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Juventude, racismo e Black Lives Matter: conheça a história de Nic Stone

21 / outubro / 2020

Antes de ser conhecida como Nic Stone, a jovem Andrea Nicole era uma garota cheia de dúvidas e incertezas. Amante dos livros desde criança, a autora de Cartas para Martin rapidamente percebeu que não se enxergava em nenhuma das histórias lidas nas aulas de literatura. Os personagens negros em clássicos como As aventuras de Huckleberry Finn e Ratos e homens eram escravos fugitivos ou pessoas não muito inteligentes. Além disso, ser a única aluna negra na escola só aumentava seu sentimento de solidão e exclusão.

Em uma busca incessante pela autodescoberta, Andrea conheceu vários lugares e vivenciou experiências diversas. De gerente de loja de varejo à graduação em psicologia que abandonou duas vezes, de líder do grupo de jovens da igreja à modelo, ela sempre procurou se encaixar em algum rótulo na tentativa de se entender. Até que, aos 23 anos, largou tudo e embarcou em uma viagem para Israel. Com apenas 40 dólares no bolso, queria resolver os dilemas que carregava por mais de uma década ao conhecer pessoas e histórias completamente diferentes daquelas de sua vida no subúrbio de Atlanta, na Geórgia.

Naquela viagem nascia Nic Stone. Uma mulher afro-americana e bissexual que queria construir narrativas que ainda não haviam sido escritas, histórias com personagens que rompessem estereótipos, ultrapassassem os limites entre “certo” e “errado” e revelassem a humanidade daqueles que constantemente são pouco representados ou não compreendidos. A perspectiva de Nic Stone havia mudado, e ela percebeu que a vida é muito mais complexa e cheia de nuances do que se imagina.

A ideia para seu livro de estreia, Cartas para Martin, surgiu depois do cruel assassinato de Jordan Davis no final de 2012. Davis, um adolescente negro de 17 anos que vivia na Flórida, foi alvejado por um homem branco de 45 anos durante uma discussão motivada pelo volume da música que a vítima ouvia em seu carro. “O incidente me abalou profundamente”, lembra a autora. “Eu não conseguia parar de pensar nisso.”

Infelizmente, Jordan não foi o único jovem negro vítima de ataques racistas nos meses e anos que se seguiram. Com os assassinatos de Trayvon Martin, Mike Brown e Tamir Rice, Nic percebeu que a parte mais difícil em criar filhos negros não é mantê-los em segurança, mas descobrir o que e quando ensinar a eles: “Eu precisava prepará-los [para o racismo] e mal me sentia preparada para isso.” Quando Davis foi morto, o primeiro filho de Stone tinha apenas 5 meses. Atualmente, aos 35 anos, Nic Stone é mãe de dois meninos, um com 8 e outro com 4 anos, e ela já tem seis livros publicados nos Estados Unidos.

Com o surgimento do movimento Black Lives Matter, parte da mídia norte-americana afirmou que Martin Luther King Jr. seria contra os protestos. Ao se perguntar como seriam os ensinamentos do ativista hoje em dia, a autora transformou a discussão no pilar central de Cartas para Martin. “A maior parte da minha pesquisa [para o livro] envolveu dissecar ensinamentos, sermões, discursos, ensaios e livros do Dr. King, além de analisar não só o que foi feito durante o Movimento dos Direitos Civil, mas como a sociedade respondeu a isso”, revela. “Então pensei: como seriam os ensinamentos do Dr. King nos dias de hoje, vendo tudo isso que está acontecendo?”

Na obra, o jovem Justyce McAllister é agredido e detido injustamente e percebe que ser negro muitas vezes significa ser julgado pela cor de sua pele. A partir de então, Jus decide escrever cartas para Martin Luther King Jr. e tentar aplicar seus ensinamentos no dia a dia. Cartas para Martin foi um dos finalistas do prêmio William C. Morris em 2018 e figurou por semanas na lista dos mais vendidos do The New York Times. Três anos depois do lançamento nos Estados Unidos, a autora publicou Dear Justyce, que trata de outro assunto importante: o encarceramento juvenil. O livro, ainda sem título em português e data de publicação no Brasil, será lançado pela Intrínseca.

A autora participará do seminário Branquitude: racismo e antirracismo em um encontro organizado pelo Instituto Ibirapitanga, com cocuradoria de Lia Vainer Schucman. O evento contará com importantes vozes e trará debates voltados a reflexões sobre as relações raciais no Brasil e no exterior. Nic Stone vai integrar a mesa “O papel da comunicação no antirracismo” junto à professora da UFRJ Liv Sovik, no dia 28/10, às 16h. A mediação será do jornalista Tiago Rogero. Saiba mais em https://www.ibirapitanga.org.br/encontro/

 

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