Leticia Wierzchowski

Das vantagens do silêncio

24 / setembro / 2015

O_quarto_do_Filho

As mulheres falam mais do que os homens. Quando estamos falando do tempo, da rua lá fora, de um verão em Lisboa ou de um banho de chuva na praia, tudo isso tem certa relação conosco, com nosso momento de vida. Para nós, mulheres, tudo é metáfora, figura de linguagem, sentimento. E os homens? Quando eles falam de Lisboa, estão falando de Lisboa mesmo. Para a maioria dos homens, gato é gato, chuva é chuva e sentimento é… silêncio.

Homens não “discutem a relação” — seja namoro ou amizade, seja trabalho ou parceria, eles vão tocando e tocando e tocando em frente. Uma hora, param de tocar (quando param, param em silêncio). Mas nós, mulheres, queremos falar, entender, compartilhar, olhar por novos ângulos, esmiuçar, rever, corrigir.

É claro que somos mais treinadas. Por séculos e séculos, enquanto o homem agia — saía da caverna para caçar e da choupana para plantar, guerreava, fundava impérios e atravessava oceanos —, ficávamos lá, na caverna, na choupana, no palácio. Como não estávamos na ação propriamente dita, falávamos. Era nosso modo de existir. Discutíamos ardorosamente todos os ângulos de cada pequena questão, enquanto descascávamos batatas, bordávamos, embalávamos o berço ou aprendíamos uma nova valsa ao piano.

Na vida atual, nós, mulheres, conciliamos as duas coisas: fundar impérios e falar exaustivamente sobre eles, sobre nós, sobre tudo. Falar é bom — liberta, ensina, clareia as dúvidas. Meu pai sempre diz: “É conversando que a gente se entende.” Mas ele diz isso para consumo externo. Quando o assunto é difícil, apela para a infalível tática masculina: o silêncio.

O silêncio, voilá, tem suas vantagens. Não sou adepta do silêncio para todas as questões desta nossa louca vida (escrever é não calar), mas descobri que, em momentos difíceis, de quebra, de luto, de mudança, de desacordo, o silêncio — mesmo que social, político ou para consumo externo — é muito digno. Porque, quando alguma grande dor nos atinge, os amigos surgem, gentis, ávidos e compreensivos. Todos querem ajudar, dar opinião, contribuir para nossa melhora. Porém, com o passar do tempo… Bem, as opiniões já foram dadas, as contribuições já foram feitas e a vida segue adiante para todo mundo.

E se, no entanto, a gente não deixou de sofrer? E se estamos estacionados na dor? O que era velho para os outros, segue vivo para nós. É nessa hora que devemos apelar ao bom e velho… silêncio. As grandes alegrias a gente até pode dividir com os outros, mas as grandes dores serão sempre absolutamente pessoais. O fato é que a dor anda mais devagar do que a vida.

 

* * *

 

O quarto do filho (foto), filme do italiano Nanni Moretti, retrata a mais terrível das perdas: a morte de um filho. Há uma cena na qual o casal está jantando com um grupo de amigos e a mãe, depois de meses do acontecido, de repente fala na morte do filho. O incômodo instala-se: aquele assunto, embora delicado, já não é mais palatável entre os amigos, e a mãe se descobre numa vastíssima solidão. A ela, só resta o silêncio. Filme belíssimo, mas — sim — triste, triste, triste, triste.

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