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Como ter coragem em tempos incertos?

20 / março / 2020

*por Naotto Rocha

Quando o novo coronavírus começou a se espalhar pelo mundo, ninguém imaginava que chegaríamos a essa situação em que nos encontramos hoje. Vivemos um tempo de incertezas, e as coisas que nos preocupavam semana passada talvez pareçam completamente irrelevantes agora.

Por todo o mundo, o assunto é discutido exaustivamente nos telejornais e na internet. Comentários transbordam por todas as redes sociais. Para aqueles que já estão em quarentena, a indefinição sobre quanto tempo devemos viver em um rigoroso distanciamento social pode ser enlouquecedora. Para alguns, não poder sair de casa significa não poder ver família e amigos, não poder abraçar seus pais ou filhos. A ansiedade e a insegurança dessa situação podem nos sufocar, mas é o medo que nos paralisa e nos impede de ver uma saída ou de manter a calma.

O mundo todo está tentando lidar com essa nova realidade, mas as informações e atualizações sobre a pandemia continuam sendo atualizadas a todo instante. O panorama geral é aterrorizante. Como enfrentar o medo e sobreviver a tudo isso?

Alguns meses atrás, enquanto lia Coragem, me deparei com uma série de questões esquecidas da minha infância. Me lembrei de todos os episódios difíceis e dolorosos por quais passei, redescobri as origens de traumas que ainda tenho. Crescer é, sem sombra de dúvidas, uma experiência assustadora.

Se hoje sofremos por não poder encontrar aqueles que amamos, na infância por muitas vezes eu sofria por ter que encontrar diariamente na escola pessoas que não me faziam bem. Em casa, com minha família, nem sempre havia espaço para falar sobre meus medos ou inseguranças. Havia, sim, abertura para isso, mas eu tinha medo. Eu tinha medo. Tudo o que acontecia comigo — minhas vontades, meus erros, meus sonhos – parecia grande, pequeno ou esquisito demais para compartilhar com meus pais, tão ocupados com seus problemas de adulto. O que eles iam achar se eu dissesse isso ou aquilo? Eles nunca me entenderiam. Fazer terapia não era uma opção comum na década de 1990 ou no começo dos anos 2000. Então com quem eu poderia conversar?

Por isso, foi impossível ler o quadrinho de Raina Telgemeier e não me ver ali. Foi impossível não pensar em como seria se eu tivesse falado sobre meus medos naquele período, em como eu seria uma pessoa completamente diferente hoje. Quando criança, eu não entendia que o primeiro passo para vencer meus medos era falar sobre eles. Ainda hoje, adulto, me esqueço disso às vezes.

Mas aprendi muitos anos atrás que me preocupar com o futuro não faz com que ele venha mais rápido, nem me garante o controle sobre ele. Entendi que muitas vezes tudo que podemos fazer é esperar, por mais angustiante que seja, e tentar mudar somente aquilo que está em nossas mãos. Que ter coragem é abdicar do controle absoluto que nunca tivemos e entender que não estamos sozinhos em nossos medos. Não é fácil, mas é possível.

E tudo isso nos traz de volta à COVID-19.

Se ficar nas redes sociais durante esse tempo te deixa ansioso, saia. Delete o Facebook por um tempo, desinstale o Instagram do celular e pare de olhar o Twitter a cada minuto. Reduza a quantidade de vezes por dia que acessa portais de notícias, mas se mantenha informado ocasionalmente. Reduza o stress e o peso sobre seus ombros. Não podemos impedir a imprensa de trabalhar nem as pessoas de falarem sobre aquilo que as preocupa, mas podemos gentilmente nos recolher dessa discussão pelo bem da nossa saúde mental.

Em tempos como esse, devemos lembrar quem — e o que — nos traz paz e alegria. Amor é movimento, é troca. Se você se sente sozinho, converse com alguém sobre isso. Encontre um motivo para sorrir, relembre tempos mais simples e memórias perdidas. Mande uma mensagem para aquele amigo com quem você não conversa há muito tempo. Se aplicativos de mensagens instantâneas te deixam nervoso por ter que esperar a resposta, ligue. Ou escreva um e-mail: um longo e detalhado e-mail, como as cartas que nossos avós escreviam. Faça uma chamada de vídeo com sua família, reúna o seu grupo de amigos em uma live ou uma videoconferência. Relembre histórias. Faça história.

E um dia, quando tudo isso passar, você vai se lembrar de quem esteve ao seu lado. Vai lembrar que foram tempos difíceis e incertos, mas que você teve coragem todas as vezes que sentiu medo porque lembrou que não estava sozinho.

Você nunca esteve sozinho.

 

*Naotto Rocha é assistente de marketing da Intrínseca e por muitos anos pensou que trabalhar com o que ama e ter amigos de verdade era um sonho grande demais para ser realizado. Não mais.

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Comentários

5 Respostas para “Como ter coragem em tempos incertos?

  1. Nossa, reconfortante poder ver as coisas de outra forma. Realmente as redes sociais e a televisão tem nos amedrontado, e tem sido bem difícil olhar tudo de uma forma melhor. Adorei seu post, continue firme e vamos ter fé, empatia e amar mais. É o que precisamos nesse momento.

  2. Me senti abraçada no final do artigo! Parabéns, ficou incrível!

  3. Bom texto! Fico feliz que as obras da Raina estejam em uma nova casa.

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