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O furacão chamado Destinos e Fúrias

27 / maio / 2016

Por João Lourenço*

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A animação do verão ficou para trás, a luz da cidade desaparece rápido. As camadas de roupa aumentam e o humor diminui. Festas em rooftops e banhos de sol no Central Park são substituídos por festivais literários e grandes lançamentos na Broadway, nos cinemas e nas livrarias. Esse é o típico outono em Nova York: estação em que as pessoas procuram conforto e energia em atividades culturais. O calor da cidade renasce em peças, filmes e, claro, livros! E sempre há um favorito entre a enxurrada de lançamentos na cidade. Quando você percebe, todo mundo está segurando a mesma obra no metrô, em cafés e nos restaurantes. Amizades são formadas. Ano passado, algo curioso aconteceu: o favorito do outono se transformou no favorito do ano — um furacão chamado Destinos e Fúrias que atingiu todos os 50 estados americanos.

Do Instagram de celebridades como Miranda July e Sarah Jessica Parker às listas de melhores do ano dos grandes veículos, o romance estava em todos os lugares. A Amazon tornou oficial tamanha comoção e o nomeou o melhor livro publicado em 2015. Até a Casa Branca se manifestou: “Destinos e Fúrias é o melhor livro que li este ano”, sentenciou o presidente Barack Obama. Em seguida, a autora, Lauren Groff, tuitou: “Acabei de morrer, voltei à vida, reli o que ele disse e morri novamente. É isso: posso me aposentar.” Calma, Lauren, este é apenas seu terceiro livro.

untitledVamos lá: por que um livro sobre casamento mexeu com tanta gente? Não tenho resposta para essa pergunta, mas Lauren Groff começou a escrever Destinos e Fúrias tentando justamente responder aos próprios questionamentos sobre o assunto. “Quando se trata de casamento, sou ambivalente. É a melhor e a pior coisa do mundo. É um lugar seguro, mas também uma camisa de força”, explicou em entrevista para o site Gawker.
Em Destinos e Fúrias, os dois personagens principais são Lotto e Mathilde. Eles se conhecem em uma festa já no fim da faculdade. Mathilde é uma estudante solitária e de beleza um tanto excêntrica. Lotto é ator com um futuro promissor, carismático e rico. No impulso, eles se casam em duas semanas. Os primeiros anos são difíceis, mas a união se solidifica com o apoio de amigos e familiares.

Anos mais tarde, após sucessivos fracassos, Lotto se torna um dramaturgo famoso enquanto Mathilde passa a se dedicar exclusivamente ao sucesso do marido. Apesar do relacionamento causar inveja em muita gente, nem tudo é o que parece. Aqui, a autora nos lembra da máxima “no fim do dia, nunca sabemos com quem estamos dormindo” e analisa o casamento em um microscópio. “Desde o começo, eu sabia que escreveria algo que tivesse o clássico: ele disse vs ela disse. Cheguei a pensar que poderiam ser dois livros separados, mas isso não teria funcionado, no fim das contas”, disse para o Gawker. 

Os dois livros acabaram reunidos em um romance estruturado em partes distintas. A primeira, “Destinos”, narra os eventos sob a perspectiva de Lotto, e a segunda, “Fúrias”, de Mathilde. É assim porque Lotto é o mais dramático, aquele que o destino (a sorte de nascer com dinheiro e privilégios) favoreceu. E é dividido dessa forma porque Mathilde opera nos bastidores e nas sombras, guardando a maior parte dos segredos — os piores.

É preciso ler a versão de Lotto sobre Mathilde para compreender a versão de Mathilde sobre Lotto, mas não se trata de duas versões sobre a mesma história. Destinos e Fúrias compila as narrativas de dois personagens diferentes que têm apenas um detalhe em comum: são casados. “As duas partes do livro têm tons diferentes. Vejo Lotto como a Flórida, lugar em que nasceu: selvagem, verde luxuriante, ouro, luz do sol. Já Mathilde eu vejo como um azul muito frio”, afirma a autora.

A mudança na sonoridade e na estrutura de Destinos e Fúrias foi inspirada nas peças de Shakespeare. “Li muitas peças de Shakespeare. O que me fascina no seu trabalho é que ele é cômico e trágico ao mesmo tempo. Bastante poético e, às vezes, pega pesado”, contou à rádio NPR. As vozes do romance são distintas: a de Lotto é lírica e sonhadora, lembra a voz de um melhor amigo que conta histórias em volta de uma fogueira; a de Mathilde é áspera, direta e cruel.

Destinos e Fúrias é um livro que requer atenção e dedicação do leitor, apresenta uma estrutura complexa, linguagem afiada e tons variáveis. Porém, neste caso, a escritora criou um labirinto que seduz ao invés de assustar: sua narrativa é atraente a ponto de convencer o leitor a ser levado por todos os caminhos propostos.

Fui fisgado logo nas primeiras páginas. Quando começo um livro, penso no que a escritora Joan Didion disse: “Alguns romances devem ser devorados em apenas uma sentada.” Para minha surpresa, passei por essa experiência com o furacão que é o romance de Lauren. Li Destinos e Fúrias em uma sentada — com exceção de algumas paradas para devorar tudo que encontrasse na geladeira. A narrativa deixa um vazio no estômago, uma fome insaciável, faz você ficar ansioso e te leva a questionar das mais básicas às mais complexas questões sobre o significado não apenas de um casamento, mas de qualquer relacionamento.

 

João Lourenço é jornalista. Passou pela redação da FFWMAG, colaborou com a Harper’s Bazaar e com a ABD Conceitual, entre outras publicações estrangeiras de moda e design. Atualmente está em Nova York tentando escrever seu primeiro romance.

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