Entrevistas

Em Praia de Manhattan, Jennifer Egan visita o período que transformou os EUA em uma superpotência

28 / junho / 2018

Por João Lourenço*

Em 2011, após vencer o Pulitzer de ficção por A visita cruel do tempo, a vida de Jennifer Egan ganhou novas cores e desafios. Com uma obra que transpõe as barreiras narrativas, Egan virou sinônimo de “experimental”, de “diferente”. Mas a fama repentina também trouxe problemas. Afinal, como lidar com os rótulos recebidos pela crítica? Como deixar a repercussão de lado? Foram essas as questões que a autora enfrentou durante o processo de criação de Praia de Manhattan, sua primeira ficção histórica. “Quem disse que eu tenho que ter a mesma sorte e sucesso novamente? É insano pensar assim. Racionalmente, sei disso. Mas, emocionalmente, ainda acredito que todo trabalho novo deve ser tão bom ou superior ao anterior.” Em alguns momentos, a pressão a fez pensar que nunca mais conseguiria publicar outro livro. “Tinha dias que me sentia como uma completa fraude”, confessa a autora. 

Praia de Manhattan demorou seis anos para chegar às livrarias. Ambientado nas décadas de 1930 e 1940, o romance conta a história de Anna Kerrigan, uma mulher que percorre cenários obscuros e perigosos de Nova York para desvendar o desaparecimento do pai. Livro histórico com pitadas de romance policial à Agatha Christie, Praia de Manhattan explora a relação entre pais e filhos, tema recorrente na obra da autora. Egan costuma dizer que não gosta de escrever sobre pessoas próximas e experiências pessoais, mas não há como negar: toda obra de arte expressa um pouco (ou muito) da vida do seu criador. Neste caso, vale lembrar que Egan não teve um bom relacionamento com o pai, e a busca de Anna pode ser vista como a busca da própria autora por respostas. Em uma tarde nublada, enquanto atravessávamos o East River em direção a Manhattan, questionei Egan sobre o tema. Ela demorou um pouco para encontrar as palavras, era como se estivesse pensando no assunto pela primeira vez: “Olha, você tem razão, eu não escrevo sobre minhas experiências, mas talvez eu tenha tentado fazer as pazes com meu pai por meio da ficção.” 

Jennifer Egan por Pieter M. Van Hatten

Jennifer Egan também é conhecida por ser uma grande cronista da sociedade contemporânea. Isso não é diferente em Praia de Manhattan. Apesar de ter nascido décadas após os acontecimentos do livro, Egan relata detalhes e curiosidades como se tivesse presenciado tudo da primeira fila. Esse momento transformador da história dos Estados Unidos, que ajudou o país a se tornar uma superpotência, chega ao leitor em ritmo ágil e único.

Leia a entrevista:

 

A visita cruel do tempo ganhou o Pulitzer e colocou seu nome no mapa literário internacional. Como esse reconhecimento afetou o seu trabalho? 

Tamanha atenção atrapalhou o processo do meu novo livro, Praia de Manhattan. Não estava acostumada com esse tipo de sucesso. As expectativas aumentaram e, com isso, a alegria que tinha em escrever diminuiu um pouco. Após passar mais de um ano na estrada para divulgar o meu último livro, não sabia qual direção seguir. Me senti presa. Tinha a sensação de que nada que eu fizesse seria bom o suficiente. A pressão atrapalhou bastante, a ponto de duvidar dos meus instintos — e eu não tenho nada sem eles. 

 

Parece que você ainda se surpreende com a quantidade de leitores que ganhou nos últimos anos. 

Por muito tempo acreditei que ninguém observava meu trabalho. Tinha o reconhecimento de pessoas próximas, mas pensei que ninguém se importava. Esse é um bom sentimento, pois você se sente livre para fazer qualquer coisa. Quando seu nome está sob o radar de um público maior, as coisas mudam um pouco. A pressão do sucesso me paralisou. Uma pessoa precisa de muita sorte para encontrar sucesso no mundo das artes. Passei a me preocupar demais em não desapontar os leitores, em criar expectativas que não poderia cumprir. Quando entrava nesse buraco negro, cheio de dúvidas e frustrações, dizia para mim mesma que o mundo não iria acabar se eu não escrevesse um bom livro novamente. Tinha dias que me sentia como uma completa fraude.

 

Qual o maior desafio que você enfrentou com Praia de Manhattan

Até então eu já tinha explorado vários malabarismos em termos de estrutura e linguagem, e esse livro pedia algo convencional. Não estava mais acostumada com o estilo tradicional, linear. Esse foi o grande desafio: como escrever um livro com começo, meio e fim, sem me apoiar em experimentações de estrutura. 

 

Praia de Manhattan se passa nas décadas de 1930 e 1940. Isso explica o tom mais convencional que o livro exigiu?

Sim, um pouco. Ao mesmo tempo, não acredito que o livro precisa ser convencional apenas porque a narrativa acontece no passado. Foi uma combinação de várias coisas. O período me empurrou para o lado tradicional, sim, mas eu também estava cansada de experimentações. Após anos dedicada a testes técnicos, de estrutura e de novas formas de narrativa, foi desafiador escrever um romance nos moldes tradicionais. 

 

Em outra ocasião, você me disse que começa a pensar na narrativa e em personagens apenas após responder as perguntas sobre tempo e espaço. Neste caso, o que levou você a esse período?

Foi a atmosfera. A ideia do livro começou quando pensei em Nova York como uma cidade portuária — algo que não fazemos mais. Você pode morar aqui e nunca prestar atenção na água, nos rios, no significado disso tudo. Em seguida, minha curiosidade me levou ao Arsenal da Marinha do Brooklyn, onde muitas mulheres trabalharam antes e durante a Segunda Guerra Mundial, algo bastante incomum para a época.

 

Quais foram as recompensas do processo de pesquisa?

Parece que parte vital da história da humanidade sempre está morrendo. Praia de Manhattan se passa nas décadas de 1930 e 1940, então, em cerca de dez anos, quase ninguém vai estar vivo para nos contar detalhes daquele período. Entrevistei muitas pessoas que viveram esses anos. Me aproximei delas porque não era suficiente ler relatos em livros. Eu estava interessada em pequenas coisas, queria saber como foi a infância delas, o que faziam. O processo de pesquisa em si foi a grande recompensa que Praia de Manhattan me ofereceu. Isso me enriqueceu como pessoa. Independentemente de como o livro for recebido, essa é uma experiência que ninguém pode tirar de mim. Hoje, vejo a cidade com olhos diferentes. Observo os prédios, as construções, com uma perspectiva diferente.

Você é conhecida por ser uma grande observadora da sociedade americana contemporânea. No novo livro, você escreveu sobre um período distante da sua realidade. Como foi?

Eu tinha o desejo de me sentir conectada a outra época, um passado que não vivi. Esse período me interessa, pois está ligado ao momento em que os Estados Unidos se tornaram uma superpotência. Os eventos que se desencadearam depois da Segunda Guerra Mundial nos colocaram nesse patamar. Saímos da guerra vencedores, fortes e não perdemos nem a metade do que os europeus e os soviéticos perderam. Isso proporcionou uma posição de extremo poder. Muito do que somos hoje, essa noção de “América”, começou naquela época. Infelizmente, agora estamos vendo o outro lado do que significa ser uma superpotência. Pessoalmente, tenho sentimentos conflitantes em relação aos Estados Unidos. Me sinto distante e fascinada ao mesmo tempo.

 

Depois dessa experiência com um romance histórico, o que podemos esperar nos próximos livros: a escritora tradicional ou a experimental?

Experimental. Afinal, já tenho algumas ideias não convencionais em andamento. Acredito que eu precisava de um tempo. Mas agora estou animada com o que vem pela frente. Quero escrever mais rápido. Meus filhos são adolescentes, não precisam tanto de mim. Ou seja, tenho mais tempo para trabalhar. Algo curioso aconteceu durante o processo desse último livro. Como disse, me senti bastante perdida. Então, dividi o dia em dois períodos. Assim, trabalhei em Praia de Manhattan e em outro livro ao mesmo tempo. Já tenho o primeiro rascunho do próximo. 

 

Parece que você está correndo contra o tempo. 

Sim. Pretendo lançar um livro a cada dois ou três anos. Sou muito velha para passar cinco ou seis anos no mesmo livro. Sinto a idade chegando e tenho que ser realista e prática. Estou bem, mas tenho amigos que morreram cedo. Esse tipo de coisa acontece. Então, preciso ser mais rápida. Ainda há tanto que tenho para dizer.

 


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