Joaquim Ferreira dos Santos

A volta do Hippopotamus

9 / março / 2017

Foto do antigo Hippopotamus (Fonte)

A boate Hippopotamus, que reabre na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, no mesmo local onde funcionou, entre 1976 e 1998, era uma espécie de redação etílica de Zózimo Barrozo do Amaral. As notinhas pululavam por todos os cantos e mesas. Era só o colunista puxar o caderninho de anotações.

Jacinto de Thormes tinha feito o mesmo no início do século, na boate Vogue, entre o Leme e Copacabana. Ibrahim Sued batia ponto no Golden Room do Copacabana Palace. Cada grande colunista social do Rio tinha seu posto de observação básico para, num simples olhar, ver como caminhava a sociedade daquele tempo. No dia seguinte, com sofisticação e maturidade, eles publicavam nos jornais essas crônicas sobre o que ia no high — mesmo que ele, às vezes, parecesse se dirigir rapidamente para o down mais profundo. Zózimo, que morava a dois quarteirões, estava sempre lá.

Os banheiros do Hippopotamus não paravam. Numa noite, o segurança da casa avisou o produtor de moda Julio Rego que havia dois agentes da Polícia Federal na casa dando flagrantes de drogas. Julio avisou Odile Marinho, que, fazendo-se de discreta, pediu que ele lhe passasse a droga por baixo da mesa. Em seguida, ela se dirigiu ao banheiro. O tempo passou. Como ela não voltasse, Julinho foi ver o que estava acontecendo e encontrou Odile, uma loura deslumbrante, aos beijos com o segurança. Foi o álibi que encontrou para ficar no banheiro cheirando. Julinho aproveitou para entrar também.

Amigo de todos, nem tudo Zózimo publicava. Dava notas cifradas quando o editor da revista Interview, Michael Koellreutter, mais uma vez trancava-se no banheiro para transar com alguma namorada. O Hippo era um clube. Tinha tanto esses sócios mais assanhados quanto outros, convictos de que frequentavam um salão chique. O jornalista Roberto Marinho ia ao restaurante, no segundo andar, e de lá saía direto para o carro, dando apenas uma olhada para a pista de dança e o bar, no primeiro andar. Era onde a juventude mais esquentada fazia acontecer. Tomavam-se quarenta garrafas de champanhe por noite. Aparecia por lá o Paul McCartney (“só não é mais chato que o Chico Buarque”, dizia o dono da casa, o empresário Ricardo Amaral. O bicheiro Castor de Andrade ficava num canto, a travesti Bruna Jordan no outro, mais mulheres incríveis, homens riquíssimos, todos misturados em algum outro canto.

Amaral tentava controlar as drogas, que estavam no auge social, ainda sem a promiscuidade com o noticiário policial. Um decorador o aconselhara na decoração: “O exaustor do banheiro deve ser forte o suficiente para tirar o cheiro da maconha, mas não forte demais para levantar o pó.”

Foi lá que Pelé assumiu seu romance com Xuxa; a cantora Simone, com a atriz Ísis de Oliveira; e Neuzinha Brizola, filha do então governador Leonel Brizola, com um dos filhos do ex-governador Chagas Freitas, maior inimigo político de seu pai.

As mulheres no salão do Hippo eram tratadas como estrelas e estariam ilustrando a coluna do Zózimo no dia seguinte da mesma maneira que as da televisão ilustram hoje a da Patrícia Kogut. Kiki Garavaglia, filha de embaixador, moradora de algumas das mais importantes cidades do mundo, era uma delas. Teve casos com Paul McCartney e Warren Beatty. Foi em homenagem a ela que Ibrahim Sued cunhou a expressão “locomotiva”. Havia outras, igualmente capazes de puxar qualquer trem de beleza e animação, como Carmen Mayrink Veiga, Claude Amaral Peixoto (namorada de Charles Aznavour), Irene Singery, Mirtia Gallotti, Lourdes Catão, Marialice Celidônio e, ocasionalmente, Raquel Welch, Liza Minnelli, Diana Ross.

A grande festa carioca, animada por músicas como “Dancing’ Days” (“Abra suas asas/ solte suas feras”), cantada pelas Frenéticas, acontecia a partir da pista do Hippopotamus. Numa noite de fevereiro de 1979, muitos champanhes depois, Zózimo viu ali a atriz e cantora argentina Libertad Lamarque e, no dia seguinte, saudou sua presença entre nós. Duas edições depois foi preciso voltar ao assunto e corrigi-lo. E o fez com o estilo que lhe era inerente — com humor, bom gosto e a filosofia cariocamente malandra de vida: “Quem está no Rio para o Carnaval não é Libertad Lamarque, mas Libertad Leblanc, atriz argentina como a outra. Leblanc ou Lamarque, o mais importante é ter no Brasil Libertad.”

O Rio, que anda cheio de liberdades, sentia falta de uma boate para gente sofisticada e madura — com a volta do Hippopotamus, preenche-se uma lacuna. Fica faltando um colunista maduro, inteligente e sagaz para reportar as novas noites que virão.

Comentários

6 Respostas para “A volta do Hippopotamus

  1. Estava saudoso,leia-se “Saudade gostosa”

  2. legal. “the return” saudades

  3. Joaquim
    Tenho uma história ótima da Bruna Jordan. Quem batizou e por que do nome e quem pegou.

  4. Joca, precisa falar que o colunista é você? Não, né. Beijo, boa sorte e SUCESSO SEMPRE!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *