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Como um cão adotado de 58 quilos mudou minha vida, por Jojo Moyes

2 / fevereiro / 2018

*Por Jojo Moyes

A autora do livro Como eu era antes de você conta como sua vida se transformou quando ela ofereceu um lar a um cão de montanha dos Pireneus

(matéria originalmente publicada dia 25 de janeiro de 2018, no The Times)

É uma obviedade dizer que os quarenta e tantos anos são uma idade perigosa. Dois anos atrás, eu me apaixonei por alguém que não era meu marido, mas o inesperado amor da minha vida não é um garotão nem meu primeiro namoradinho que redescobri no Facebook — é uma cadela de montanha dos Pireneus de 58 quilos.

Eu não tinha qualquer intenção de adotar mais um bicho de estimação; estávamos, como diz meu marido, no auge dos animais, com três cavalos, três gatos e um border terrier (além de três filhos). Mas tínhamos acabado de nos mudar para uma casa maior quando um amigo viu uma cadela no site de um abrigo local para animais resgatados. Ela era muito grande e, aos sete anos, velha demais para ser realocada com facilidade. Ninguém quer um cachorro que, muito provavelmente, vai precisar de cuidados veterinários em breve ou algo pior (cães grandes demais não costumam envelhecer muito).

Pensando agora, não sei o que me fez concordar em conhecê-la, mas eu e minha família fomos de carro até uma casinha abarrotada de cães para adoção, e lá estava ela, praticamente um pônei canino, branca e deprimida. Disseram-nos que ela adorava crianças e queijo, ignorava gatos e “não daria trabalho”. Eu disse a mim mesma que era a coisa certa a fazer.

Hoje, tenho uma empatia nova por quem adota uma criança. Fiquei tão nervosa enquanto aguardava a fiscalização da casa para adotar um cachorro que acordei às três da manhã. Moramos em uma propriedade de nove hectares, mas o jardim não é cercado. Será que aquilo pesaria contra nós? Deveríamos ter cercado o lago? Meu cabelo despenteado poderia sugerir uma potencial negligência em relação aos cuidados com o cachorro? Na ocasião, o homem da instituição de caridade se aproximou, olhou a nossa propriedade e disse: “Não sei bem por que estamos fazendo isso. Francamente, eu gostaria que você me adotasse.”

Uma semana depois, eu voltava para casa no meu 4×4 com uma cachorra que duas pessoas juntas demoraram 20 minutos para conseguir içar sobre o banco de trás (ela é velha demais para pular). Ela ganiu durante uma hora inteira, todo o tempo do percurso — um som terrível e lúgubre —, enquanto eu a observava pelo retrovisor e pensava: “O que foi que eu fiz?” Mais tarde, entendi que ela havia sido adotada e devolvida tantas vezes que supôs estar vivendo isso mais uma vez.

Pelo que já sabia, rotina e exercício são a melhor forma de acalmar um animal. Começamos a fazer passeios frequentes e regulares com ela, mas em poucos dias BigDog estava mancando muito. Pesquisei sobre artrite, problemas nas juntas, no quadril — então finalmente olhei suas patas. As solas eram macias e cor-de-rosa, o que é comum entre cães mantidos para reprodução. Caminhamos na grama até suas patas se tornarem mais resistentes, enquanto eu nutria pensamentos sombrios sobre fábricas de filhotes.

As primeiras semanas não foram fáceis. Ela chorou muito, teve infecções urinárias e comeu só de vez em quando. Nossos gatos estavam indignados. Nossos filhos não tiveram qualquer receio: aninhavam-se em seu pelo macio, deitavam-se nela e lhe contavam coisas. Pireneus adoram crianças. Enquanto qualquer visitante adulto em nossa casa é acolhido com uma recepção digna do filme O Regresso, uma criança pode entrar sem hesitar e ela baixa a cabeça, instantaneamente gentil e submissa (o que é peculiar à raça). Conforme os meses foram passando, ela se animou e parou de chorar no carro (encomendamos uma rampa especial para ajudá-la a entrar e sair). Os gatos começaram a nos acompanhar durante os passeios, e eu, de forma inesperada, me apaixonei perdidamente.

Amo todos os meu bichos. Mas BigDog me venera de um jeito para o qual eu não estava preparada. É uma distração, é apaixonante, toma tempo. A maioria dos cães desvia os olhos se você os encara por muito tempo, mas ela continua olhando, como se quisesse absorver você. Quando está descansando, ela ergue a cabeça para saber onde estou, depois dá um grunhido de aprovação. De noite, ela se aproxima de cada membro da família para que sua imensa cabeça macia seja acariciada antes de se recolher para dormir.

Um ano depois de ter vindo morar conosco, ela começou a abanar o rabo (partiu meu coração me dar conta da demora). Ela passou a brincar, jogando habilmente brinquedos no ar ou galopando para cima e para baixo no corredor. Aprendemos que quando isso acontece temos que nos encostar logo numa parede, porque abajures voam, tapetes se dobram e objetos decorativos caem das prateleiras. Maior do que um pônei shetland, ela já derrubou no chão a mim e meu marido (eu fiz a turnê promocional do livro Como eu era antes de você com um ligamento rompido; ele está usando uma joelheira depois de uma recepção um pouco calorosa demais). Recentemente, ela começou a “falar” conosco durante o jantar. Deita-se de lado perto da mesa da cozinha e uiva e grunhe, esperando uma resposta antes de “falar” de novo (há um vídeo disso nas minhas contas no Instagram, jojomoyesofficial e nanookthebigdog).

O prazer inesperado de adotar um animal é vê-lo se abrir, confiar aos poucos em seu entorno e expressar felicidade. Tenho consciência, a cada pulinho no bosque, cada carinho na barriga, que tornei sua vida infinitamente melhor, e, em troca, nos dois anos difíceis em que nossa família enfrentou uma doença séria, uma cirurgia invasiva, os altos e baixos do trabalho, da política e da vida, ela foi uma fonte constante de alegria e afeto.

Desafios são inevitáveis. O limpador de carpete é usado com frequência — ela precisa sair para passear a cada três horas, por causa da bexiga fraca. Ela desaprova ferozmente ciclistas, lambretas e, certa vez (para nossa vergonha completa), uma cadeira de rodas motorizada. Nutre antipatias irracionais e têm de ser afastada para impedir que “encurrale” certos convidados. Já quase deslocou meu ombro, precisa dos cuidados de um tosador especializado e de uma glucosamina cara para suas juntas, e, quando se senta no seu colo, você tem 20 minutos até suas pernas ficarem dormentes e você achar que vai perdê-las.

Assim como a maioria dos Pireneus, BigDog considera a coleira uma afronta à sua dignidade e um chamado como algo opcional. No verão passado, quando meu editor de Nova York veio almoçar aqui, ela simplesmente desapareceu durante a sobremesa. Não consigo imaginar como uma criatura tão grande e branca pode sumir completamente, mas largamos a refeição enquanto vasculhávamos o campo inteiro a pé, de carro e de quadriciclo. Depois de duas horas fiquei bastante histérica; semelhante a quando nosso filho, com dois anos, desapareceu rapidamente em um supermercado.

Paguei para que um táxi levasse o editor de volta a Londres e expliquei que não poderia ir a lugar nenhum enquanto BigDog estivesse desaparecida. Finalmente a localizamos, uma hora depois, exausta, felicíssima e preta, após ter nadado na vala mais intragável e fedida da cidade. Eu chorei de alívio (e chorei de novo quando vi a conta do tosador).

Não sou só eu que a amo. É impossível dar dez passos na minha cidade sem que as pessoas parem para falar com ela e sorriam. É uma das clientes preferidas do café onde escrevo, os funcionários evitam tropeçar nela sem reclamar. Quando estou com BigDog, não sou mais a escritora, sou um apêndice dela (para que fique registrado, as respostas são: não, ela não come tanto assim, só baba quando está estressada e na verdade os resultados do número dois são do mesmo tamanho que os de qualquer cachorro, graças a deus).

Meus filhos adolescentes brincam dizendo que sinto mais a falta dela do que a deles quando estou viajando. Só é engraçado porque eles também sentem mais saudades dela do que de mim (criaram uma conta no Instagram dedicada a ela). Até mesmo meu marido, que não é o homem mais expressivo do mundo, vira uma manteiga derretida quando está perto dela, como descobri quando o ouvi dizer: “Não quer seu café da manhã? Não? Quer que eu coloque parmesão ralado em cima?” (O cachorro de Ainda sou eu, também adquiriu esse hábito culinário.)

Ainda sou eu, continuação de Como eu era antes de você e Depois de você.

Sem saber, ela melhorou minha coluna, porque sou obrigada a deixar a escrivaninha quatro vezes ao dia. Aproximou meu marido e eu — caminhamos juntos ao amanhecer. Nem o adolescente mais irritadiço consegue conter uma risadinha diante do seu respeito tímido frente à nossa gata idosa e feroz, ou ao observá-la mexer as patas enquanto sonha.

Quando trouxemos BigDog para casa, dissemos às crianças que, devido a sua idade, ela seria, no máximo, nossa cadela por quatro anos. Eu me senti quase indiferente ao dizer isso. Dois anos depois, fico chorosa só de pensar no que isso significa e observo cada manqueira, cada tombo exausto, com preocupação.

No entanto, talvez a lição que aprendemos com os animais seja mesmo essa: o amor é fugaz, muitas vezes inesperado, e deve ser apreciado quando surge. Até agora, uma imensa cachorra de expressão triste me ensinou a viver no presente e simplesmente aproveitar cada dia que temos. Acima de tudo, o que nós, enquanto família, aprendemos com cães adotados é que é de fato dando que se recebe.

E se alguém tiver interesse, o Santuário de Animais Heathlands, em Hertfordshire, está procurando um lar para Glenda, uma são-bernardo de seis anos de aspecto particularmente tristonho. Aposto que ela é maravilhosa.

*Matéria originalmente publicada dia 25 de janeiro de 2018, no The Times. Traduzido por Julia Sobral Campos.

Conheça a obra completa da autora publicada no Brasil.

 

 

Comentários

14 Respostas para “Como um cão adotado de 58 quilos mudou minha vida, por Jojo Moyes

  1. Achei lindo a sua história pois você foi muito digna de pegar uma cadela mais velha….Parabens
    Parabéns

  2. Já era fã da escritora,agora dou fã da pessoa jojo

  3. encantada! sinto isso cada vez que olho nos olhos do meu Chico

  4. Amo seus livros e agora vc .Com seu coração amável,só podia receber amor dessa cachorra.Parabéns.

  5. Linda uma história maravilhosa só quem tem cachorro sabe que é um amor incondicional

  6. Chorei..lembrando da minha pé dura que faleceu, era grande, não como a BigDog… parabéns por ter esse amor canino lhe alegrando diariamente.

  7. Amei,o que vcs fizeram por ela ,se eu pudesse teria aos montes Amo os meus de paixão ,não sei o que faria sem eles..

  8. Sinto isto quando minha magrela” Madona” olha para mim, é um amor que arde o coração.Ah ela também fala , pensei que eu estava ficando caduca.

  9. Que mágico sua historia de vida. Que beleza de cachorra. Deve ser incrivél a convivência de toda Familia para com ela e os gatos tb. Parabéns!! Vc me inspira.

  10. Vivo essa experiência a cada dia com meu Zeus, adotado com 2 anos é bem sofrido. 6 meses para confiar em nós e mais 2 para começar a abanar o rabo, como chorei nesse dia…belíssima experiência e essa reciprocidade nos faz melhores a cada dia. Que sejam muito felizes.

  11. Deus abençoe você, sua família, e seus filhos de 4 patas. Parabéns por adotar uma BigDog idosa. Sejam muito felizes.

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