Joaquim Ferreira dos Santos

Do Hippopotamus ao museu

29 / junho / 2017

Zózimo Barrozo do Amaral (1941-1997) era um homem do mundo, onze entradas em Paris carimbadas no passaporte apenas em 1989, e sempre com visitas obrigatórias a museus tradicionais e galerias contemporâneas.

Durante vinte anos, entre 1965 e 1985, ele foi casado com Márcia Barrozo, artista plástica conceituada pela crítica, marchand e dona de galeria de arte contemporânea. Enfim, Zózimo era um homem cercado de cultura e gostava disso — mas seu sorriso sobre todos os valores consagrados era incorrigível.

Cético radical, debochava de qualquer pose e grandiloquência. Ficaria com certeza muito surpreso ao saber que sua vida e obra serão tema de uma exposição no fim de 2018 no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Aquele mesmo, o da Praça XV, com uma monumental coleção de carruagens do Segundo Império, canhões da Guerra do Paraguai e toda sorte de documentação sobre esses nossos 517 anos de fuzarca. Usando o bordão que dava a senha para a gargalhada, ele próprio diria: “E o Zózimo, hein? Quem diria. Do Jornal do Brasil para a História do Brasil.”

A exposição levará para os salões do MHN a história do jornalismo no Rio, principalmente a evolução do colunismo social, nicho que Zózimo consolidou a partir de 1969, no Jornal do Brasil, e que, graças a seu estilo refinado, tornou-se um dos pontos mais importantes de leitura na imprensa nacional. No início, o jornalista trabalhava numa redação basicamente masculina — máquinas de escrever, telefones tocando e vozes de repórteres precisando ser aumentadas para sobressair na algaravia. Uma barulheira de esquina de Copacabana, com direito a fumaceira liberada pelos cigarros. Depois Zózimo pegou a redação digitalizada, mais silenciosa, com cigarro proibido e a presença feminina predominando.

Através das notinhas da coluna de Zózimo é possível contar, com bom humor, a história do Rio de Janeiro na última metade do século XX — e este será o foco da exposição. Zózimo era um carioca sem preconceitos. Educado e charmoso dentro de um black tie nos salões de Carmen Mayrink Veiga, transformava-se num rubro-negro fanático no Maracanã — a ponto de seu advogado ter perdido a conta do número de vezes em que precisou ir à delegacia para tirá-lo das consequências de alguma briga com torcedor rival.

Zózimo era um “rato” do Rio. Saía da boemia intelectual do Antonio’s, no Leblon, direto para os inferninhos de sexo ao vivo na rua Duvivier, em Copacabana. Zózimo divertia-se à grande onde quer que fosse. Frequentava o Posto 9, a pista do Hippopotamus. Quem diria, hein? Acabou no museu.

Comentários

3 Respostas para “Do Hippopotamus ao museu

  1. Refinado representante de um povo desaparecido. Museu é um caminho perfeito para essa raridade de gente que vc biógrafo.

  2. Texto fascinante, Joaquim! As palavras fazem festa quando se juntam em suas crônicas.
    Fiquei com vontade de ir à exposição e de comprar o seu livro. Parabéns!
    Abraço
    Ps: Sinto falta das suas colunas que saíam no “O Globo” …

  3. O Zózimo era um grande barato, era sem dúvida o Rio da época. Na minha opinião ele só errou ao fazer piada com a falta de competitividade do carro do Emerson Fittipaldi.
    Foi um “vacilo”imperdoável.
    Acho que o Emerson merecia mais respeito.

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