Do sol ao solo, a figura de cabeça encolhida se expande sem se mexer. Nessa tela, tudo é solidão; uma solidez estática. Na presença desse momento, o que se vê é a ausência de movimento. Há um cacto, um astro, um chão e um personagem disforme, desengonçado, desproporcional: Abaporu, prazer.
Sem dúvida, Abaporu é a figura mais famosa da Tarsila do Amaral. Quiçá, a obra brasileira mais reconhecida internacionalmente. É a pintura que, de certa forma, inaugura a presença do antropofagismo na arte da madrinha do modernismo nacional. Criado em 1928, o quadro foi um presente para o então marido da artista, o escritor Oswald de Andrade. Eles decidiram nomeá-la Abaporu, a palavra tupi-guarani que representa “homem que come”. O batismo traz essa ideia de comer as referências externas e regurgitar em algo brasileiro — conceito de todo o Movimento Antropofágico.
Chama atenção o crânio pequeno encaixado em um corpo agigantado. Observa-se a valorização da potência braçal, do esforço físico do indivíduo e, ao mesmo tempo, o esvaziamento do pensamento, da cultura no ser. Como se este fosse condenado a não pensar ou a pensar exclusivamente em produzir sem questionar. Não há o equilíbrio psíquico e físico que todos devemos buscar: mente sã, corpo são. Aqui, tudo é tão desencaixado. A mente está visivelmente exausta, encolheu. O restante corpóreo permanece imenso, imerso na busca de força para se levantar.
Outro ponto que puxa a atenção dos meus olhos é a secura de todos os elementos representados por Tarsila. O indivíduo é árduo nesse desenho árido. Abaporu é um gigante abaixado e solitário; solidário ao sol, ao chão e ao cacto. Sua cabeça, lá no alto, encosta no céu: seu semblante é cansado. Seu rosto tristonho está mais distante do solo. A lágrima, assim, demora mais a cair. A dor parece desproporcional à esperança. O cenário não transparece nenhuma alegria. Ainda assim, esse ser sobrevive nesse espaço ausente.
Abaporu sou eu, Abaporu é você. Estamos todos tortos e isolados, mas esperançosos de que o tempo gauche irá se endireitar. E, quando tudo isso passar, não seremos mais os mesmos. O gigante (o povo!) precisa se reerguer de verdade dessa vez e só se curvar novamente se for para estender a mão aos que demoraram um pouco mais para entender que juntos somos imensuráveis!
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