos do Inferno

#3 Testemunhas do Holocausto: a escritora Irène Némirovsky

8 / janeiro / 2013

Entre 1939 e 1945, mais de setenta milhões de pessoas morreram em consequência do maior conflito da Terra. Em Inferno, Max Hastings — um dos maiores historiadores militares do mundo, agraciado com o título de Cavaleiro da Ordem do Império Britânico pelo conjunto de sua obra e vencedor do Pritzker Military Library Literature Award —, reúne o testemunho de pessoas comuns que vivenciaram, direta e indiretamente, a Segunda Guerra Mundial.

O que viram as testemunhas de batalhas, ataques aéreos, massacres e afundamentos de navios? Por quais provações, medos e incertezas passaram civis, soldados e militares de alto escalão? Nesta nova seção do blog, Relatos do Inferno, destacaremos algumas das histórias narradas por Hastings, testemunhos capazes de revelar ao leitor do século XXI como foi viver, lutar e morrer em um mundo em guerra.

Testemunhas do Holocausto — a escritora Irène Némirovsky:

Muitos importantes testemunhos de vítimas do Holocausto foram preservados, mas um entre os mais espantosos foi revelado ao mundo apenas sessenta anos depois da morte de sua autora. Irène Némirovsky nasceu em Kiev, em 1903, filha de um rico banqueiro que deixara os guetos e pogroms ucranianos para se instalar em uma grande mansão em São Petersburgo. Ela cresceu num ambiente de luxo solitário, viajando com regularidade para a França com a família. Fugiram da revolução em 1917, passando por sofrimentos consideráveis até chegarem a Paris, dois anos depois, onde o pai refez sua fortuna. Irène escrevia desde os quatorze anos. Em 1927, publicou seu primeiro conto; quando a guerra começou, era uma figura literária estabelecida na França, autora de nove romances, um deles transformado em filme, além de casada e mãe de duas meninas. Em 1940, quando os alemães ocuparam Paris, retirou-se para uma casa alugada na aldeia de Issy-l’Eveque, em Saone-et-Loire. Ali, no ano seguinte, iniciou o que planejava ser uma trilogia sobre a guerra, com a escala épica de Guerra e paz. Irène tinha poucas ilusões sobre seu provável fim e escreveu com desespero em 1942: “Que isso termine, de uma forma ou de outra!” Embora convertida ao catolicismo, não houve como escapar ao flagelo imposto pelos nazistas: em 13 de julho, foi detida pela polícia francesa e deportada para Auschwitz, para ser assassinada em Birkenau, em 17 de agosto. Seu marido foi morto pouco depois.

Némirovsky havia concluído os dois primeiros volumes de sua obra notável. As filhas, que sobreviveram à guerra escondidas, preservaram, milagrosamente, os originais, escritos numa letra minúscula que refletia a escassez de tinta e de papel vivida pela autora. As moças só conseguiram ler esse exclusivo memorial mais de meio século depois. Então uma delas, Denise, transcreveu penosamente os originais, com a ajuda de uma lupa, e, hesitante, entregou o texto a um editor. Suíte francesa, publicado na França em 2004, tornou-se uma sensação mundial. O primeiro volume descreve a experiência francesa em junho de 1940 e as aflições de milhões de refugiados. O segundo concentra-se no relacionamento entre um soldado alemão do exército de ocupação e uma francesa. O pathos é extraordinário, de uma judia condenada a morrer retratando com aguda simpatia os sentimentos e o comportamento daqueles que seriam seus assassinos. O relato da sociedade francesa sob ocupação, seus sofrimentos e as manifestações silenciosas de coragem e de traição moral compõem um dos mais impressionantes legados literários da guerra. A análise fria e irônica e acompanhada por uma calorosa compaixão, demonstrada enquanto a autora aguardava uma morte em que, ela sabia, o povo francês era cúmplice dos alemães. Némirovsky passou a ser reconhecida como uma extraordinária testemunha de sua época e da tragédia de seu povo.

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