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Dave Grohl, testemunha ocular das mudanças no rock e na música pop

7 / fevereiro / 2022

por Marcelo Costa*

Foto: © Magdalena Wosinska/Divulgação

Quando David Eric Grohl nasceu, em janeiro de 1969, os Beatles estavam em um galpão londrino gravando o filme Let It Be, que seria relançado cinquenta anos depois como Get Back. Antes de Dave completar um ano de vida, os Stooges, de Iggy Pop, lançariam seu seminal álbum de estreia com “I Wanna Be Your Dog”. E, quando Dave estava balbuciando as primeiras palavras, aos dois anos, o Led Zeppelin gravaria “Stairway To Heaven”.

Aos sete anos, alguma rádio sintonizada na casa de Dave deve ter tocado “American Girl”, de Tom Petty. O AC/DC lançaria “Whole Lotta Rosie” como single quando o menino tinha oito, e, aos onze, o álbum Ace of Spades, do Motörhead, saiu em vinil. O que Dave provavelmente não esperava é que heróis de todas essas bandas fossem, de alguma maneira, fazer parte de sua vida no futuro, ganhando passagens especiais na recém-lançada autobiografia O contador de histórias: Memórias de vida e música. Nela, o ex-baterista do Nirvana e líder do Foo Fighters compila causos de mais de cinquenta anos de vida, dos quais quatro décadas foram dedicadas intensamente à música.

Além de um livro com curiosidades da vida de um rockstar do primeiro escalão, a obra perpassa momentos significativos do rock nas últimas décadas, com Grohl como testemunha ocular de alguns movimentos tanto quanto catalisador de outros.

Aprendendo com o movimento punk

Foto: Cortesia de Dave Grohl/Divulgação

Tudo começa nos anos 1980 com o do it yourself do punk rock e suas capas de disco xerocadas, com fotos escuras de baixa qualidade, letras e créditos escritos à mão, tudo feito artesanalmente pelos próprios integrantes das bandas. O movimento punk inspirou Dave, que, pela primeira vez, sentiu que tocar em uma banda como Paul McCartney, John Paul Jones e Lemmy Kilmister tocavam era possível.

Antes de completar dezoito anos, Grohl lançaria seus primeiros álbuns com a Mission Impossible e a Dain Bramage, as duas primeiras bandas de que participou. Mas o sonho se tornaria realidade mesmo com a Scream, mítica banda de hardcore que havia lançado três discos pelo selo Dischord, de Ian MacKaye. Dave assumiria a bateria do grupo em 1986 e gravaria o disco No More Censorship, de 1988, antes de a Scream (e o próprio Dave) ser levada para tocar em vários cantos do país e da Europa.

Os CDs já eram uma realidade nos Estados Unidos no fim da década de 1980, e, quando Dave entrou no Nirvana, em 1991, muitos álbuns já nem eram lançados em vinil no país de Kurt Cobain. Para se ter uma ideia, segundo a Billboard, em 2021, Billie Eilish e Taylor Swift marcaram as maiores vendas de vinil em trinta anos, com Happier Than Ever e Evermore, respectivamente — ou seja, desde Nevermind.

Com seu segundo disco, o Nirvana e seus integrantes (Kurt, Krist e Dave, o último a entrar no barco) foram alçados à fama mundial e destronaram Michael Jackson na lista dos mais vendidos. Infelizmente, como todos sabemos, Cobain não suportou o peso de ser famoso. “Tinha 25 anos, uma vida pela frente, mas parecia que tinha acabado também”, desabafa Grohl em certa altura de O contador de histórias, após citar o suicídio do amigo, parceiro de banda e de apartamento.

 

Do luto ao Foo Fighters

 
O sucesso avassalador do Nirvana exportou o grunge de Seattle para vários cantos do planeta, e, em meio ao luto, Dave começou a gravar canções de um projeto que ele ainda nem sabia no que iria dar, mesmo que a indústria já tivesse ideia do que esperar. Nas revistas brasileiras, os anúncios do primeiro disco do Foo Fighters, a nova banda de Dave, traziam títulos como: “O primeiro álbum de uma nova banda de que você sempre gostou.”

Grohl havia recusado o posto de baterista de Tom Petty (ele conta essa história no livro!) para seguir seu instinto com um novo projeto que continuava na trilha de melodia e barulho que o Nirvana havia pegado emprestada do Pixies – não à toa, Gil Norton, que produziu Doolittle, a obra-prima do Pixies, foi escolhido para o segundo álbum do Foo Fighters, The Colour and the Shape. Álbum a álbum, o Foo Fighters cresceu em popularidade até se tornar uma megabanda, dessas que enchem estádios. David Eric Grohl havia chegado lá mais uma vez, dessa vez por sua conta, talento e risco.

Após a experiência árdua de trabalhar com Gil Norton no disco anterior, Dave estava mais seguro como compositor. “Gil era conhecido por ser um supervisor”, pontua, relembrando: “Sua meticulosa atenção a detalhes valeu a pena no fim das contas, mas não sem antes castigar nossas almas […]. Juramos que nunca mais nos submeteríamos a um processo doloroso como aquele.” Dave montou um estúdio caseiro e nele gravou o novo disco do Foo Fighters, buscando ser a antítese de um novo gênero musical que se popularizava naquele momento: o nu metal.

“A ausência de melodia na maioria das canções de nu metal era flagrante, e meu amor por melodia (inspirado desde pequeno pelos Beatles) me levou a compor a partir de uma perspectiva bem mais delicada”, conta Dave. Assim nasceu o terceiro disco do Foo Fighters, There Is Nothing Left to Lose (1999), com sucessos como “Learn to Fly”, “Breakout” e “Generator”. Enquanto um novo gênero musical vinha à tona, Dave preferiu dedicar o seu amor (e suas novas composições) ao soft rock setentista.

 

Do Queens of the Stone Age ao Them Crooked Vultures

Foto: © Danny Clinch/Divulgação

Na virada para o novo século, porém, Dave colaboraria com outro estilo musical que estava se popularizando como praga em plantação: o stoner rock. “Conheci Josh [Homme] no início dos anos 1990, quando ele era o guitarrista de uma das minhas bandas favoritas de todos os tempos, o Kyuss, e, ao longo dos anos, havíamos feito muitas turnês mundo afora juntos com a banda dele, o Queens of the Stone Age, para a qual até entrei por um curto período, gravando o álbum Songs for the Deaf e fazendo alguns dos shows mais incendiários de toda a minha vida”, relembra Grohl, que ainda montaria uma banda paralela com Josh e o baixista do Led Zeppelin, John Paul Jones: a Them Crooked Vultures (outro conto imperdível do livro).

No começo do novo século, o vinil estava resistindo em alguns poucos lugares do planeta, a venda de CDs continuava subindo, mas as músicas começavam a circular livremente no formato MP3 por redes peer-to-peer, como o Napster. A indústria da música passava por outra mudança radical, e Dave seguia levando o Foo Fighters para todos os cantos do mundo (da Austrália, onde ele seria preso por dirigir uma espécie de mobilete embriagado, ao Brasil, onde comemoraria um aniversário soprando velinhas no palco do Rock in Rio III, em 2001).

Daí pra frente, Dave Grohl assumiria o papel de “cara mais bacana do rock” e elevaria a posição de rockstar ao extremo, aproveitando todas as alegrias que esse título poderia lhe dar. No caso dele, isso teria sempre um tanto a ver com a sua família, além de com astros de rock and roll que parecem seres inatingíveis para pessoas como eu e você, mas não para Dave. Afinal, quantos de nós podemos esperar receber uma mensagem de nossa(o) parceira(o) com o seguinte texto: “Tudo bem se o AC/DC jantar com a gente?”

A coisa só melhora quando se descobre que o grupo de Angus Young se convidou para o tal jantar depois de encontrar Paul McCartney no hotel e perguntar a ele qual seria a boa da noite: jantar com a família Grohl. E quantos de nós podemos ver Joan Jett de pijama contando uma história de dormir para nossa própria filha? Ou ser amigo de Lemmy e compartilhar Jack Daniel’s e histórias? Ou tocar no festival de Neil Young, que começava sempre com um churrasco na fazenda dele, e se ver em um ambiente familiar que se distancia quilômetros do imaginário que muitos fazem da vida desregrada dos roqueiros — um ambiente que o próprio Dave cultivaria para sua família nas turnês futuras do Foo Fighters.

 

Na hora certa, no lugar certo (sempre)

Foto: © Magdalena Wosinska/Divulgação

É possível contar nos dedos os artistas que viveram a independência do do it yourself e atualmente estão no Olimpo da música pop. O Foo Fighters integra hoje um seleto grupo, do qual também fazem parte nomes como U2 e R.E.M., que começaram pequenos nos anos 1980, lançando discos por selos independentes microscópicos até alcançarem o número 1 da Billboard e começarem a rodar o mundo tocando para plateias lotadas em grandes estádios.

Dave é desses caras sortudos que estavam na hora certa e no lugar certo várias vezes na vida e aproveita algumas páginas de sua autobiografia para agradecer essa sorte divina. O contador de histórias revela, em suas mais de quatrocentas páginas, muitos dos momentos marcantes da vida de um músico que fez sua primeira turnê com a Scream quando tinha menos de dezoito anos (em alguns lugares, era inclusive proibida a entrada de menores, por isso ele só podia aparecer na hora do show, tocar e sair logo depois); de um músico que, aos 46, quebrou a perna num show na Suécia e continuou a apresentação sentado em uma cadeira, amparado por um médico que segurava seu pé (que insistia em “cair flácido para o lado”). Aos 53 anos, Dave relembra sorridente todas essas histórias em um delicioso livro de memórias.

Essa é apenas uma parte das histórias de Dave. “Dia desses te conto o resto”, ele promete nos agradecimentos. Que venham outras. 

 

* Marcelo Costa é editor do site Scream & Yell, um dos principais veículos independentes de cultura pop do país. Já passou pelas redações do jornal Notícias Populares e dos portais Zip.Net, UOL, Terra e iG, além de ter colaborado com as revistas Billboard Brasil, Rolling Stone e GQ Brasil, entre outras. Desde 2012 integra a APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte).


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