Vanessa Barbara

O grande livro do cinema: extras

5 / novembro / 2015

Blog_OperaçãoImpensavel

Durante a confecção de Operação Impensável, algumas resenhas de filmes foram cortadas para poupar a paciência dos leitores e as despesas com papel pólen soft de 80 g/m2. Algumas pessoas, porém, manifestaram o desejo de ler mais entradas de O grande livro do cinema, e quem sabe assistir aos filmes na ordem em que foram vistos por Lia e Tito, como aqueles fãs de The Rocky Horror Picture Show que repetem todos os diálogos de cor e vestem sungas douradas. (Se você não sabe do que estou falando, sorte sua.)

Sensibilizada pelo clamor popular, decidi publicar aqui a faixa de extras desse importante registro cinematográfico, redigido e editado por Lia e Tito, e estrelado por palhaços assassinos, detetives, robôs, pessoas vestidas de bebê, madrastas e a Audrey Hepburn. Esses filmes não constam da edição final do livro, mas foram diligentemente resenhados e chacoteados pelo casal durante o Período de Paz.

Uma última revelação: em posse de O grande livro do cinema, a historiadora Lia fez um pequeno levantamento estatístico e constatou que a lista completa possui 71 títulos, e que o ano de lançamento vai de 1942 (A incrível Suzana) a 2007 (Transformers), sendo a média: 1983.

Justamente o ano em que Lia nasceu.

 

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19 de abril de 2007
It: Uma obra-prima do medo (It, 1990, Tommy Lee Wallace)

Após protagonizar este filme para a televisão, Pennywise, o palhaço dançarino assassino, foi visto pela última vez no apartamento 141, nas dependências do lavabo. Embora Tito duvide da veracidade desta afirmação, Lia se encontrava no banheiro na ocasião e ouviu claramente o palhaço feroz perguntando se alguém queria balões.

“Que medo desgraçado”, disse ela, que durante a exibição do filme falou em “trauma irreversível”, “xixi na cama” e “mais medo ainda de palhaços”.

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12 de maio de 2007
Star Wars Episódio iii: A vingança dos Sith (Star Wars Episode iii: Revenge of the Sith, 2005, George Lucas)

O grande problema é o título. Seria a vingança de um Sith ou dos dois? E de quem exatamente eles querem se vingar? Afinal de contas, até pouco tempo ninguém sabia que eram Sith, então não havia nada que pudessem ter feito que causasse qualquer tipo de represália por parte dos Jedi. Será então que todo o ataque era direcionado a R2-D2? Será ele, o escolhido, que trará equilíbrio para a Força? É possível que os dois Sith tenham se confundido e que, se apenas tivessem conversado com os Jedi, tudo poderia ter sido evitado. Eles só queriam maior reconhecimento para os pequenos da galáxia, coisa que o Conselho Jedi estava mais que disposto a ceder.

É um filme sobre as relações entre a Força e os diversos seres do universo, e entre os Wookies e suas pulgas.

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13 de maio de 2007
Star Wars Episódio iv: Uma nova esperança (Star Wars Episode iv: A New Hope, 1977, George Lucas)

Agora sim. Este pequeno e despretensioso pedaço de película consegue deixar no chinelo seus três irmãos mais novos. A diferença de qualidade (no roteiro, nos diálogos, nos personagens e na ausência de pradarias) é tanta que ficou até chato para a nossa era.

Peter Mayhew ganhou o Oscar de melhor ator pela expressividade cativante do peludo Chewbacca. Lia se identificou com o velho Chewbee. Também C-3PO atinge o ápice da chatice neste filme e é desligado compulsoriamente devido ao excesso de zelo. Lia se identificou com o androide. O miúdo e atarracado R2-D2, além de ser protagonista da saga, dá um show de interpretação ao próprio Hayden Christensen. Lia se identificou com o robô. E, por fim, Mestre Yoda joga tralhas pra trás como um transtornado e faz o papel de uma pulguinha verde. Identificou-se com Yoda a pequena Lia.

Disso se pode concluir que, na saga, a referida senhora se identifica com todas as criaturas cabeçudas, metálicas e/ou anormais — e não com a princesa Leia ou a rainha Amidala. Isso diz tudo sobre Lia.

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20 de maio de 2007
Star Wars Episódio vi: O retorno do Jedi (Star Wars Episode vi: Return of the Jedi, 1983, Richard Marquand)

Segundo TITO (2007), “nem esses ursinhos nefastos chegam a comprometer O retorno do Jedi, mesmo já sendo tarde da noite de domingo, quase treze horas depois do início da maratona”. Encerrando a hexalogia nerd, temos o filme em que Darth Vader morre de asma e a princesa Leia é presa por uma corrente aos pés do funcionário de uma loja de quadrinhos. Felizmente, na nossa versão, o abominável Hayden Christensen não aparece ao lado de Yoda no fim. Mais uma vez, um filme de 25 anos de idade deixa no chinelo seus primos mais novos. E encerra com louvor a história de R2-D2, um herói de nosso tempo, embora Chewbacca novamente roube a cena com seu focinho expressivo e grunhidos em dó maior.

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26 de maio de 2007
Alta sociedade (High Society, 1956, Charles Walters)

Como todos sabem, Alta sociedade retrata a luta de Grace Kelly contra os impostos abusivos de suas dezessete propriedades rurais. O mocinho da história é Bing Crosby, embora Lia sempre se esqueça disso e torça pelo Frank Sinatra. Ela sabe de cor todas as músicas do filme, mas faz uma cara blasé quando o cronópio Satchmo aparece todo pimpão com sua cornetinha. E também quando Crosby e Sinatra fazem um dueto em homenagem aos nossos jantares no apartamento 141: “What a swell elegant party this is” [“Mas que festa batuta e elegante”, em tradução ridiculamente livre].

A historiadora de plantão bem que tenta não ficar sentimental quando o sr. C. K. Dexter Haven canta “Little One” e “True Love” no barquinho, mas é difícil. A certa altura do filme, Grace Kelly parece uma marmotinha ao acordar de ressaca no dia do casamento. Nesta película, ela saracoteia pra lá e pra cá de luvinhas e com quinze saias por baixo do vestido, o que obviamente tem seu preço.

Tracy: “Você gosta do meu vestido?”
Tio Willie: “Claro, é muito bonito.”
Tracy: “E terrivelmente pesado.”

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28 de maio de 2007
A roda da fortuna (The Band Wagon, 1953, Vincent Minnelli)

Nada como um filme de duas horas em que Fred Astaire irrita a mocinha, sapateia engraxando os sapatos e parte corações em “Dancing in the Dark”. A história é o de menos. Cyd Charisse é uma bailarina clássica e Astaire é um dançarino de jazz. Eles estrelam juntos uma adaptação moderna de Fausto, que obviamente dá errado porque o que dá certo mesmo é uma peça bizarra com quatro números compridos sem a menor coerência. E adultos vestidos de bebês. Sim, um dos números mais chocantes do filme é aquele em que os três protagonistas dançam de joelhos com roupas de bebês, logo após uma canção sobre uma garota pobre da Luisiana rolando no feno. Muito mais chocante do que as cenas mais pesadas de Team America: World Police e os diálogos cínicos de Felicidade, do Todd Solondz.

De qualquer forma, o filme vai muito bem até a cena dos bebês. Erguendo o caneco, Fred Astaire diz que ama cerveja, mas gosta mais de Louisa. O diretor picareta faz o papel de Mefistófeles. Há explosões no cenário, atores de colante e diálogos ridículos, apenas para ressaltar a simplicidade e o talento de Astaire, que já está velhinho neste filme. A historiadora-mor do apartamento 141 sapateou vigorosamente na última música do filme, “That’s Entertainment”, um final mega-ultra-super-feliz que conta com os atores marchando de braços dados e Cyd Charisse com uma flor enorme no vestido. Tito desceu pela escada de emergência e correu sem olhar pra trás.

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10 de agosto de 2007
A rainha (The Queen, 2006, Stephen Frears)

“Quando eu for rainha”, declara a historiadora titular, “prometo lançar bombas de chocolate em todas as capitais do mundo.” Com esse nobre propósito, a Sociedade de Cinema Ucrão encerrou o debate após a exibição do filme A rainha, que provocou grande impressão nos participantes. Lia fez o anúncio do Nescau Batido Oficial da Rainha, o Bolo Oficial da Rainha e o Repolhinho Oficial da Rainha. Como monarca, ela só se ocupará com questões dessa ordem.

Durante a sessão, cogitou-se a hipótese de que Helen Mirren agora está em Buckingham e a rainha estrela um musical da Broadway.

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12 de agosto de 2007
A vida íntima de Sherlock Holmes (The Private Life of Sherlock Holmes, 1970, Billy Wilder)

Deus sabe que muito se especulou sobre a vida privada de Sherlock Holmes. Livros e mais livros não foram suficientes para saciar a curiosidade crescente de um público que, não satisfeito em usar muitas palavras com a letras “s” numa mesma sentença e em esmiuçar cada um dos casos do célebre investigador da rua do Padeiro 221B — onde hoje há uma loja de óculos e outra de pneus —, desejou ainda saber de seus hábitos, das suas opiniões sobre as coisas em geral e de quantas palavras com “s” conseguiríamos usar até o final do parágrafo.

Em verdade, afora algumas práticas não sadias e pouco ortodoxas de violinismo, dedução avançada e má conduta diante de outros idosos, Sherlock e seu amigo esquentadinho, o Watson, não diferem muito de outros investigadores ingleses de renome internacional, como por exemplo, o próprio Sherlock Holmes e seu ajudante Watson.

Sabe-se que, na velhice, o fascínio de Billy Wilder pelo personagem era tanto que ele passava horas com seu chapéu de detetive e seu cachimbo de bolhas de sabão deduzindo quem havia lhe roubado aquela hora e meia de filme que os ratos de estúdio, assustados diante da duração bondarchukiana da obra, surrupiaram dos telespectadores, deixando para trás buracos na trama e queijo a granel.

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23 de agosto de 2007
Bill & Ted: Uma Aventura Fantástica (Bill & Ted’s Excellent Adventure, 1989, Stephen Herek)

Estudo seminal sobre os paradoxos temporais, os buracos de minhoca e o rock and roll. Baseado numa tese de doutorado sobre a obra de Van Halen e os paradoxos entre Kiss e Schopenhauer no que tange a política externa de Abraham Lincoln, Bill & Ted foi adaptado para o teatro por Arthur Miller, que mudou o nome dos personagens e o título para Um caixeiro-viajante no espaço. Fala-se muito da história da Mongólia e da influência de Freud nas Guerras Napoleônicas, mas de fato o centro dessa brilhante viagem introspectiva na psique do homem é San Dimas em 1989. A partir dessa chave temporal, o diretor irá analisar o impacto de San Dimas para o ano de 1989, e também como 1989 afetou San Dimas, marcando então grandes figuras históricas com seu legado de shopping centers e madrastas multiculturais.

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27 de agosto de 2007
Crepúsculo dos deuses (Sunset Boulevard, 1950, Billy Wilder)

“Eu sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos”, afirma Norma Desmond, modelo de mulher equilibrada, bem-sucedida e feliz. Neste filme, William Holden faz o papel de um pobre-diabo que não sabe boiar de costas e Buster Keaton é um dos parceiros de pinocle da personagem principal. Ela tem uma piscina, o que naturalmente é o bastante para Joe Gillis encarar qualquer humilhação.

(Lia é capaz de encarar qualquer humilhação por uma piscina.)

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30 de setembro de 2007
Sabrina (1954, Billy Wilder)

Depois de filmar Crepúsculo dos deuses, A montanha dos sete abutres e Inferno n. 17, Wilder decidiu fazer uma comédia para desopilar o fígado. Chamou um ídolo de pedra (Bogie) e uma mocinha pescoçuda (Hepburn) e escreveu um monte de bobagens para os dois, o que naturalmente deu muito certo, como costuma acontecer com o mítico tartarugo. É deste filme a cena em que Audrey Hepburn, com um vestido de lacinhos, senta sozinha na cabeceira de uma mesa de reuniões, e declara solenemente, após encher a cara: “Certo. A reunião da diretoria das Indústrias Larabee será iniciada agora. Como presidente, gostaria de dizer, para começar… Ah, a presidente está tão tonta.”

Como Sabrina também é cultura, nós aprendemos como é cool quebrar ovos com uma mão só. “O segredo está no pulso”, explica a protagonista.

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15 de outubro de 2007
O assalto (Heist, 2001, David Mamet)

O assalto, filme com mais frases de efeito por frame, fala de um ladrão que está prestes a se aposentar, mas é acidentalmente filmado pelas câmeras de segurança de uma joalheria e passa a ser procurado pela polícia. Ele precisa de dinheiro para fugir e aceita um trabalho quase suicida, além de altamente improvável. “Vou ser mais silencioso do que uma formiga mijando em algodão”, promete um dos meliantes a Gene Hackman, que responde: “Não quero que você seja silencioso como uma formiga mijando em algodão. Quero que você seja silencioso como uma formiga que nem sequer pensa em mijar no algodão.” É desse naipe o mocinho da história.

Ainda sobre o personagem de Hackman: “O filho da mãe é tão cool que, quando ele vai dormir, os carneirinhos é que contam ele.”

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