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Mussolini, da aliança com Pio XI aos braços de Hitler

26 / maio / 2017

Por Bernardo Barbosa*

A última parte da saga conjunta do papa Pio XI e do ditador fascista Benito Mussolini, ricamente contada no livro O papa e Mussolini: a conexão secreta entre Pio XI e a ascensão do fascismo na Europa, de David I. Kertzer, só pode ser entendida a partir da aparição de um terceiro elemento: Adolf Hitler.

O fascismo de Mussolini foi uma das grandes inspirações do líder nazista, mas a criatura engoliu o criador e foi ainda mais longe, com as nefastas consequências que a História não nos deixa esquecer. Para Pio XI, o regime de Hitler surgiu antes como uma ameaça ao poder garantido na sólida aliança com o Duce do que como um governo racista.

Com seus tons idólatras e pagãos, a gana do nazismo pelo poder foi vista com ressalvas por Pio XI quando da ascensão do regime na Alemanha, em 1933. Mas, movido por sua ojeriza ao comunismo, naquele momento o pontífice manifestou certa simpatia por Hitler quando este se posicionou contra o bolchevismo soviético.

Em julho daquele ano, a Igreja e a Alemanha assinaram uma concordata que, em teoria, deixaria o governo nazista fora dos assuntos eclesiásticos no país. Mas não tardou para que Hitler transformasse o acordo em letra morta; nenhum poder deveria competir com o do nazismo.

A resposta da Santa Sé foi a encíclica Mit Brenneder Sorge (“Com Ardente Preocupação”), publicada em março de 1937. Lido aos fiéis nas igrejas alemãs, o documento criticava a idolatria de uma raça e de uma nação, mas não citava explicitamente o nazismo, nem a perseguição aos judeus — que já era política de Estado na Alemanha da época.

Mesmo assim, foi o suficiente para irritar Hitler profundamente. O ditador quis cobrir a Igreja de “desgraças e vergonha”, indo atrás de arquivos eclesiásticos para expor a “imundície” da instituição. Pio XI recomendou aos bispos alemães que queimassem seus arquivos.

O papa, no entanto, ainda tinha no fascismo um fiel aliado. Mas foi justamente Mussolini que deixou a Santa Sé em situação delicada quando deu mais um passo rumo aos braços de Hitler e, em setembro de 1938, instituiu leis antissemitas na Itália.

Um mês antes, o regime de Mussolini conseguira pressionar a Santa Sé a firmar um acordo secreto segundo o qual a Igreja não criticaria publicamente as leis antissemitas do Duce, desde que elas não fossem além das restrições aos judeus existentes nos antigos Estados Papais — apagados do mapa quando a Itália se unificou, no século XIX.

Como se não bastasse o fascismo jogar com a própria História da Igreja para colocá-la contra a parede, Mussolini invadiu prerrogativas que, para Pio XI, eram exclusivas da Igreja, como proibir os casamentos entre judeus convertidos ao catolicismo.

No entanto, Pio XI se viu praticamente isolado na cúpula da Santa Sé na hora de confrontar o fascismo. O papa chegou a se manifestar contra o antissemitismo; mais que isso, encomendou uma encíclica que condenava abertamente a perseguição aos judeus.

Enquanto o nazismo avançava e atraía o fascismo para sua órbita, a saúde do papa se deteriorava. Ele morreu aos 81 anos, em 10 de fevereiro de 1939 — Mussolini não foi ao velório. A Segunda Guerra Mundial estourou em setembro, deixando para o mundo um genocídio e uma Europa arrasada. A denúncia de Pio XI ao antissemitismo só viria a público na íntegra mais de meio século depois de sua morte.

O fim da história de Pio XI e Mussolini pode ter sido soturno, mas isso não diminui a riqueza histórica da trajetória de ambos. Como mostra a obra de Kertzer, os dois líderes foram protagonistas de alguns dos acontecimentos mais importantes do começo do século passado. Agora, com o livro O papa e Mussolini, há a oportunidade de reler a História daquele tempo — que deu origem a muito do que o Ocidente é hoje — sem boa parte dos filtros oficiais.

 

Bernardo Barbosa é jornalista.

Comentários

4 Respostas para “Mussolini, da aliança com Pio XI aos braços de Hitler

  1. Como sempre desde a sua fundação a Igreja católica só vê os próprios interesses acendendo uma vela para Deus e outra pro Capeta e os católicos dizendo amem

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