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Meritocracia, desigualdade e populismos

22 / outubro / 2021

*Por Gabriel Trigueiro

  1. Meritocracia e conflitos de classes

Não é preciso ser um marxista para reconhecer que a desigualdade — intensificada pela meritocracia — agravou o conflito de classes. À medida que a desigualdade aumenta, argumenta Daniel Markovits em A cilada da meritocracia, mais a elite norte-americana se corrompe, agravando o ressentimento da classe média. Essa é uma descrição sociologicamente simplificada, mas verdadeira e precisa, que também explica o solo de onde os populismos de direita brotaram ao longo das últimas décadas.

Os filhos da classe média são excluídos das melhores oportunidades de educação e, como consequência, dos melhores empregos. No entanto, isso não sugere que as elites desfrutem de paz e estabilidade. Ao contrário, elas estão cada vez mais insularizadas, ensimesmadas, ansiosas em perpetuar seus privilégios de casta e apartadas do restante da sociedade.   

  1. A meritocracia como a mãe dos populismos

Em uma virada perversa, mas um tanto irônica e cruel, o sistema meritocrático reforça hierarquias e elementos de distinção social. Isso pode ser observado em pequenos hábitos das classes altas, desde seu esnobismo gastronômico até sua forma de se vestir e de falar. A consequência é o aumento do ressentimento da classe média, que fica mais propensa a aderir a projetos populistas, como o trumpismo e o bolsonarismo.

A meritocracia golpeia a autoestima da classe trabalhadora e da classe média, alijadas das benesses e das distinções sociais geradas pelo sistema, mas destinadas única e exclusivamente à alta casta. Quem não pertence às elites acaba se ressentindo de suas conquistas, modos e costumes, e logo se vê adotando uma atitude reativa aos seus principais traços distintivos. Se a elite é cada vez mais cuidadosa em adotar um discurso inclusivo com relação às minorias, o restante da sociedade encampa a xenofobia. Se a elite é cosmopolita, o restante da sociedade adere ao nacionalismo mais tóxico. Se a elite valoriza as credenciais e as instituições que legitimam seu status meritocrático, o restante da sociedade brada contra a ordem estabelecida e, no fim das contas, adota o populismo.

A desigualdade, criada e aprofundada pela cilada da meritocracia, ataca em duas frentes: em primeiro lugar, destituindo a classe média de empregos; em segundo, destruindo a sua dignidade. A meritocracia concentra privilégios e demoniza qualquer tipo de desvantagem como produto de falta de esforço, falhas individuais ou incompetência. Daí a soma de raiva e ressentimento que, mesmo em momentos de expansão econômica, engolfa a sociedade e se precipita no populismo dos anos recentes.

*Gabriel Trigueiro é doutor em História Comparada pela UFRJ

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