Pedro Gabriel

Mãos silenciadas — parte 2

22 / setembro / 2020

(((parte 2)))

Não sei se mereço essas mãos. Mantenho-as o tempo todo fechadas como se fossem as mais cruéis adversárias dos meus versos. Escondo-as como se elas se assumissem, por alguns instantes, inimigas desta minha forma tão íntima e tímida de expressão – a escrita. Permaneço – o máximo possível – não dando a mínima para essas duas extremidades móveis, recolhidas em mim. 

Carrego esse par de fuga desde que nasci. Medo de ir ou falta de coragem para fincar de vez meus pés em algum lugar? Deve haver um pequeno barco que navega solitário entre meus braços desamparados (estou nele?). Quando ele atraca na garganta, pode-se ouvir uma lágrima angustiada bem na margem do meu rosto. Meu dedo agora se torna um pequeno limpador de para-brisa. Ele desfaz a dor; ela se entorna, fugaz. 

Toda poesia é litoral de um sentimento interior.

Escrever, ainda que desconfortável, é o espaço onde encontro conforto para ampliar o volume de cada grito silenciado. O escrito é tudo, menos um ato inaudito. Ouve-se a caneta. Escuta-se o estalo dos dedos. Capta-se o som do virar das páginas – esse ruído insistente que, de tão presente, se faz ausente. É como morar perto da avenida principal de uma grande cidade. A gente até se acostuma com a ansiedade. A gente até transforma em hábito todo esse caos sonoro. Mas ele não vai embora – nunca! E a gente então, como forma de aliviar os tímpanos, começa a chamar esse caos de cais. E a gente então se engana – sempre! E a gente então finge que está tudo bem, que tudo está quieto… Que tudo é um imenso 

silêncio.

Não sei se mereço essas mãos. Mas, decerto, preciso delas para existir. A minha boca é um interminável deserto – seco de pronúncia. Ela não comunica com precisão todas as coisas que eu pretendo dizer. Ocasionalmente, até digo algo em alto e bom som. Mas, de modo geral, ela se cala. Criei um calo na garganta. Por isso, reafirmo, essas mãos me são vitais para sobreviver. Sem elas, toda palavra que me escapa seria pouca, soaria oca.

Minhas mãos não me deixam desistir. Apesar do aspecto áspero, elas contêm afago. Ainda que escrevam desamor, brutalidade ou rispidez, elas são feitas de ternura (e um tiquinho de rancor, confesso). É impossível permanecer totalmente amável nesse mundo que insiste em nos contaminar de amargura. Apesar do jeito meio torto, é com elas que endireito meu vocabulário. Ainda que me pareçam distantes, são elas que me aproximam das pessoas que desejo manter por perto. Seja na escrita de um post-it, seja na maneira preguiçosa de abreviar as palavras mais bonitas numa conversa por celular. 

[25/07/2005 11:18]: sdd, vô! 

[22/09/2020 21:15]: …

Meu avô é uma mensagem vista por último no dia 25 de julho de 2005. Meu avô é uma resposta que não chega há quinze anos. Não sei se mereço essas mãos, mas é com elas que meço toda essa saudade. Não sei se mereço essas mãos, mas são elas – e só elas – que me fazem afagar novamente essa lembrança.

Na margem do meu rosto, outra lágrima se desenha. Você consegue me ouvir, 

vô?

(((continua na próxima semana)))

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