Fernando Scheller

Julieta, um filme para ser lido

3 / agosto / 2016

1458216114_607368_1458216708_noticia_normal

Nenhuma experiência cinematográfica este ano se compara, para mim, a Julieta, novo filme de Pedro Almodóvar, baseado em três contos da escritora canadense Alice Munro. Trata-se da fusão perfeita de dois estilos em nome da arte.

Vencedora do prêmio Pulitzer, a autora é conhecida pela economia das palavras, pelas frases simples e curtas, mas cheias de significado. Sem floreios, sem rodeios nem nada fora do lugar. Só o essencial para que a trama seja contada.

Quem já assistiu a filmes do cineasta espanhol sabe que ele é adepto da estética do exagero. Se a ousadia de uma está na economia, a do outro está no estilo “tudo ao mesmo tempo agora”, tanto no visual quanto na narrativa.

Acho Amiga de juventude, de Munro, um dos meus contos favoritos de todos os tempos. Em pouco mais de trinta páginas, é narrada uma história de acasos e da relação de duas mulheres com um senso ímpar de imprevisibilidade.

Em Julieta, o diretor adapta três contos da autora: Ocasião, Daqui a pouco e Silêncio, que constam do livro Fugitiva. Trata-se de sua obra mais linear e discreta. E, na minha opinião, uma das melhores de sua carreira.

A crítica de cinema, acostumada a aplaudir a repetição e a entender como característica só o que está bem diante dos olhos, gritando por atenção, parece ter sido incapaz de entender que este é um trabalho em que Almodóvar só se permite os floreios realmente necessários.

A obra dele pode variar do sublime (Tudo sobre minha mãe) ao completamente desagradável e dispensável (Os amantes passageiros). Aqui, ele opta pelo calmo, literário, fiel ao espírito de sua fonte.

É possível dizer que Julieta melhora o que Munro e Almodóvar têm de bom. Com pouco mais de uma hora e quarenta, o filme, assim como os outros contos da autora, parece existir para contar a história. E deixar sua marca sem precisar exibir-se, como o cineasta costuma fazer.

Para a escritora, as cores fortes do cinema almodovariano — repare o uso de objetos vermelhos, que aparecem cuidadosamente em quase todos os quadros na tela — dão um bem-vindo toque de fogo e paixão, ainda que brando, à narrativa.

Para contar uma história que bebe diretamente na fonte das tragédias gregas, Almodóvar se cerca de atores que se aproximam do sublime. É quase impossível escolher a melhor das Julietas – a jovem ou a madura. Eu talvez optasse pela segunda, só pelo olhar de Emma Suárez, que parece me acompanhar até hoje.

Outro destaque é a reunião do cineasta com Rossy De Palma, uma de suas atrizes favoritas, que esteve, por exemplo, em Kika e Mulheres à beira de um ataque de nervos. A parceria é retomada após duas décadas, em um registro completamente diferente. Só vendo para crer.

Enfim, Julieta não apenas merece ser visto. Clama por ser lido. Esqueça as críticas meio ranzinzas e mergulhe fundo.

 

Comentários

Uma resposta para “Julieta, um filme para ser lido

  1. Me encantou. Pra mim, Julieta foi uma mãe normal. Houve o desentendimento com o marido e a fatalidade dá morte dele. A filha sofreu em silêncio e puniu a mãe dá pior maneira, abandonando-a. Sai pelo mundo para curar sua dor ou mágoa é deixa a mãe sozinha, sem notícias e morrendo aos poucos sem notícias. O desfecho mostra q a filha, de certa forma, não teve um final feliz e que um dos seus filhos pequeno morre afogado. Tenho uma pergunta: esse final quis demonstrar que o sofrimento que Antia causou a mãe, ela, em sua vida, pagou também? Como aquele ditado “aqui se faz aqui se paga”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *