Por Julia Stallone*
** ATENÇÃO: o texto contém spoilers **
Sabe aquela famosa discussão de “quem é melhor: o livro ou o filme”? Em Estação Onze, série da HBO Max baseada no livro homônimo de Emily St. John Mandel, o diretor Hiro Murai (Atlanta) e o roteirista e produtor Patrick Somerville (Manic) viram esse debate pelo avesso.
Exatamente por não tentar reproduzir com fidelidade todos os aspectos do livro, a série introduz toda uma gama de novos sentimentos à narrativa conhecida pelos leitores. Os personagens estão ali, mas o clima geral é outro. Na tela, a proposta poética, e até certo ponto idílica, da escritora canadense ganha tons sombrios e turvos, com trilha sonora marcante e fotografia perturbadora.
Na história, uma pandemia devastadora assola hospitais em todo o mundo e 90% da população é rapidamente aniquilada. Os sobreviventes passam a viver como nômades, sem luz elétrica ou as tecnologias do mundo de antes — um novo cenário de extrema precariedade. Acompanhamos, ao longo de décadas, passado e presente de diferentes personagens, dentre eles um ator playboy que morre no palco durante uma apresentação, sua primeira esposa, que escreve uma história sobre um astronauta, e um paparazzo com sentimentos conflitantes.
Bem-sucedida em expandir o imaginário proposto por Mandel, a série Estação Onze é tão boa quanto o livro, cada qual retratando à sua maneira como seria um mundo pós-pandêmico e demonstrando a força das relações afetivas.
Separamos algumas das diferenças mais marcantes entre a série e o livro na lista abaixo:
1 – A morte de Arthur Leander
A primeira cena da série é igual à abertura do livro: somos inseridos em meio a um teatro lotado, com o ator Arthur Leander (Gael García Bernal) se apresentando em Rei Lear. Diferentemente do que acontece no livro, não é Jeevan Chaudhary quem realiza a tentativa de ressuscitação cardiopulmonar quando o ator começa a ter um ataque cardíaco no palco. O personagem de Himesh Patel até se aproxima, mas apenas observa horrorizado, sem poder fazer nada, Arthur falecer lentamente.
2 – A relação entre Jeevan e Kirsten
No livro, a atriz mirim Kirsten Raymonde e Jeevan, o paparazzo treinado em primeiros socorros, se conhecem no palco de Rei Lear. Sua interação, porém, dura apenas alguns minutos: ele a leva até o lado de fora do teatro em meio à confusão causada pela morte de Arthur, mas os dois tomam caminhos diferentes depois da peça. Kirsten sobrevive como órfã aos anos iniciais da pandemia e Jeevan se isola no apartamento do irmão. Na série, por outro lado, Jeevan leva a menina junto com ele para o isolamento, já que não encontra nenhum dos familiares dela. Junto ao irmão Frank, os três passam mais de cinquenta dias totalmente sozinhos enquanto o mundo se deteriora.
3 – Localização da história
Diferente do livro de Mandel, a série se passa em Chicago, e não em Toronto. A narrativa da gripe desponta da mesma forma, mas acompanhamos os personagens nos Estados Unidos durante os primeiros dias pandêmicos, em vez de no Canadá.
4 – Representatividade
Na série, foram feitas algumas mudanças superficiais nos personagens e em suas histórias. A primeira pessoa a falar sobre a Gripe da Geórgia na adaptação não é um médico amigo de Jeevan, mas sim sua irmã, uma médica de ascendência indiana representada pela atriz Tiya Sircar (The Internship). Miranda, primeira esposa de Arthur Leander, é apresentada como uma mulher negra com origens caribenhas. O próprio Arthur deixa de ser canadense, como proposto por Mandel, para ser retratado como mexicano.
5 – O Profeta
Enigmático personagem de Estação Onze, O Profeta ganha novas dimensões na série. No livro, ele aparece no meio da narrativa. Somos apresentados a essa pessoa que, com sua lábia, convence crianças a cometerem crimes contra os sobreviventes no Ano Vinte. Sua identidade só é revelada no confronto final com Kirsten (spoiler: O Profeta é Tyler, filho de Arthur.)
Na série, na primeira menção ao Profeta, ele já é identificado como Tyler, e, alguns episódios depois, seu passado é revelado, logo nos primeiros dias após o início da gripe. Em uma perspectiva mais macabra, sua postura questionadora e impulsiva fica evidente desde o primeiro momento, além do modo com que, influenciado pelo quadrinho Station Eleven, ele não mede esforços para se voltar contra os pré-pandêmicos.
E você? Percebeu outras diferenças?
*Julia Stallone é estagiária de marketing na Editora Intrínseca. Gosta de água de coco, brincos coloridos e livros com personagens detestáveis.
Fiquei com vontade de ler o livro. Espero que seja bom.