Adriana Calcanhotto apresenta Crônicas de pai, obra que reúne textos afetivos de Leo Aversa
O que se espera de um pai nos anos 20 do século XXI? Como era ser filho nas décadas de 1970 e 1980? Crônicas de pai talvez não dê as respostas exatas a essas perguntas, mas os leitores vão, junto com Leo Aversa, abrir os armários e as gavetas da memória para refletir sobre elas.
Leo é fotógrafo profissional desde 1988 e cronista do jornal O Globo. Em seu primeiro livro, entre crônicas já publicadas e inéditas, ele reúne as histórias que vão do nascimento à pré-adolescência de seu filho Martín e as da relação transformadora de ter sido cuidado e agora cuidar e acompanhar o pai. O resultado é um retrato de três gerações de homens unidos por laços de amor e cuidado.
Em edição de luxo, com capa dura, pintura trilateral e projeto gráfico de Aline Ribeiro, Crônicas de pai ainda conta com as belas e sensíveis ilustrações da artista carioca Poeticamente Flor e apresentação de Adriana Calcanhotto, que é possível conferir com exclusividade a seguir:
Fui conhecendo Leo Aversa aos poucos. Primeiro como o crédito em fotos incríveis no jornal, mais tarde pelas suas crônicas no mesmo O Globo entremeadas por nossos encontros para sessões de fotos, no começo para matérias no Segundo Caderno. Daí comecei a ser fotografada por ele para algumas revistas e, a meu convite, para ensaios de divulgação. Assim nos tornamos amigos, embora muita gente ache, e com razão, que nunca mais falei com ele desde que afogamos um violão caríssimo no mar de São Conrado por uma bela foto. Ao contrário, naquela tarde de mar agitado quando tomei um caldo feio com o violão cheio d’água e por isso pesando tonelada e meia, nossa relação ficou mais cúmplice.
O humor do Leo fotógrafo transforma uma sessão de fotos com uma cantora tímida que não sabe pra onde olhar numa tarde de gargalhadas de doer a barriga. Fora isso, tirou fotos antológicas dos meus ídolos, o que o coloca num lugar muito especial no meu coração. Mas ele, a respeito dessas fotos de gente grande, diz que apenas assumiu o posto de flanelinha da música popular brasileira, porque, diante de Paulinho da Viola, Marisa Monte ou Chico Buarque, o que ele tem para dizer é: “Um pouquinho mais pra direita, parou, parou, aí!! Agora pra esquerda, levanta o queixo, foi demais, desfaz, desfaz, aí, aí! Click. Lindo!”
Só que lindo mesmo é ver como ele se transforma, concentrado, o olho brilhando, acompanhando a luz com um jeito de quem a domina, mas sabe que ela não será a mesma nem por dois minutos inteiros. Algumas vezes me fotografou com buracos gigantes no peito que só eu via e sentia, inchada de chorar, com dor de cabeça, com dor de cotovelo, enlutada, perplexa com o Brasil, e o que ele captou foi sempre a face de uma pessoa olhando pra câmera e só. Nunca mostrou os buracos e as tristezas que, imagino — com nossos anos de amizade —, ele também viu na minha cara, mas, generoso e amigo, deixou de fora das imagens, pelo que sou gratíssima.
Agora leitora assídua das suas crônicas afiadas no jornal, descobri mais um talento poderoso do escritor, dos mais raros, que é a capacidade de emocionar. Lendo as crônicas em que ele é um ex-herói para o filho com o Mal da pré-adolescência e quase um ex-filho para o pai com Alzheimer, chorei diversas vezes. A reunião dessas crônicas torna o conjunto muito mais denso e muito mais revelador do grande cronista que ele é, porque no jornal lemos as crônicas junto a assuntos bem menos interessantes, como o fascínio do Brasil, em pleno século XXI, por combustíveis fósseis, a página que já foi de política e agora é a nova página policial, as crianças negras do Brasil sendo dizimadas por “balas perdidas” em manchetes diárias. De modo que dá um nó na garganta quando no jornal Leo se pergunta quanto tempo vai levar pra que o pai se esqueça definitivamente de quem é ou de quem foi. Aqui, nesta reunião de textos, em que ele é pai de jogador de futebol, filho, amigo, marido, cidadão observador da cidade e inimigo das convenções pequeno-burguesas, dá pra vislumbrar a estirpe de homem que ele é e isso comove.
A crônica é um gênero brasileiro cujos maiores representantes alargaram a forma, como Machado de Assis, Clarice Lispector e Rubem Braga. Pra mim, Leo está nessa lista, porque a crônica, como a crítica, é escrita para embrulhar o peixe de amanhã, precisa ser efêmera. No caso do Leo, como no de Santo Antônio, os peixes e os textos convivem na memória. O jornal vai e a crônica fica.
Não é possível passar batido por um pai sarcástico que se assusta com o sarcasmo do filho, a gente fica querendo botar o cronista no colo e dizer “pronto, pronto, passou, passou”. Cronista que, aliás, nasceu como cronista ao ouvir na infância o pai lendo para ele o jornal da época com textos de Carlos Drummond de Andrade, João Saldanha e Carlos Eduardo Novaes. Penso então que a crônica seja pra ele um exercício de afeto.
E assim, talvez, neste momento, alguém esteja lendo este livro para um filho ou uma filha, e a crônica brasileira estará seguindo seu caminho de texto brasileiro, único, jornalístico, fotográfico. Click. Lindo!
O lançamento da obra está previsto para o dia 30/07 e já possível garantir na pré-venda.
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