Alfredo Nugent Setubal

Quanto do autor existe em seus personagens?

25 / junho / 2020

Nessa semana teremos o lançamento oficial de O livro de Líbero! Entre idas e vindas, a obra é resultado de um processo de quatro anos e é uma alegria finalmente poder colocar esse “filho” no mundo.

Não é incomum comparar o lançamento de um livro com a chegada de um primogênito. As razões, acho eu, são várias – algumas óbvias, outras nem tanto. Em primeiro lugar, é claro, há os meses (ou anos, no meu caso) de gestação. Um fiapo de ideia é concebido na cabeça, o enredo e seus personagens vão amadurecendo dentro do autor que, pouco a pouco, vai transferindo tudo isso da imaginação para o papel em uma espécie de parto longuíssimo e, não raro, doloroso. Como disse Goethe, “escrever é um ócio muito trabalhoso”.

Mas acho que é uma metáfora que vai muito além. Os livros são filhos de seus autores porque, tal e qual os de carne e osso, carregam o DNA de quem os concebe. Com isso surge, portanto, uma das maiores curiosidades de quase todos os leitores: quanto do autor há naquela história, naqueles personagens?

Tão na moda hoje em dia, o gênero da “autoficção” brinca justamente com isso: borra os limites entre biografia, experiência e ficcionalização. O autor norueguês Karl Ove Knausgård é um dos melhores exemplos. Na série Minha Luta, Knausgård leva ao limite máximo a exposição de sua vida pessoal e familiar ao longo dos seis volumes e das milhares de páginas em que ele é o próprio protagonista. No outro extremo, ou melhor, na face oposta da moeda, estão autores como Elena Ferrante, que se valem de pseudônimos para separar a fórceps autor e personagem. Curiosamente, o efeito acaba sendo justamente o oposto: o pseudônimo aguça nossa curiosidade e, na falta de um rosto, reforça a impressão de que autor e personagem hão de ser a mesma pessoa.

O livro de Líbero passa longe da autoficção, mas é inegável que há nele e em seus personagens muito de mim e das minhas experiências de vida. A paixão de Líbero pelos livros e pela leitura é também minha; enxergo no personagem o garoto de onze anos que eu mesmo fui: sonhador, curioso, ambicioso e assustado, cheio de dúvidas.

Mas, então, me perguntam: Líbero sou eu? Sim. E não. Mais não do que sim, inclusive. Há muitos aspectos em que somos completamente diferentes. Nunca pensei em estudar ou trabalhar com jornalismo, por exemplo. Tampouco nasci e cresci em uma cidade minúscula do interior – apesar de Pausado ser, sim, inspirada em lugares que frequentei.

Tudo isso para dizer que a metáfora do livro como filho, apesar de batida, é bastante propícia. Como todo filho, nascem de nós mas não são iguais/idênticos a nós. São uma grande mistura de histórias, memórias, sonhos, acontecimentos e pessoas, alguns reais, do repertório do autor, e outros tantos inventados. Vida longa ao Líbero!

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