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Seinfeld, a série que mudou o mundo e a televisão

14 / maio / 2021

Por André Sequeira*

 

Gostar ou não de algo na televisão depende muito da época que vivemos. Além disso, depende também de onde moramos, de onde estudamos, com quem nos relacionamos e em que momento da vida estamos. O que é bom num dia, pode ser péssimo no outro: tudo muda se estamos apaixonados, tristes, deprimidos, abertos a novas experiências. Os Trapalhões, amor da minha infância, talvez, hoje, não agradasse tanto, com seu repertório inesgotável de piadas questionáveis e estereótipos que não cabem mais.

No começo da década de 2000, meus amores televisivos eram Friends, 24 Horas e Lei & Ordem (o original). Seinfeld, série transmitida entre 1989 e 1998, era, para mim, naquela época, apenas um sitcom visto por quem não entendia nada sobre o que era bom na televisão. Até que um amigo me disse que eu precisava conhecer um programa com quatro colegas que zoavam todo mundo e eram superesquisitos. Tentei dois episódios e não suportei mais.

Já em 2004, tudo mudou. Estava estudando em Toronto, no Canadá e escolhi uma matéria chamada “American Culture”, em que, claro, estudaríamos alguns aspectos da cultura dos Estados Unidos. Na primeira aula, o professor avisou: “Vocês só precisam de uma coisa para aprender sobre a sociedade americana: assistir a Seinfeld.” Ele colocou a fita no videocassete (sim, VHS, nada de DVD, muito menos, Blu-ray) e deu início aos ensinamentos. A cada fala ou cena, o professor pausava o episódio e explicava o que cada diálogo queria dizer. No fim da aula eu estava extasiado. Aquilo era o que de mais brilhante havia sido desenvolvido para a televisão. Tive que dar o braço a torcer: os criadores daquele programa, Jerry Seinfeld — que também atuava — e Larry David, eram uns gênios. No dia seguinte, estava ansioso para chegar logo à escola e ver mais um episódio.

Desde então, Seinfeld, uma “comédia sobre nada”, é parte importante da minha vida: viajando para visitar locais que os personagens frequentavam — em 2015, fui a Nova York e conheci o restaurante a que os amigos iam para falar mal dos outros —, comprando objetos customizados — bonecos, camiseta, DVDs — e até participando de fóruns de internet.

Foto tirada em frente ao restaurante onde o grupo dos quatro amigos conversavam quase diariamente. Localização: 2880 Broadway, New York, Estados Unidos

 

Mas lógico que a série não fez e faz parte apenas da minha vida. Milhões de pessoas ao redor do planeta são até hoje fãs incondicionais do programa. A série foi (e ainda é) uma fábrica de memes, ainda que esse conceito só tenha surgido alguns anos depois de o show ter saído do ar: é uma das maiores geradoras de GIFs em sites como o Giphy e é referência para muitas outras séries e filmes que vieram depois dela.

Caso você não conheça o show, pode estar se perguntando por que Seinfeld ainda é maravilhoso. A resposta é simples e quase vinte anos atrás meu professor canadense já sabia: o programa é praticamente um estudo antropológico da sociedade americana.

 

Os personagens que marcaram uma geração

Cada um dos personagens principais — Jerry, George, Kramer e Elaine — faz referência a algum estereótipo dos Estados Unidos:

 

Jerry Seinfeld (Jerry Seinfeld)

Jerry é tido como a voz da razão da série, mas é cheio de manias, germofóbico, compulsivo e preconceituoso.

 

Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfus)

Em uma época em que as mulheres apareciam na televisão como pessoas domesticadas e que em geral serviam de escada para os personagens masculinos, Elaine era sexualmente empoderada, independente e abriu espaço para que outras personagens femininas como ela surgissem, como as protagonistas de Fleabeg e United States of Tara.

 

George Costanza (Jason Alexander)

Melhor amigo de Seinfeld, George é neurótico, preguiçoso e um perdedor nato. Representa aquelas pessoas com autoestima baixa, que, para se sentirem um pouco melhores, acabam mentindo, enrolando e fazendo de tudo para se dar bem. E, invariavelmente, George acaba se dando bem.

 

Cosmo Kramer (Michael Richards)

Vizinho de Jerry, Kramer é, definitivamente, um dos personagens mais esquisitos de todos os tempos da televisão. Com uma vida sem objetivo e sempre precisando de ajuda, financeira ou outras, sua característica mais marcante é a incômoda sinceridade. Ele é alienado e descuidado, porém é o mais humano dos personagens do seriado. Em tempos de preocupação com aparência, Kramer é o oposto disso. Suas conversas incomodam o telespectador por desnudar características tão presentes na sociedade.

 

Por onde começar?

Para quem ainda não conhece o mundo de Seinfeld e quer iniciar essa experiência, recomendo ver a série na ordem cronológica, pois o desenvolvimento dos personagens e a forma como as situações vão e voltam ao longo dos anos são brilhantemente construídos. A última temporada é antológica, terminando com um julgamento inacreditável. Mas se quiser testar uns episódios avulsos antes de cair dentro, recomendo os seguintes:

The Note (temporada 3, episódio 1)

George e Elaine tentam conseguir massagens de graça por meio de encaminhamentos falsos para o plano de saúde, emitidos pelo dentista de Jerry, Roy.

 

The Café (temporada 3, episódio 7)

Este é um grande exemplo de roteiro genial, com várias provocações à sociedade norte-americana. Seus acontecimentos vão reverberar em episódios posteriores.

 

The Alternate Side (temporada 3, episódio 11)

Este episódio está recheado de subplots, que, a princípio, nada têm a ver com a trama central. Porém, todos os fios vão se unindo, resultando em desdobramentos inesperados. Na história, Jerry tem o carro roubado e, por incrível que pareça, acaba batendo um papo com o ladrão pelo telefone do seu veículo.

 

Será que isso presta?

Descobri há poucos meses que a Intrínseca iria lançar Será que isso presta?, obra de Seinfeld com um apanhado de suas melhores piadas ao longo dos anos. Como tudo o que Seinfeld faz, essa é uma obra de difícil definição em um gênero literário. As cinco partes do livro — cada uma dedicada a uma década da carreira de Seinfeld — começam com um texto de apresentação, em que o autor contextualiza a época, conta um pouco de sua vida naquele momento e rememora grandes momentos. Em seguida vêm as piadas que marcaram a década do autor. Afirmo categoricamente: é impossível ler sem rir a cada linha. Passei, inclusive, por situações constrangedoras no metrô.

Quase vinte anos depois de ter assistido pela primeira vez a um episódio, Seinfeld segue sendo uma paixão. Sempre que posso, vejo. E lembra daquele meu amigo que tentou me fazer gostar da série? Hoje ele ri ao se recordar da história. O mundo gira, não é, mesmo?

No mais, protejam-se, protejam os seus e fiquem, se puderem, em casa.

 

 

*André Sequeira é jornalista há 16 anos e apaixonado por futebol e cinema e amante incondicional de Seinfeld, a melhor série de todos os tempos.


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Comentários

5 Respostas para “Seinfeld, a série que mudou o mundo e a televisão

  1. Concordo plenamente com o seu texto. Eu também não gostava muito de Seinfeld, pelo período que passou (1989 a 1998). Minha cabeça era outra. Hoje, me identifico muito com a série e sou capaz de assistir mais de uma vez um episódio.

  2. A melhor série da história da TV! Genial! amo! Já assisti umas 20 vezes.

  3. Andre, vc disse tudo!! Eu me lembro quando Seifeld passava repetidamente no canal Sony e eu via e pensava “que porcaria” hahaha e depois de alguns anos passados estava eu assistindo a algum outro programa no mesmo canal e logo começou a passar Seinfeld e eu fiquei mto empolgada e perplexa em imaginar que um dia achei aquilo ruim. Já assisti umas 5x todas as temporadas e no momento sigo orfã a espera de que a série volte em algum streaming.

  4. Excelente matéria. Eu assisto e reassisto essa série e realmente é uma analise sociologica legítima.

  5. Comecei a assistir Seinfeld este ano porque estava nas indicações da Netflix. Ela é como os Simpsons: Eu detestava no início, achava as piadas de muito mau gosto, mas hoje não vivo sem. Seinfeld tem que ser visto com visão antropológica mesmo: “Como isto era tolerado naquela época? Meu Deus, a piada é totalmente inocente, hoje daria um cancelamento na internet!” Como disse um colega meu, é tão ruim que é muito bom, mas tem que ter história pra ver. Estou na sétima temporada e já estou pensando como vou viver quando acabar.

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