Entrevistas

O risco do governo Bolsonaro à democracia

23 / setembro / 2021

Em entrevista ao blog da Intrínseca, Míriam Leitão fala de seu novo livro, A democracia na armadilha

Foto por Rafaela Cassiano

Em 2016, quando o então deputado federal Jair Bolsonaro fez uma homenagem ao coronel Brilhante Ustra na Câmara dos Deputados, Míriam Leitão explicitou o ato como crime de apologia à tortura em sua coluna no jornal O Globo e, hoje, relembra o caso: “Na época, eu escrevi que ele teria que ser cassado e, agora, fica ainda mais claro que a democracia precisa se defender de quem a ameaça. O Congresso nada fez diante daquele discurso e ele acabou chegando à presidência.”

Em A democracia na armadilha, que chega às lojas em 15 de outubro, a premiada jornalista reúne uma seleção de suas colunas publicadas entre abril de 2016 e julho de 2021, textos que, além de alertarem sobre uma possível escalada autoritária, mostram a que ponto um país pode chegar quando um inimigo da democracia se instala no coração do poder.

Em entrevista ao blog da Intrínseca, Míriam Leitão falou sobre a primeira metade do governo Bolsonaro e a necessidade de nos atentarmos para as ameaças à democracia: “O fim que ele quer nós já sabemos. Por isso é importante esse alerta, para mudarmos o final dessa história.”

 

Logo na apresentação do livro, Míriam enfatiza a importância da coluna como registro histórico e cita o trabalho de Eugenio Xammar que foi correspondente de jornais da Catalunha na Alemanha durante o período da hiperinflação até a ascensão de Hitler como uma de suas maiores referências no gênero: “O que eu acho incrível é como o que ele escrevia revelava o que acontecia no dia a dia do país. Busco isso nos meus livros de colunas — em A verdade é teimosa, mostrei os erros econômicos do governo Dilma; nesse livro que lanço agora, dou grande foco à democracia porque ela está sob constante ameaça no governo Bolsonaro.”

Para a colunista, os inúmeros ataques do presidente à imprensa têm um motivo claro: “Ele não tem qualquer entendimento do que seja o papel da imprensa. Ele só aceita fazer declarações quando não há o contraditório, por isso fala naquele cercadinho, em suas lives ou para pessoas que não vão fazer qualquer pergunta que o incomode. Isso é resultado do seu modo autoritário de pensar, mas também da sua insegurança.”

“Os retrocessos são imensos. Após esse governo, haverá escombros em várias áreas e será preciso reconstruir.

Ao longo das mais de 150 crônicas que compõem A democracia na armadilha, a jornalista analisa as crises diplomáticas e as decisões desastrosas tomadas pelo chefe do executivo, além dos desmontes de programas sociais, ambientais e culturais, e o descaso e o negacionismo frente à pandemia de covid-19: “Ao preparar o livro e revisitar o dia a dia desse desgoverno, fui me convencendo ainda mais de que o maior risco que podemos correr é não ver o perigo que ameaça a democracia na presidência de Jair Bolsonaro”, afirma. “Os retrocessos são imensos. Após esse governo, haverá escombros em várias áreas e será preciso reconstruir. A área da cultura, por exemplo. Já no meio ambiente, o que estiver sendo destruído agora, os desmatamentos, será difícil refazer, mas a sociedade brasileira avançou o debate sobre as mudanças climáticas e a preservação. O governo é que está errado e com uma agenda velha.”

Para a autora, a pandemia só mostrou que o governo era ainda pior do que se sabia: “Aquela reunião ministerial é uma aberração. Houve lá vários absurdos e um deles foi o ‘passar a boiada’”, diz, em referência à reunião com os ministros ocorrida em maio de 2020, dois meses após a OMS declarar que enfrentávamos uma pandemia global. “A ideia embutida no ‘passar a boiada’ é especialmente cruel porque um ministro propunha aproveitar o momento de dor que paralisava o país para avançar com um projeto de destruição ambiental. Nunca se pode esquecer que o Brasil estava vivendo, enquanto isso, a maior crise sanitária da sua história e que deixou centenas de milhares de mortos”, afirma.

“É absolutamente inaceitável que o país esteja atravessando uma tragédia e o presidente da República demonstre tal desprezo pelo sofrimento. É um escárnio.”

Ao rever cronologicamente os atos do presidente durante a pandemia, Míriam ressalta os boicotes de Bolsonaro às recomendações de médicos e especialistas e seu descaso com a saúde pública: “O livro vai mostrando a pandemia piorando e o presidente sabotando diariamente as medidas de proteção. Contada aos poucos nas colunas, fica ainda mais estarrecedora a série de deboches do presidente com a dor dos brasileiros. O livro consegue trazer fotografias desses momentos estarrecedores.”

Colunista do jornal O Globo há trinta anos, Míriam Leitão já recebeu diversos prêmios como jornalista e escritora, incluindo o Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção em 2012 por Saga brasileira. Pela Intrínseca, já publicou Tempos extremos — obra finalista do Prêmio São Paulo de Literatura 2015 —, História do futuro, A verdade é teimosa e a coletânea de crônicas Refúgio no sábado, finalista do Jabuti em 2019. “Eu sou de uma geração que chegou à juventude no pior momento da ditadura militar, nos chamados ‘anos de chumbo’”, relembra Míriam. “Isso me marcou de forma indelével. Ter visto a  longa e difícil caminhada para a reconquista da liberdade me deu a noção exata dos riscos que corremos diariamente no governo Bolsonaro.”

Por fim, perguntamos à autora se é possível sair dessa armadilha: “Sim, é possível, mas não sem antes reconhecermos os riscos que corremos e os maus propósitos institucionais do governo Bolsonaro. Se a gente achar que ele está blefando, que ‘ele é assim mesmo’, como dizem os seus ministros, o perigo aumenta.”

A democracia na armadilha chega às livrarias e lojas on-line em 15 de outubro e já está em pré-venda.

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