Bastidores

Um passeio pela Alemanha de Liesel Meminger

3 / abril / 2020

* Por Letícia V.

 

Quando você lê A menina que roubava livros pela primeira vez, constrói um retrato da Alemanha na cabeça: a estação de trem, as casas, as pessoas, as praças… Foi o que aconteceu comigo. Aos 13 anos, fui apresentada a Liesel e a uma Alemanha que combinava muito com a dos meus livros de História, mas que me tocava de uma maneira diferente. Aos 25, eu estava em pé no meio da praça onde o meu livro favorito começou.

Em 1933, Adolf Hitler foi nomeado chanceler da Alemanha e passou a ser a autoridade máxima do país. Diversos atos de censura resultaram dessa ascensão do Partido Nazista, mas um dos mais famosos foi a Bücherverbrennung, ou, em português, a queima de livros. As obras de autores perseguidos pelo regime ou que de alguma forma eram entendidas como “contra o ideal alemão” foram entregues pela população e atiradas em uma grande fogueira acesa na Opernplatz, em Berlim. Estima-se que mais de 20 mil livros tenham sido queimados naquela praça, incluindo os trabalhos de Albert Einstein, Sigmund Freud e Karl Marx. Esse atentado à cultura foi tão marcante que até hoje é retratado em livros, filmes e letras de música, um claro exemplo de erro do passado que não podemos deixar que se  repita no presente e no futuro.

Motivada pela combinação das aulas de História da escola com a literatura e o cinema, preparei minha viagem a Berlim, coloquei a Liesel na mala e saí para explorar o lugar onde ela viveu. Dois passos pela capital alemã foram suficientes para uma constatação assombrosa: embora a célebre rua Himmel e a cidade de Molching sejam fictícias, a história é assustadoramente real. E toda essa realidade me atingiu em cheio quando, em um dos passeios aleatórios pelas ruas, me deparei com uma placa que dizia:

“No meio desta praça, em 10 de maio de 1933, estudantes nazistas queimaram as obras de centenas de escritores, publicitários, filósofos e cientistas.

Sem grandes aglomerações ou alarde, aquela praça despretensiosa cercada de prédios acadêmicos se revelou o palco de algo inesquecível. Com um novo nome, Bebelplatz, a única forma de entender tudo que ela representa é olhando para o chão, onde dois memoriais à Bücherverbrennung deixam todo mundo sem palavras. O primeiro deles é a placa em metal, que além dos dizeres acima trazia a citação de Henrich Heine: “Onde se queimam livros, acabam-se queimando pessoas.” O segundo era um vidro no chão através do qual se vê uma sala subterrânea de estantes com prateleiras vazias. Não havia placa ou explicação nessa parte, nem seria preciso.

(Fonte da foto)

Olhando de longe, uma cena se formou na minha cabeça. Uma fogueira de livros, uma menina assustada, um livro com as bordas tomadas pela fuligem. Depois de vários dias visitando as diversas faces da história alemã, ver a Bebelplatz me trouxe um pouco para casa. Para o primeiro grande livro que eu li. Para as lágrimas que não fiz questão de segurar nas últimas páginas. Para a entrevista que me fez trabalhar na editora que é a casa da Liesel no Brasil. Para os livros e tudo o que eles representam. Uma das coisas que mais me encantam em estudar ou ler sobre História é justamente que muitas vezes ela ainda está lá. Em forma de memorial, em fotos, em relatos, em exemplos. Quando Markus Zusak criou Liesel, Hans, Rosa, Rudy e Max em A menina que roubava livros, ele mostrou que mesmo em meio a um dos períodos mais repugnantes da História ainda existia família, amor, amizade, coragem e esperança. Um lembrete importante para quando a realidade assusta.

Eu embarquei nessa aventura com mil planos, um A menina que roubava livros na mala e muita vontade de entender um pouco melhor esse capítulo nebuloso da História. Quando voltei, o livro continuava na mala, o celular estava repleto de fotos e uma certeza absoluta havia se firmado na minha cabeça: tem muita coisa nesse mundo que não podemos esquecer, e se as memórias começarem a sumir com o tempo, sempre teremos os livros para nos lembrar delas.  

 

* Letícia trabalha no marketing da Intrínseca, ama livros históricos e sonha em viajar pelo mundo conhecendo os cenários das histórias que lê.


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Comentários

4 Respostas para “Um passeio pela Alemanha de Liesel Meminger

  1. Me identifiquei. Este também e meu primeiro grande livro é o que mas amo.

  2. Meu Deus que história linda e triste aí mesmo tempo

  3. Eu li o livro, a menina que roubava livros, mais eu quero saber se tem algo semelhante?

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