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Ideais fazem mais inimigos do que a guerra

9 / abril / 2021

Alexander Hamilton foi um personagem polêmico e controverso que acumulou adversários políticos e inimizades ao longo de sua trajetória como um dos pais fundadores dos Estados Unidos. Com uma natureza combativa e obstinada, uma tendência a duelos e um estilo de argumentação agressivo, carregado de insultos elegantes, os posicionamentos de Hamilton causaram tal divisão no meio político da época que resultaram no surgimento do sistema bipartidário que persiste até hoje. Entre seus rivais se encontram a maioria dos demais pais fundadores, como Thomas Jefferson, James Madison e James Monroe, além de outras personalidades influentes como George Clinton e Aaron Burr.

 

1. Polêmico, agressivo e elegante 

Hamilton era capaz de separar a honra pessoal de convicções políticas e a maioria de suas disputas foram travadas civilizadamente no campo das ideias. No entanto, era muito sensível a ataques pessoais e acusações falsas. Ao longo da vida foi acusado por seus detratores de ser um monarquista disfarçado, com inclinações aristocráticas, mancomunado com a Coroa britânica; ao mesmo tempo, era taxado como um arrivista ambicioso de origem inferior, em referência ao seu passado como órfão nas Índias Ocidentais (a vida humilde que levou antes de chegar aos Estados Unidos era um tema que o magoava muito). Sua visão econômica fez com que muitos o enxergassem como um aliado de especuladores e patifes que ganhavam dinheiro sem trabalhar e seus extensos poderes como secretário de George Washington levaram a acusações de corrupção. Quando todos os ataques, verdadeiros e inventados, não foram capazes de deter seu crescimento, ele teve sua intimidade violada por seus antagonistas e protagonizou o primeiro escândalo sexual relevante da história dos Estados Unidos.

 

2. Thomas Jefferson 

O principal rival de Hamilton foi sem dúvida Thomas Jefferson, secretário de Estado de Washington, que se ressentia da influência do primeiro junto ao presidente e de seus grandes poderes como secretário do Tesouro. Os dois se estranhavam a respeito de quase tudo e falavam mal um do outro, em geral com discrição, mas também abertamente. Para Jefferson, “Hamilton era o mefistófeles americano, o defensor de inventos diabólicos como bancos, fábricas e bolsas de valores”; enquanto Hamilton tripudiava da covardia de Jefferson durante a Guerra de Independência e apontava sua hipocrisia ao se identificar como abolicionista ao mesmo tempo que possuía dezenas de escravos. Os dois estavam em desacordo sobre a Constituição, a Revolução Francesa, a política econômica e a extensão dos poderes do governo federal, e trocaram entre si, em publicações anônimas, toda a sorte de acusações e ofensas, passando por suspeitas de traição da pátria, insinuações de corrupção e a exposição de infidelidades matrimoniais.

 Inúmeras vezes George Washington exortou aos seus dois secretários para que cessassem com as hostilidades, pois não havia paz em seu gabinete, mas nem ele conseguiu impedir que continuassem com a campanha mútua de difamação. A única diferença entre Hamilton e Jefferson era que Hamilton escrevia pessoalmente seus ataques, enquanto o outro recorria à pena de terceiros para tal. Jefferson veio a ser líder do Partido Republicano, opositor ao Partido Federalista, liderado por Alexander Hamilton.

 

3. James Madinson 

James Madison foi uma figura central na carreira de Hamilton. A colaboração entre os dois e os desentendimentos posteriores estabelecem duas fases muito distintas de suas vidas. Tinham muitas ideias semelhantes e trabalharam juntos para criar um imposto federal que garantisse pelo menos a sobrevivência do governo central. Foram parceiros nos esforços pela nova Constituição e na elaboração dos Federalist Papers, que a defendiam. Pode-se dizer que eram bons amigos e a ruptura entre eles foi para sempre motivo de desconcerto e mágoa para Hamilton. Tão grande era o respeito que Hamilton nutria por Madison que chegou a afirmar que jamais teria aceitado o cargo de secretário do Tesouro se soubesse que não poderia contar sempre com seu apoio geral.

 A rivalidade entre os dois começou conforme Hamilton buscava mais poderes para o governo federal através da assunção da dívida de guerra dos estados, o que desagradava aos estados sulistas, que deviam menos. Embora tivessem até então posicionamentos e opiniões alinhados, como estava demonstrado pela parceria e camaradagem pregressa entre os dois, Madison percebeu que sua sobrevivência política dependia de sua oposição a essa medida. A recusa de Madison em apoiá-lo e, ainda pior, seus esforços em oposição deixaram Hamilton completamente sem chão. Como representante da Virgínia no Congresso, um estado mais alinhado ao Partido Republicano, Madison fez forte objeção aos projetos de Hamilton como secretário do Tesouro. A tensão exercida entre o poder central de Hamilton e os interesses estaduais que Madison veio a defender acabou aproximando este de Thomas Jefferson. Para aumentar ainda mais a mágoa de Hamilton, Madison foi o verdadeiro redator de vários ataques que Jefferson coordenou contra ele.

 

 4. James Monroe 

A rivalidade entre Alexander Hamilton e James Monroe tem origem em uma situação pessoal e delicada que representa um grande marco na vida de Hamilton e deixou uma cicatriz em seu casamento. Enquanto foi secretário do Tesouro, Hamilton se envolveu com uma mulher casada chamada Maria Reynolds e pouco depois começou a ser chantageado pelo marido dela, que exigia dinheiro para se manter em silêncio sobre a infidelidade. A relação entre Hamilton e o marido golpista atraiu a atenção de outras personalidades, que suspeitaram que os encontros furtivos entre os dois estivessem relacionados a algum caso de corrupção e especulação envolvendo informações privilegiadas do governo. Monroe foi um dos três homens que investigaram o caso pessoalmente. Quando confrontaram Hamilton, este revelou tudo sobre o adultério e as chantagens e os três, bastante constrangidos, se comprometeram a manter sigilo sobre o assunto.

No entanto, a história veio à tona, mais uma vez com a sugestão de que o secretário do Tesouro era corrupto. Hamilton culpou Monroe pelo vazamento, que teve uma repercussão devastadora não apenas em sua carreira, como também em sua vida pessoal. Embora Monroe negasse ser o responsável, a relação entre os dois jamais voltou a ser amistosa. Anos após a morte de Hamilton e depois de ter cumprido dois mandatos como presidente, Monroe procurou Eliza Schuyler Hamilton, sua viúva, em busca de apaziguamento, mas recebeu apenas palavras duras em resposta.

 

5. George Clinton 

Outro grande adversário de Hamilton foi George Clinton, um dos mais influentes políticos de Nova York, tendo sido eleito sete vezes como governador do estado, além de ter servido como vice-presidente em dois mandatos (após a morte de Hamilton). Essa inimizade foi em parte herdada por Hamilton de seu sogro, Philip Schuyler, que já era um oponente de Clinton no teatro político estadual. Hamilton defendia que o governo federal tivesse o direito de promulgar leis que suplantassem a dos estados, o que era um desafio direto aos poderes de Clinton, que se tornou um dos maiores opositores à nova Constituição, proposta por Hamilton, que também ia no sentido de reduzir os poderes estaduais e fortalecer os federais. Estava entre aqueles que detestavam os bancos, que acreditava serem um artifício criado para tirar o dinheiro das mãos de fazendeiros trabalhadores. Hamilton fez oposição a Clinton em várias eleições, lançando candidatos contra ele e atacando-o publicamente sob pseudônimos. Clinton contra-atacou de muitas formas, chegando até mesmo a endossar uma complicada teoria da conspiração segundo a qual Hamilton pretendia estabelecer nos Estados Unidos um governo semelhante ao do Reino Unido, com direito a um rei norte-americano e uma Câmara dividida entre nobres e plebeus.

 

6. Aaron Burr 

Aaron Burr, o homem que matou Alexander Hamilton, não estava entre seus maiores inimigos. Na realidade, havia muita semelhança entre eles. Além da idade aproximada, chegaram a ser vizinhos, ambos eram órfãos, advogados, figuras proeminentes de Nova York e lutaram na Guerra de Independência com a patente de coronel. É provável que com tantos paralelos entre os dois, Burr se ressentisse do sucesso fenomenal do outro, mas na maior parte do tempo houve também certa camaradagem, ainda que não fossem amigos próximos. O desentendimento definitivo entre os dois se deu justamente por causa de um empreendimento que fizeram juntos em uma companhia de abastecimento de água — a qual Burr pretendia utilizar para fins escusos. Muito zeloso de sua imagem pública, Hamilton julgou imperdoável que Burr tenha utilizado seu nome para conseguir levar a cabo a empreitada.

Na eleição presidencial de 1800, quando Thomas Jefferson e Aaron Burr ficaram empatados, coube ao Congresso determinar quais dos dois seria o presidente e o vice. Hamilton se manifestou publicamente instando seus apoiadores federalistas a votarem em Jefferson, afirmando que, embora discordasse dele em quase tudo, este pelo menos tinha princípios, enquanto Burr não tinha nenhum e ninguém sabia o que ele pensava.

 Magoado com a derrota e isolado na vice-presidência, Burr dirigiu a Hamilton várias exigências de um pedido de desculpas por ofensas, mas a retratação nunca veio e os dois acabaram se enfrentando em um duelo de honra que feriu Hamilton mortalmente. Há contornos de tragédia grega nesse duelo, ocorrido apenas dois anos depois que o primogênito de Hamilton morreu em uma disputa de honra semelhante — e muito provavelmente no mesmo local. Assim como o filho fez, Hamilton disparou para longe do adversário na esperança de que isso acalmasse os ânimos e encerrasse a questão, mas Burr atirou direto contra ele, ou porque não se deu conta que o oponente desperdiçaria o tiro, ou porque pretendia mesmo matá-lo. Outros biógrafos de Hamilton sugerem que ele se utilizou da ocasião para cometer suicídio. Embora tenha em teoria levado a melhor na disputa, o resultado do duelo arruinou o restante da vida e da carreira de Burr. Sobreviveram relatos de que certa vez, já arruinado, Burr comentou ao ler um livro: “Se eu tivesse lido mais Sterne e menos Voltaire, ficaria sabendo que o mundo era grande o bastante para Hamilton e para mim.”

 

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