Bastidores

Nimona, uma vilã que me ajudou a ser mais feliz

14 / outubro / 2016

Por Rayssa Galvão*

foto-nimona

Quando eu era mais nova e a internet não era tão comum, sempre matava aula para ir à livraria atrás de tudo o que eu pudesse encontrar em matéria de quadrinhos. Eu amava aquelas edições de HQs mais literárias, com ilustrações tão lindas que dava dor no coração de virar as páginas. Edições tão difíceis de encontrar (e caras) e tão lindas que ficavam junto com os livros de artes.

A escola acabou, mas o amor pelas histórias em quadrinhos, não. Hoje em dia eu procrastino o trabalho, em vez de matar aula (que o pessoal da Intrínseca não leia isso). E, poxa, tem muita coisa boa de todas as nacionalidades e de todos os gêneros literários.

Quando a gente fala em história em quadrinho, pensa logo em super-herói. E, realmente, hoje em dia não tem nada mais evidente na nossa mídia pop do que a velha guerra Marvel versus DC. E, mesmo que essas histórias existam há bastante tempo e tenham um público fiel (quem me emprestou o primeiro volume de Elektra foi o meu pai!), aqui no Brasil o que fazia mais sucesso eram as tirinhas de jornal, que foram evoluindo para periódicos — e assim nasceu a maravilhosa Turma da Mônica, que não demorou a virar revista e fazer o maior sucesso. Com a internet, esse formato das tirinhas e charges no jornal foi ganhando uma cara nova, e hoje em dia é o que mais faz sucesso aqui no Brasil, em termos de HQ. Sua timeline (se você for uma pessoa feliz) deve estar cheia deles!

Turma da Inbonha

Meu amor por quadrinhos começou trocando revistinhas da Mônica no sebo. 2 por 1. (Fonte)

Foi revirando a internet atrás de coisa boa para ler enquanto procrastinava algum trabalho que eu descobri a Noelle Stevenson.

Quando li Nimona pela primeira vez, acho que por volta de 2012, a série ainda não estava completa (mas já tinha um pedação). A Noelle publicava uma página por semana no Tumblr, e eu ficava para morrer esperando a continuação. E o legal de ler Nimona é que era uma coisa totalmente diferente dos quadrinhos a que eu estava acostumada.

Veja bem, o legal das HQs é que elas não precisam se restringir a um gênero. Tem coisa de tudo que é tipo: pequenas tiradas e críticas políticas, crônicas da vida cotidiana, sagas de heróis com superpoderes (valeu, Batman, te amo para sempre), histórias de fantasia. Tem uma vertente das histórias em quadrinhos que é mais literária — é como um livro desses de fantasia do nosso top 10 de todos os tempos, só que já pensado no formato dos quadrinhos. A mais famosa é a série Sandman, do Neil Gaiman, mas tem títulos fenomenais que viraram filmes lindíssimos, como 300, Persépolis e Sin City — além de livros fenomenais que viraram HQ, como a maravilhosa série A Roda do Tempo! Só que, mesmo com toda essa variedade, eu nunca tinha encontrado uma HQ com uma personagem principal feminina como a Nimona.

O mundo anda meio carente de modelos femininos no poder, né? É verdade que a gente tem histórias com super-heroínas, mas essas revistas mais comerciais, apesar de maravilhosas, têm uma necessidade de agradar o público masculino (como se o público masculino só fosse ficar feliz com uma mulher de corpo magnífico, poucas “frescuras” e dependência crônica de homens).

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Elektra mostrando a que veio (e que também precisa agradar o público masculino) na capa da edição número 1, uma das revistas mais maravilhosas que eu já li.

Além disso, o mundo dos autores de histórias em quadrinhos é muito masculino. Parando para pensar, a maioria dos autores que me vêm à cabeça são homens: Neil Gaiman, Stan Lee, André Dahmer… O mesmo acontece com nomes de protagonistas, tanto nas revistinhas de heróis quanto nas mais ~obscuras~: Sandman, Homem-Aranha, Constantine. Os poucos personagens femininos mais fáceis de lembrar ou são parte de um grupo (como a Tempestade, de X-Men), ou são coadjuvantes (como a Morte, de Sandman), ou são protagonistas mais “delicadas”, como em Persépolis.

Foi aí que a Noelle Stevenson inovou, criando a Nimona, e foi com isso que eu me encantei, tantos anos atrás. A Nimona é uma protagonista feminina que, além de não seguir os padrões de beleza típicos das protagonistas dos quadrinhos (mesmo as vilãs), não precisa de uma justificativa para ser má. Ela não precisa ser louca, não precisa viver um relacionamento abusivo, não precisa querer vingança. Uma protagonista que pode ser o que ela quiser (tanto porque é metamorfa, quanto porque é dona de si). Uma protagonista multifacetada, que não precisa de justificativas para suas ações ruins, mas que também pode ser boa sem a necessidade de um longo flashback explicativo (porque não é uma ação que vai contra a “construção do personagem”). E uma mulher que não deixa de ser amada e querida por ser quem é — pelo contrário, a gente acaba a história querendo mais Nimona na nossa vida!

Quando conheci essa personagem que pode ser o que quiser, eu meio que me senti autorizada a ser assim também. Não preciso explicar todo o meu passado para justificar alguma ação contrária à norma ou ao que as pessoas esperam de mim. E ninguém vai deixar de me amar se eu for imperfeita.

Amei ler Nimona e amei trabalhar em cada pedacinho desse livro — inclusive voltando no tempo, até minha infância de leitora da Mônica, para improvisar onomatopeias. E acho que você vai amar também, porque é sempre muito bom encontrar um livro que quebra padrões e vai além do que a gente esperava. Uma dessas histórias que fazem a gente se sentir compreendida.  Porque, às vezes, a gente só quer tocar o terror e matar inocentes, sem precisar de justificativa.

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Agora é que a Intrínseca para de me mandar trabalho!

 

* Rayssa Galvão já nasceu meio nerd. Hoje em dia procrastina o trabalho – de revisar livros de fantasia e quadrinhos – lendo outros livros de fantasia e quadrinhos.

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