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Histórias contadas vão nos salvar

1 / abril / 2022

Novo romance de Anthony Doerr é uma declaração de amor aos livros

Por Vanessa Corrêa*

Konstance está há 307 dias dentro de uma câmara isolada em uma nave espacial rumo a Beta Oph2, no século XXII. O veterano de guerra Zeno coordena o ensaio de uma peça infantil na Biblioteca Pública de Lakeport, nos Estados Unidos, no início de 2020. Perto dali, no mesmo dia, Seymour se prepara para realizar um ataque a bomba a um edifício da cidade. Por volta de 1440, na Bulgária, Omeir nasce com uma má-formação que trará dificuldades para sua família. Na mesma época, Anna cresce na companhia da irmã em um ateliê de bordadeiras em Constantinopla. Em comum, todos buscam um sentido para os acontecimentos a sua volta e encontram em um livro grego escrito no fim do século I a.C. o caminho para sobreviver e seguir adiante.

Cidade nas nuvens, novo romance de Anthony Doerr, autor de Toda luz que não podemos ver, conta mais do que a história de seus cinco protagonistas. O livro acompanha a trajetória de Cuconuvolândia, trama cômica supostamente escrita pelo grego Antônio Diógenes para animar uma sobrinha que estava doente.

Dedicado aos bibliotecários de todos os tempos, Cidade nas nuvens é uma declaração de amor aos livros, objetos capazes de preservar memórias, trazer conhecimento, espantar o tédio e despertar emoções.  

Assim como a sobrinha de Diógenes, outros personagens são entretidos e consolados pelas aventuras do pastor Éton em Cuconuvolândia. Como uma espécie de Sherazade, Anna usa sua habilidade para contar a história do livro como último recurso para salvar as pessoas que ama. Como diz Rex, amigo de Zeno, “se for contada bem o suficiente, enquanto a história durar, você escapa da armadilha”.

A mesma capacidade redentora dos livros aparece em Toda luz que não podemos ver. É com a ajuda dos livros que pode ler em braille que Marie-Laure sobrevive à destruição da ocupação nazista na França durante a Segunda Guerra Mundial, e é a transmissão de rádio de Vinte Mil Léguas Submarinas que motiva o jovem soldado alemão Werner a manter-se vivo.

 

Um quebra-cabeça de histórias

O poder dos livros e das histórias que contamos por meio deles não é o único ponto em comum entre Cidade nas nuvens e o best-seller de Anthony Doerr. Nas duas obras, o autor desenha um grande quebra-cabeça de tramas que se entrelaçam, construindo as trajetórias de personagens distantes na geografia e no tempo até o momento em que seus destinos se encaixam.

Em Cidade nas nuvens, a fábula de Diógenes viaja por sete séculos, das mãos de Anna até a descoberta de Konstance, passando pelos esforços de preservação de Omeir, pela tradução apaixonada de Zeno e pelas consequências que Seymour enfrenta por suas decisões.

Em Toda luz que não podemos ver, todas as tramas convergem para Marie-Laure, seja a busca por um diamante raro empreendida por um caçador de joias nazista, seja a missão de Werner de descobrir a fonte das transmissões de rádio que estão ajudando os Aliados a vencer a guerra.

Assim como desenvolve suas histórias de modo bastante intrincado e constrói cenas de muita beleza e melancolia, Anthony Doerr torna a experiência do leitor mais leve ao dividir suas narrativas em capítulos curtos, separados por folhas em branco. Em entrevista publicada no jornal The New York Times na época do lançamento de Toda luz que não podemos ver, Doerr dá uma explicação bem-humorada para essa estratégia: “Talvez seja um gesto de amizade. É como se eu estivesse dizendo ao leitor: ‘Eu sei que isso vai ser mais lírico do que talvez 70% dos leitores queiram, mas aqui está um monte de espaço em branco para você se recuperar desse lirismo.’”

*Vanessa Corrêa é jornalista, já trabalhou na Folha de S.Paulo e no portal UOL e é apaixonada por livros, cinema e fotografia.


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