Entrevistas

Mulheres são perigosas quando colocam uma ideia na cabeça

28 / novembro / 2018

Confira a entrevista com a criadora de As viúvas, livro que inspirou o novo filme com Viola Davis

Photo Credit: Courtesy Twentieth Century Fox.

Antes de existirem maratonas na Netflix, de showrunners se tornarem celebridades (alô, Shonda Rhimes!), do torrent e da internet, Lynda La Plante já fazia barulho nos corredores das emissoras de TV da Inglaterra. Formada em teatro shakespeariano, Lynda desistiu da carreira de atriz quando percebeu que era mais interessante escrever: “Começou como uma brincadeira. Escrevia papéis que gostaria de interpretar.”

Após desenvolver minisséries e sitcoms para o público infantojuvenil, ela ganhou fama internacional com a série de 1983 As Viúvas. Dividida em seis episódios, a trama acompanha mulheres que seguem um arriscado plano, deixado pelos falecidos maridos, de roubar um banco. Movidas por vingança e orgulho, essas viúvas ultrapassam todos os limites para conseguir o que desejam.

Desde a estreia da série, a autora lançou outros projetos de sucesso para a TV, como Prime Suspect, estrelado por Helen Mirren e vencedor de dois prêmios Emmy de Melhor Minissérie. Personagens femininas fortes são a marca registrada de Lynda. Décadas antes de a discussão sobre o problema dos estereótipos na TV e no cinema tomar a proporção que tem hoje, Lynda já defendia a dignidade das atrizes com quem trabalhava. “Me recuso a escrever cenas vulgares que não acrescentam nada à história. As atrizes sofrem muito abuso nos sets de filmagem. Sempre tentei protegê-las.”

Agora, trinta e cinco anos após o sucesso da série que tornou La Plante conhecida, As viúvas está de volta em uma versão atualizada. A trama original foi adaptada para o cinema pelo diretor Steve McQueen (12 Anos de Escravidão) e pela roteirista e escritora Gillian Flynn (Garota Exemplar). O longa ainda é protagonizado pela vencedora do Oscar Viola Davis. Precisa dizer mais?

Lynda, que manteve contato com a produção do filme, entrega: “A adaptação acrescenta um tom político e racial para a história original.” A autora aproveita então para relançar o livro escrito com base na série da década de 1980 e espera assim conquistar um novo público de leitores. “Na verdade, ainda escrevo porque tenho fãs maravilhosos. Eles sempre querem mais e eu me alimento dessa energia. Muitos até acham que me conhecem. O que mais eu poderia querer?”

Lynda La Plante conversou com a Intrínseca por telefone.

Hoje há uma grande discussão sobre a necessidade de as mulheres desempenharem papéis que não reproduzam os mesmos velhos estereótipos. Você é uma das roteiristas pioneiras a escrever personagens femininas fortes e realistas. O que a motivou?

Eu era atriz antes de ser escritora e sempre ficava frustrada com os papéis que recebia. De certa forma, comecei a escrever intuitivamente. Primeiro pensava em mim e nos papéis que gostaria de interpretar. Logo, percebi que gostava mais de escrever do que de atuar. Quando As Viúvas surgiu na década de 1980, tive a sorte de ter ao meu lado uma produtora que apostou em mim e em quatro atrizes desconhecidas. Hoje, grandes redes de televisão estão mais preocupadas com o peso dos nomes, não com o conteúdo.

 

Algo ainda a  incomoda na forma como as mulheres são retratadas na TV e no cinema?

Ainda submetemos as mulheres a papéis que beiram a pornografia leve. Chega um ponto que acabamos nos perguntando: “Por que essa jovem atriz precisa estar nua? Qual a necessidade de mais uma cena de sexo?” Os empresários deveriam proteger melhor seus clientes. Em Prime Suspect, nas cenas de autópsia, eu evitava focar no corpo nu das vítimas. Já percebeu que é sempre uma mulher nua na mesa fria da autópsia? O corpo do homem é protegido, enquanto o da mulher é explorado. Prefiro provocar o telespectador por meio de gestos sutis, não com algo explícito. Às vezes, a atriz é jovem e faz tudo que o diretor pede. Essa relação é perigosa, pois é assim que as histórias de abuso se proliferam nessa indústria. Precisamos trabalhar por essas mudanças.

 

Alguns showrunners, como Shonda Rhimes e Ryan Murphy, se tornaram tão conhecidos quanto as séries que criaram. Como você encara esse momento na TV?

Esse é um ponto interessante. Hoje, o escritor ou o roteirista chega com uma ideia para uma série de TV. Se ela se torna um sucesso, logo as emissoras pedem por mais temporadas, novas histórias. Agora com a nova tecnologia do streaming e o surgimento das “maratonas”, os escritores de série carregam uma pressão absurda. As séries só acabam quando elas param de dar dinheiro. Antes não era assim, pois sabíamos a hora de respeitar a história e parar. Ainda acredito que um dia vamos voltar a buscar qualidade acima de quantidade e deixar um pouco de lado o status de nomes de atrizes, roteiristas e produtores.

 

 

 Quais as principais diferenças entre escrever um romance e uma série para a TV?

A grande diferença é que o romance pertence a você e não há restrições de orçamento. Quando você produz coisas para a TV, tudo muda. Em um dos meus romances havia um criminoso que fugia em um helicóptero com duas crianças. Quando adaptamos isso para a TV, o orçamento não permitia alugar um helicóptero. Então, lembrei que um amigo tinha um jatinho e o convenci a me emprestar — mas não havia como filmar essa cena com as crianças. Ou seja, aprendi trabalhando na TV a ser uma escritora com mais recursos. É uma troca.

 

As Viúvas foi escrito para a TV na década de 1980. Agora, a série se transformou em livro e filme. Como foi revisitar essa história? E o que podemos esperar do filme?

Assim como o livro, o filme do Steve McQueen também é um thriller. A força do filme está nas mulheres, mas ele conseguiu adicionar um tom político e racial para a história. Claro, o filme também é mais violento. Mas, no final, ele respeitou a trama e as mulheres têm destaque. No filme, torcemos para que o crime seja perfeito. Já o livro oferece um melhor entendimento do psicológico de cada mulher, até onde elas se arriscam para alcançar um objetivo. Espero ganhar uma nova leva de fãs, pois a série foi lançada há muito tempo.

 

O sucesso de As Viúvas tem muito a ver com o fato de o crime ser cometido por mulheres, não por homens. Como você chegou a essa ideia?

Li uma matéria pequena em um jornal local que me deixou perturbada por dias. Tratava-se de uma viúva que acumulou muitas dívidas do marido. Para pagar as contas, ela tentou roubar uma agência dos correios. Imagino a pressão que essa mulher sentiu para ter se colocado nessa posição. Ela não era uma criminosa com passagem pela polícia, mas uma mulher comum; poderia ser minha vizinha. Foi a partir disso que surgiu a ideia para As Viúvas.

 

Vingança é um dos assuntos-chave de As Viúvas. Seria esse um tema atemporal?

Vingança é algo bastante pessoal. Não importa o quão evoluído você seja, uma hora ou outra você vai se sentir vingativo. Em As Viúvas, temos essa protagonista obcecada pelo marido. Ela ficou ao lado dele, mesmo nos momentos mais difíceis, por vinte anos. Ao contrário das outras personagens, a protagonista tem dinheiro suficiente para viver tranquilamente. Ou seja, ela se arrisca não pelo dinheiro, mas para mostrar que é capaz de fazer um trabalho tão bom ou melhor do que o do marido. Não sei como vocês falam no Brasil, mas aqui tem um velho ditado: “Mulheres são perigosas quando colocam uma ideia na cabeça.”


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