Fernando Scheller

Pequenas histórias de finais felizes

1 / setembro / 2016

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Meses atrás, enquanto lia um livro escrito com referências a tragédias gregas — um texto instigante, ousado e extremamente bem escrito —, deparei-me com um final solar demais diante dos acontecimentos e do tom adotado na condução da história. Foi um caso de final feliz que não me fez feliz.

Uma das regras na hora de escrever um livro é não deixar o personagem ser dono da narrativa. O autor é o mestre da própria criação. No entanto, ao desenvolver um personagem, é necessário também ter a consciência plena de quem aquela pessoa é. As ações têm de fazer sentido, não podem trair a essência daquela personalidade.

Meus finais felizes não são, necessariamente, felizes. Por exemplo, sempre achei que os filmes de Woody Allen têm desfechos inesperados e satisfatórios mesmo quando os roteiros não são tão bons assim, como o dilema que se apresenta ao escritor fajuto ao fim de Você vai conhecer o homem dos seus sonhos. Mas em Café Society, que acabou de ser lançado, ele se superou.

No que acredito ser seu melhor filme em muito tempo — superior até a Meia-noite em Paris, seu maior sucesso comercial —, tudo funciona. As discussões sobre o sentido da vida são inseridas de maneira natural — às vezes ele exagera nas filosofadas, como no recente Homem Irracional —, os personagens são “redondos” — não há maniqueísmos, heróis ou vilões — e conseguem manter a simpatia mesmo quando tomam exatamente o caminho oposto ao que a plateia gostaria.

Sim, desfechos são essenciais. No caso de Café Society, considerada a tendência de padronização no cinema atual, em especial o americano, o fim representa o arremate à mão numa colcha costurada com fio de ouro. Às vezes a vida não nos leva pelo caminho que gostaríamos, mas ainda assim continuamos vivendo. E, pelo menos para mim, sobrou uma reflexão adicional: será que, se tivéssemos tomado outro rumo, não estaríamos ansiando pelo que temos agora?

Há uma autora de que gosto muito, a canadense Alice Munro, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura, que me frustra um pouco nos desfechos, quase sempre abertos e apontando para uma direção que poderia ser o início de outro conto. O fato de os finais dela me decepcionarem um pouco não é razão, contudo, para que eu deixe de lê-la. Ao contrário: estou relendo Fugitiva neste momento.

Dito isso, alinhavar um enredo não significa, para mim, fechar todas as possibilidades. Tanto que, antes de entregar O amor segundo Buenos Aires à editora, passei pelo menos um mês reescrevendo os desfechos dos personagens, evitando que o happy end fosse “redondo” demais e abrindo espaço para conflitos e frustrações mesmo nas últimas páginas.

No que se refere a finais, no entanto, nenhum me chegou de forma mais natural do que meu primeiro livro, Paquistão, viagem à terra dos puros. Embora se tratasse de uma reportagem, um relato sobre minha convivência com uma família paquistanesa que me recebeu por várias semanas em sua residência, a narrativa também exigia um desfecho. Fiquei meses quebrando a cabeça para achar uma forma de pôr o ponto-final naquela história.

Então, ele veio até mim. Como só podia carregar vinte quilos na mala, resolvi despachar como encomenda alguns presentes que havia recebido, incluindo uma cópia pesada do alcorão em dois idiomas. O correio paquistanês é famoso por não entregar pacotes — fato do qual só fui avisado posteriormente. O livro dado por perdido, entretanto, chegou à minha casa muitos meses depois. E assim também encontrei o fim daquela história, que só me exigiu uma coisa: paciência.

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Comentários

6 Respostas para “Pequenas histórias de finais felizes

  1. Os desfecho inesperados remetem a propía inconstância da vida, mas vou confessar que quando os encontro em uma obra sinto um vazio, algo criado pela “peça cliché” que poderia estar ali no final.
    Com tudo você fez eu repensar minhas concepções sobre “finais redondos”.
    Obs: adoraria saber se você poderia dizer o título de sua recente leitura sobre tragédias gregas?!

  2. E muito boa essa história final feliz ☺muito linda essa hestoria

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