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Como derrubar um presidente: 11 pontos sobre o golpe de 1964

31 / março / 2017

Em A ditadura envergonhada, Elio Gaspari reconta como a derrocada de um presidente democraticamente eleito levou o país ao período político mais sombrio de sua história

Por Thadeu C Santos*

Jango no comício da Central, ao lado da primeira-dama Teresa Goulart, em 13 de março de 1964 (Jornal do Brasil)

João Goulart (1961-1964), o Jango, assumiu a Presidência da República em 7 de setembro de 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto, depois de apenas alguns meses no poder. Na eleição que os sancionou, no ano anterior, a escolha do presidente e de seu vice foi decidida em eleições separadas, conforme legislação vigente. Jânio venceu a corrida presidencial utilizando na campanha uma vassoura; Jango sagrou-se o vice que, de acordo com os seguidores do novo presidente, encarnava o lixo a ser varrido.

Houve muita resistência a que Jango assumisse o poder, mesmo tendo sido eleito democraticamente. O conflito entre o presidente, parte da classe política, da sociedade civil e militar, além da pressão da elite por uma solução para a crise econômica, levou o país a um período de instabilidade. Em A ditadura envergonhada, primeiro livro da Coleção Ditadura do jornalista Elio Gaspari, o autor conta como a crise política do governo janguista e a articulação civil-militar que tramou sua derrubada levaram ao golpe militar de 1964. A partir de então, direitos foram suprimidos, as torturas foram elevadas à condição de política do Estado e a censura à imprensa tornou-se oficial. A seguir, alguns pontos sobre o que aconteceu na noite de 31 de março de 1964.

 

1 – UM PRESIDENTE COMUNISTA?

Jango discursa em sua visita diplomática à China comunista, em 1961 (fonte: CPDOC FGV)

Em 1961, quando Jânio renunciou, Jango visitava a China comunista. Jânio usara a renúncia para provocar na sociedade um clamor em torno de seu nome que, assim planejava, o fortaleceria para se manter na Presidência. Não funcionou. Em plena Guerra Fria, Jânio já havia condecorado “Che” Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana, e a aproximação com a China alimentou boatos de que ele e seu vice se inclinariam ao comunismo. Elio Gaspari conta que Jango só assumiu porque aceitou, “depois de uma crise em que o país esteve perto da guerra civil, uma fórmula pela qual se fabricou um humilhante regime parlamentarista, cuja essência residia em permitir que ocupasse a Presidência desde que não lhe fosse entregue o poder”.

 

2 – JANGO REASSEGURA O PODER PRESIDENCIAL

Capa do Última Hora anuncia a vitória do presidencialismo no plebiscito de 1963 (fonte: Última Hora)

O regime parlamentarista, cujo primeiro-ministro era Tancredo Neves, limitou drasticamente a ação do presidente. Em 1963, porém, Jango recuperou os poderes presidenciais em um plebiscito em que o presidencialismo (com 9,5 milhões de votos) venceu o parlamentarismo (com 2 milhões).

 

3 – PRESIDENTE ESTANCIEIRO

Primeira visita de Fidel Castro ao Brasil, em 1959, ao lado do presidente JK e seu vice, Jango, no Palácio Laranjeiras, no Rio. À esquerda, o chanceler Negrão Lima (fonte: Agência O Globo)

De acordo com Elio Gaspari, Jango foi “um dos mais despreparados e primitivos governantes da história nacional”. Sua força política provinha da máquina da Previdência Social e das alianças estabelecidas com a esquerda no controle dos sindicatos. Era dono de grandes terras em São Borja (RS) e de um rebanho de 65 mil animais. “Movia-se no poder por meio daqueles sistemas de recompensas e proveitos que fazem a fama dos estancieiros astuciosos.” Após a consolidação de seu governo, a oposição dos militares se tornou majoritária.

 

4 – JANGO CONTRA-ATACA

Jango discursa no comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964, ao lado da primeira-dama Teresa Goulart (fonte: CPDOC JB)

No contra-ataque, Jango chegou a tentar um golpe, que, sem o apoio da esquerda, frustrou-se. Guinou então o governo em sua direção, anunciando grandes reformas de base. Em 13 de março, num comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, assinou dois decretos. “Um desapropriava as terras ociosas das margens das rodovias e açudes federais. Outro encampava as refinarias particulares de petróleo. No palanque, o líder do governo no Senado disse que ‘se o Congresso Nacional não aprovar as reformas, perderá sua identidade com o povo’. Era um governo em crise, com a bandeira das reformas hasteada no mastro da intimidação”, avalia Elio Gaspari.

 

5 – MILITARES NA RETAGUARDA

Capa do Jornal do Brasil de 14 de março de 1964, noticiando o comício da Central (fonte: Jornal do Brasil)

No discurso de 13 de março, o ministro da Guerra, general Jair Dantas Ribeiro, que apoiava Jango, foi “cumprimentá-lo à saída do palanque do comício”. Elio Gaspari ressalta que “não havia comando importante em mãos duvidosas”. Mesmo após o comício, o general Costa e Silva, um dos futuros presidentes do regime, sentia o peso da articulação pró-Jango. Elio Gaspari conta que “num encontro em que Cordeiro de Farias o convidou para botar a tropa na rua [contra Jango], [Costa e Silva] reagiu: ‘Você está maluco? Nós não podemos fazer nada’”.

 

6 – DAR O GOLPE OU SER GOLPEADO

Com parcos apoios, Jango tentou costurar saídas para a crise política, como a que envolveria sua reeleição (artifício não previsto na Constituição). “Se o golpe de Jango se destinava a mantê-lo no poder, o outro se destinava a pô-lo para fora. A árvore do regime estava caindo, tratava-se de empurrá-la para a direita ou para a esquerda.”

 

7 – AS REFORMAS DE BASE NO OLHO DO FURACÃO

As reformas de base, contrárias aos interesses da elite econômica e política, contribuíram para intensificar a polarização política que dividia o país entre esquerda e direita e acentuar drasticamente a crise.

                                                                                                               

8 – CONSERVADORES NAS RUAS E NO CONGRESSO

Marcha da Família com Deus e pela Liberdade, em 19 de março de 1964, São Paulo (fonte: Agência O Globo)

Elio Gaspari menciona que o conservadorismo paulista respondeu “ao comício do dia 13 com uma Marcha da Família com Deus pela Liberdade, em que se reuniram perto de 200 mil pessoas com faixas ameaçadoras (‘Tá chegando a hora de Jango ir embora’) e divertidas (‘Vermelho bom, só batom’)”. O Congresso, de ampla maioria conservadora, dava demonstrações de que não ia aderir aos projetos de reforma janguistas.

 

9 – ANTICOMUNISMO

Tanques ocupam as ruas do Rio de Janeiro em 1º de abril de 1964 (fonte: Agência O Globo)

Elio Gaspari relata que, à direita, não havia “bases definidas” para o golpe, “mas havia uma senha. Ela seria qualquer ato de força do governo [Goulart], quer contra o Congresso, quer contra os governadores que lhe eram hostis”. Elio Gaspari relembra que “o anticomunismo da roda do pensamento conservador era uma mistura de medo real com uma espécie de industrialização do pavor, a fim de permitir que bandeiras simplesmente libertárias ou reformistas fossem confundidas com o ‘perigo vermelho’”.

 
10 – DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL

Primeiro presidente da ditadura militar, o general Castello Branco tomou posse em 15 de abril de 1964. Subiu a rampa do Palácio do Planalto ladeado por Ranieri Mazzilli e pelo general Ernesto Geisel (fonte: Agência O Globo)

Em 31 de março de 1964, todas as tentativas de resistência de Jango se esgotaram. Naquele momento, “para que o presidente vencesse, (…) era indispensável que se atirasse num último lance de radicalismo, límpido, coordenado e violento. (…) Precisaria golpear o Congresso, intervir nos governos de Minas Gerais, São Paulo e Guanabara, expurgar uma parte da oficialidade das Forças Armadas, censurar a imprensa, amparar-se (…) na sargentada e na máquina sindical filocomunista”. Em suma, para salvar seu mandato, Jango teria que provocar “tamanha mudança no poder que, em última análise, (…) tanto o governo (pela esquerda) como os insurretos (pela direita) precisavam atropelar as instituições republicanas”.

 

11 – GOLPE MILITAR

Tanques ocupam a Explanada dos Ministérios, em abril de 1964 (fonte: Agência O Globo)

O suposto contragolpe de Jango não aconteceu. Para Elio Gaspari, faltava ao presidente uma personalidade à altura do enfrentamento: “Não era um covarde, mas se habituara a contornar os caminhos da coragem.” Além disso, “nenhuma força à esquerda do presidente tomou iniciativa militar relevante durante o dia 31”. A imobilidade de Jango e a inação da esquerda tornaram o golpe inevitável, decidido, em seus pormenores, no calor do momento. “Nas altas horas da noite de 31 de março o golpe tinha uma bandeira: tirar Jango do poder, para combinar o resto depois.” A rebelião militar que depôs Jango sequestrou a democracia brasileira por 21 anos.

 

Thadeu C Santos, 29 anos, é editor freelance.

Comentários

Uma resposta para “Como derrubar um presidente: 11 pontos sobre o golpe de 1964

  1. Ótima chance de conhecer a História do golpe militar de 1964.

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