Bastidores

Quatro razões para ler o thriller A viúva

16 / fevereiro / 2017

Por Pedro Staite*

A vida pacata de Glen e Jean foi invadida por um crime imperdoável. E ele é o principal suspeito. “Ela não sabia de nada?” — é o que todo mundo se pergunta.

A gente ouve histórias de família, de casamentos que atravessaram décadas, e percebe que os segredos que nascem com o tempo são praticamente um isolante entre duas pessoas que se amam ou se amaram… mas que se odiariam se soubessem de tudo.

Esse é o primeiro ponto que faz de A viúva, de Fiona Barton, um livro sensacional:

 

Um casamento amoroso e mentalmente violador

Glen e Jean são casados há vinte anos. Ele faz sucesso no trabalho, tem uma lábia afiada, é o “inteligente” do casal. Ela, relegada a uma vida simplória, venera o marido e acata suas decisões como se obedecesse a um pai, como se tivesse um ente sagrado que faz as vezes de marido.

Ela descobre alguns gostos absurdos de Glen, umas coisas que “acidentalmente” apareceram no computador dele. Mas ela foi acostumada a duvidar de si mesma, em grande parte porque o marido, um exemplo da manipulação psicológica (que conhecemos também como gaslighting), sempre se impôs como o racional da dupla. Ela viu, sentiu e percebeu, mas a força exercida pela autoridade do marido a impede de formular qualquer coisa. A gente se convence também, a dúvida do leitor é genuína. Ela talvez esteja “doida”, ela “sabe que ele não é assim”. Até que, em um dia de junho de 2010, ele morre (se fosse spoiler, o livro não se chamaria A viúva, eu juro).

 

Os personagens são ao mesmo tempo realistas e carismáticos

O mote que conduz o livro é o desaparecimento, em 2006, de Bella, filha pequena de uma jovem mãe chamada Dawn. O principal suspeito desse crime é Glen. No entanto, o livro se baseia nos pontos de vista de outras três pessoas: Jean (a viúva de Glen), Kate (a repórter que mais se destaca na cobertura da história) e Bob (um policial de meia-idade que mergulha com obsessão no caso).

Nosso mundo cheio de bizarrices nos leva sempre a escolher mocinhos e vilões. Mas todos os pretensos “mocinhos” de A viúva carregam particularidades, como os seres humanos em si.

Jean, ao mesmo tempo que descobre a força para tocar a vida, acusa Dawn publicamente, declarando que a mãe da criança desaparecida é uma aproveitadora e uma relapsa que não tomou conta direito da filha. Kate leva a sério a cobertura do caso, mas se aproxima de Jean com o interesse puro e questionável de saber o que ela pensa do marido suspeito. Não sabemos se o que a motiva é a busca pela verdade ou tiragens maiores para o jornal. Bob respira o caso dia e noite, o que o leva a colocar em segundo plano a companheira de sua vida. Além disso, não é um policial maravilhosamente graduado nem com habilidades perfeitas: é um cara travado no meio da hierarquia da polícia que se destaca por “metódico” e “dedicado”.

Esse perfil de Bob nos leva ao próximo ponto.

 

São pessoas normais resolvendo um problema absurdo

A graça do livro é que não tem ninguém genial que resolve o caso com um insight só. É como se fôssemos nós mesmos desvendando um mistério. Durante a preparação do texto, eu pensava “Não, Bob, vai por ali… se bem que essa ideia não é ruim… ih, não sei, vamos esperar pra ver”, ou “Ih, Kate, que malandra, não tinha parado para pensar nisso… Mas será que não vai dar problema?”, e assim por diante. Faz bem para a autoestima saber que você poderia estar na redação ou na delegacia ajudando a galera de igual para igual.

E essa vida de redação e delegacia nos leva para o último ponto:

 

A autora manja dos paranauê

Foto: Justyn Wilsmore

Fiona Barton é uma jornalista muito bem-sucedida, que passou pelos maiores periódicos da Inglaterra. Ela, por exemplo, foi uma das principais repórteres no caso do desaparecimento da pequena Madeleine McCann. Seria Kate um alter ego de Fiona? Segundo a autora, a única coisa que passou da história real para o livro foram os sentimentos que ela teve quando acompanhou o caso como jornalista. Depois de uma vida burilando o texto em redações, ela traz um texto com uma clareza e umas sacadas impressionantes.

Mas, na minha opinião, a escolha de Fiona sobre quem retratar é o acerto-mor desse livraço. É como ela diz:

“Estranhamente, as pessoas sob os holofotes nem sempre me marcaram. Com frequência são aqueles na periferia, os coadjuvantes do drama, que continuam a me assombrar. Em grandes julgamentos — crimes notórios e terríveis que emplacam manchetes — eu me vi observando a esposa do homem no banco dos réus e me perguntando o que ela realmente sabia, ou se permitia saber.”

>> Leia um trecho de A viúva

 

Pedro Staite é editor assistente de livros estrangeiros da Editora Intrínseca. Tem um blog com o nome mais petulante de todos (o dele mesmo).

Comentários

2 Respostas para “Quatro razões para ler o thriller A viúva

  1. Nossa …esse livro vai ser incrível ❤ja estou apaixonada .

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