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As variações do amor de acordo com André Aciman

10 / agosto / 2018

Por João Lourenço*

Autor do sucesso Me chame pelo seu nome, André Aciman foi destaque na última edição da Flip. Ele veio ao Brasil para discutir os temas mais marcantes da sua obra: memória, desejo e busca de identidade. E também apresentou  seu novo romance, Variações Enigma

Acompanhei o evento pelo canal oficial da Flip no YouTube. Até então, não tinha visto nenhuma entrevista com o autor. A primeira impressão que tive foi a de estar diante de um conhecido. Aciman é generoso e humilde em suas observações. Veja só: temos aqui um dos maiores estudiosos da obra do grande escritor francês Marcel Proust. Mesmo assim, ele fala com os leitores com naturalidade, sem aquela linguagem rebuscada dos acadêmicos. Ele entende que o autor precisa criar pontes e não barreiras. 

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Em Variações Enigma, Aciman retoma temas que fizeram sucesso em Me chame pelo seu nome. O narrador, Paul, está em busca de sua identidade, e esse processo é marcado principalmente pelo desejo sexual e pelas descobertas emocionais. Seria o protagonista gay ou bissexual? De acordo com André Aciman, ele é fluido. O autor acredita em uma identidade livre. “No fim das contas, a sexualidade de todo mundo é fluida”, respondeu a seus leitores. 

Esse é um dos diferenciais de André Aciman. Apesar de ser casado com uma mulher, ele não tem medo de ficar conhecido como um escritor de temática LGBTQ. Digo isso pois ainda temos autores gays que fogem desse título, que não discutem a questão e que temem que o rótulo “gay” possa afastar o público mais conservador. Em contrapartida, Aciman usa qualquer rótulo a seu favor. Ele entende que, em tempos sombrios, o artista deve se posicionar. A interferência possível e relevante é a sua voz, sua palavra. É isso que encontramos nos romances do autor, uma literatura plural e inclusiva — sem espaço para julgamentos.   

 

O enigma do amor ou o “vinho da vida”

André Aciman conquistou espaço nas prateleiras dos leitores com o romance Me chame pelo seu nome. O livro recebeu prêmios, foi adaptado para o cinema, indicado a quatro Oscar e levou o de Melhor Roteiro Adaptado.

A semelhança entre seu novo livro e Me chame pelo seu nome já pode ser percebida logo no primeiro capítulo. Em Variações Enigma também temos um adolescente passando as férias de verão em uma grande casa na Itália. O jovem da vez tem 12 anos e descobre que está apaixonado pelo carpinteiro da cidade. Em outro capítulo, o veremos apaixonado por uma mulher, agora em Nova York, em uma época e uma vida diferentes.  Seja por mulheres ou homens, a incontrolável força do desejo será o fio condutor do romance.  

Em uma obra menos linear, como se fossem peças de um quebra-cabeça que nem sempre se encaixam, Variações Enigma acompanha, sem pressa, momentos específicos da vida de Paul. O autor não está interessado em ligar os pontos: ele deixa as elipses para o leitor completar. Por sinal, André Aciman, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, diz que não acredita em “encerramentos”, seja na ficção ou na vida real. Para o autor, “a vida é apenas uma grande solução em suspenso, não há solução”. Cru na dosagem certa, André Aciman oferece sonhos quase reais para os leitores.

 

Título emprestado 

O título Variações Enigma foi inspirado na peça de música clássica homônima composta pelo inglês Edward Elgar, em 1899. Conta a lenda que, depois de um longo dia de estudos, Elgar começou a improvisar no piano. Uma das melodias chamou a atenção de sua esposa. Para entretê-la, ele explorou variações (quatorze, no total) sobre essa melodia, cada uma imitando o estilo de algum amigo. As variações representam um retrato emotivo de algumas das relações mais íntimas do compositor.

 

Variações sobre o mesmo tema

Assim como o compositor Elgar, André Aciman também teve a intenção de apresentar variações sobre a mesma melodia ou o mesmo tema — neste caso, a sexualidade, a busca de si e por paixões arrebatadoras —, aquilo que Edith Wharton chamou de “vinho da vida”. Paul narra em cinco capítulos (ou seriam cinco variações?) as maiores paixões que viveu — da adolescência à maturidade. 

 

Linguagem 

O grande truque de André Aciman é oferecer um tom e ritmo diferentes para cada capítulo de Variações Enigma, de acordo com as transições de idade e das emoções do narrador. Assim, cada conquista de Paul é contada por meio de vozes que não se repetem: fluxo de consciência, longos diálogos, trechos de e-mails e cartas. Alguns capítulos podem ser lidos como contos isolados. Variações Enigma acaba sendo aquele livro em que o leitor decide como classificá-lo: é um romance ou uma coleção de contos que conversam entre si? Você decide! 

 

A ficção imita a vida 

André Aciman, foto por: Matthew Leifheit

Em Me chame pelo seu nome, os personagens se expressavam em várias línguas. Na casa de André Aciman não era diferente. Nascido em Alexandria, no Egito, o autor cresceu rodeado de culturas e povos diferentes. Pense em uma casa onde se comunicavam em francês, italiano, grego e árabe. Assim como outras famílias de origem judaica, os Aciman foram expulsos do Egito e procuraram exílio na Itália. Em seguida, eles se mudaram para os Estados Unidos, onde André se formou em literatura comparada em Harvard. Antes de ser escritor, ele foi professor de literatura francesa. Atualmente, após quatro romances publicados, ele leciona no The Graduate Center em Nova York, nos Estados Unidos.

 

João Lourenço é jornalista. Passou pela redação da FFWMAG, colaborou com a Harper’s Bazaar e com a ABD Conceitual, entre outras publicações estrangeiras de moda e design. Atualmente está em Nova York tentando escrever seu primeiro romance.

 


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