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A vida dos estoicos: uma filosofia prática para tempos incertos

17 / setembro / 2021

Por João Lourenço*

Livre-se dos excessos

O capitalismo moderno nos oferece um leque quase infinito de opções de consumo, da alimentação ao entretenimento. Sim, a sociedade ainda é marcada por grandes desigualdades econômicas, mas a verdade é que nunca antes tivemos tanto poder de compra e escolha. 

Somos bombardeados por um mundo de possibilidades e, nesse paradoxo das escolhas, não nos comprometemos com um único caminho. Tudo é instável e instantâneo. Assim, muitas vezes buscamos realizar várias atividades ao mesmo tempo e pouco avançamos. E a roda continua a girar. 

Essa pressão gerada pela lógica do capital ajuda a entender os altos índices de estresse, ansiedade, depressão e burnout. Estamos cansados de querer ser mais do que somos, ter mais do que precisamos ter. E o isolamento social provocado pela pandemia parece ter nos levado à reflexão. Observa-se um movimento de busca pela desaceleração, no qual somos convidados a repensar as engrenagens que movem o cotidiano. Quando tudo entra em colapso, passamos a contemplar o óbvio. 

Agora, muito se fala sobre valorizar pequenos momentos, aceitar o presente, abandonar o controle, voltar às origens. Essas são algumas das lições que a pandemia nos ensinou. Mas esses ensinamentos sempre estiveram disponíveis. Para ser mais exato, há 2.300 anos, o filósofo Zenão de Cítio já pregava lições desse tipo em praça pública. Por ser um ambiente informal, todos eram convidados a participar dos debates, que acabaram consolidando uma doutrina filosófica que ficou conhecida como estoicismo. O pensamento desenvolvido por Zenão tem como um dos principais objetivos não ser uma filosofia abstrata de poltrona. 

O estoicismo valoriza as ações acima das palavras. Em A vida dos estoicos: A arte de viver, de Zenão a Marco Aurélio, Ryan Holiday e Stephen Hanselman examinam os hábitos dos estoicos que forjaram e viveram sob essa filosofia. O livro é organizado em breves biografias que abordam desde os nomes mais conhecidos, como Marco Aurélio e Sêneca, até os menos populares, como Diótimo e Cornuto. Por meio de histórias sobre as ações e o estilo de vida dos estoicos, os autores apresentam indivíduos que seguiram os caminhos para uma vida plena, livre de excessos. Mas antes mesmo de saber que havia uma filosofia por trás dessas ideias, você provavelmente já se deparou com alguma delas.

 

As virtudes básicas 

Ao contrário de outras filosofias, o estoicismo procura ser prático e direcionado para a ação. A simplicidade dos princípios dessa doutrina é proposital, já que, quanto maior a complexidade do assunto, mais tempo perderemos para compreendê-lo — o que significa menos tempo para a prática. O estoicismo não se desdobra em conceitos complexos e abstratos. Afinal, a maioria dos ensinamentos estoicos foi passada no boca a boca entre as gerações. Os pequenos registros que temos hoje foram resgatados de trechos de diários dos filósofos e de anotações de seus alunos e pupilos. 

Entre os preceitos básicos do estoicismo, temos quatro virtudes cardiais: sabedoria, coragem, temperança e justiça. Em resumo, elas pregam agir de forma sábia e tomar decisões com base na razão. Para os estoicos, o homem precisa evitar excessos e buscar o autocontrole diante dos desejos. Aquele que segue este modelo de disciplina está sempre em movimento, e com apetite por mais movimento, preparado para enfrentar as incertezas com tranquilidade. Para os estoicos, a liberdade do homem encontra-se no abandono do controle sobre coisas e situações que estão além de seu alcance. 

Essa máxima do estoicismo, sobre não tentar controlar o incontrolável, foi traduzida e incorporada por diversas doutrinas, entre elas o cristianismo e o budismo, e influenciou até mesmo algumas técnicas de terapia comportamental. Os princípios do estoicismo são marcados por ideias práticas e relevantes e têm tudo a ver com o nosso tempo, afinal, quem não deseja esse autoaprimoramento e levar uma vida mais leve? 

 

Memento Mori 

Em A vida dos estoicos, o leitor não recebe um passo a passo ou fórmulas de autoajuda. Nas entrelinhas, percebe-se muita semelhança entre a vida contemporânea e o cotidiano daqueles pensadores. Eles eram mestres em administrar o tempo.  Memento Mori (“lembre-se de que vai morrer”, em latim) era o mantra diário dos estoicos, uma meditação sobre as coisas e situações supérfluas do mundo. A prática sugere um desprendimento em relação ao corpo, à carreira, à reputação e até mesmo à família. Para os estoicos, não devemos colocar o foco de nossa energia em tudo aquilo que pode desaparecer a qualquer momento. Isso não significa “chutar o balde” e não se preocupar com nada, mas sugere uma libertação da vaidade e da preocupação excessiva com eventos externos. 

Memento Mori é sobre valorizar o tempo, a nossa maior moeda de troca. Um exercício simples e prático é enumerar as grandes figuras do passado. Pensou em alguém? Então, ela provavelmente está morta e enterrada. Esse antídoto nos ajuda a colocar a prioridade do dia em ordem. Assim, os estoicos sugerem a busca por um equilíbrio. Vaidade excessiva sobre as realizações pode ser tão perigosa quanto a decepção pelos fracassos. Não devemos celebrar muito o sucesso, nem sofrer em demasia pelo fracasso, pois, no fim, estamos destinados ao pó. Ao apreciar cada momento de forma intensa, a ideia estoica transforma algo destrutivo, como a morte, em uma ferramenta de motivação para aproveitar melhor as oportunidades que recebemos da vida. 

 

A vida dos estoicos

Assim como fizeram os nomes mencionados no livro, o autor Ryan Holiday procura traduzir os ensinamentos do estoicismo em ações dentro do cotidiano. Holiday mantém o canal Daily Stoic no YouTube, em que oferece dicas práticas para utilizar o estoicismo diante dos mais variados obstáculos da vida contemporânea. Além de ensinar como combater a ansiedade e a diminuir o uso do celular, Holiday também entrevista pessoas que se dedicam a práticas de  bem-estar e autodisciplina. 

Em um de seus vídeos mais acessados, ele revela como conseguiu vencer a procrastinação. Basicamente, sugere seguir o conselho de Sêneca: estar ocupado não significa fazer algo útil. Holiday explica que precisamos estabelecer prioridades e eliminar tudo aquilo que não nos aproxima de nossos objetivos. Para os estoicos, a procrastinação é um sinal de que estamos ocupados com coisas que não são úteis. Ao empregar energia em eventos e situações desnecessários, não há energia de reserva para projetar naquilo que realmente importa. Parece simples, mas não se engane: essas pequenas lições precisam ser transformadas em rituais diários. 

O livro de Ryan Holiday e do filósofo Stephen Hanselman é um convite a observar e aceitar a vida em sua mais plena potência. O estoicismo ainda fascina por não dar espaço para muitos devaneios. Como disse Thoreau, famoso praticante dessa filosofia: “Ser filósofo não é apenas ter pensamentos sutis, nem mesmo fundar uma escola. Ser filósofo é resolver alguns dos problemas da vida não apenas teoricamente, mas na prática.”

*João Lourenço é jornalista. Passou pela redação da FFWMAG, colaborou com a Harper’s Bazaar e com a ABD Conceitual, entre outras publicações estrangeiras de moda e design. Atualmente está em Nova York escrevendo seu primeiro romance.

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