Pedro Gabriel

A caligrafia na era digital

24 / maio / 2016

 

e92a4fd1-f9a7-4197-8bc2-61000ce48eabUltimamente, tenho notado o constante surgimento de novas páginas nas redes sociais voltadas à poesia visual. Gostaria de evidenciar que falo aqui exclusivamente das páginas com conteúdo autoral, e não daquelas que buscam simplesmente colecionar likes ou contabilizar compartilhamentos. Reforço ainda que é possível, sim, ter muitos leitores e apresentar conteúdo de qualidade. Mas, para isso, deve-se primeiro criar algo que faça sentido para você e depois dividir esse sentimento honesto com o mundo. Caso contrário, você estará contribuindo apenas para colocar todos os poetas que surgem na internet no mesmo saco. Ou melhor, no mesmo dislike. Isso faz mal à poesia.

Por causa de páginas com frases soltas, pensamentos aleatórios, imagens escolhidas gratuitamente, sem propósito algum, todas as criações que ganham espaço no ambiente virtual acabam sendo chamadas pejorativamente de poesia fast-food. Particularmente, tenho dificuldade em engolir esse rótulo e acredito que um verso curto precisa de mais tempo para ser digerido do que um poema tradicional. Para se expandir, um sentimento condensado precisa muito mais da imaginação atenta do leitor do que qualquer outra manifestação escrita. Uma ideia reduzida engrandece o espaço para incontáveis interpretações.

Dentro dessa onda, há os que querem somente o aval do polegar erguido ao céu — e não os culpo por isso; todos devem seguir o que acreditam —, e também os que usam a internet como ferramenta para apresentar um trabalho conceitual, autoral e consistente. E é nesses que devemos nos concentrar. Um ponto em comum é que boa parte dessa nova geração, mesmo resultante de uma era digital, ainda tem uma preocupação em valorizar a palavra escrita: a caligrafia. Não que a palavra escrita tenha um peso ou um valor superior ao de uma palavra digitada. Tenho percebido que esses artistas estão usando a própria caligrafia ou valorizando alguma fonte já existente para apresentar suas criações. Isso é lindo. Num mundo onde as pessoas parecem cada vez mais perdidas, sem rumo, sem identidade própria, encontrar poemas, versos e desenhos feitos à mão é um respiro de esperança.

A caligrafia é sua personalidade. A caligrafia é você em forma de palavra. Se você pedir para cem pessoas digitarem a palavra AMOR, terá um amor padronizado: com a mesma fonte, o mesmo corpo. Faltará sempre uma alma! Agora, se pedir que essas mesmas pessoas escrevam essa mesma palavra à mão, terá cem amores diferentes. Cada uma terá seu próprio amor. Não que uma ame mais que a outra, mas, sem dúvida, escrever à mão a palavra amor mostra quanto se colocou de personalidade (alma!) naquele amor. A Liberdade manuscrita parece ser mais livre do que a liberdade digitada. A Esperança manuscrita parece esperar mais do que a esperança digitada. A Coragem manuscrita parece sentir menos medo do que a coragem digitada. A Poesia manuscrita parece domar melhor nossos gritos do que a poesia digitada. O Silêncio manuscrito parece dizer mais do que o silêncio digitado.

Tenho muito medo de que as pessoas não percebam a importância de um simples lápis e passem uma vida inteira sem ousar desafiar uma página em branco com as próprias mãos. Não estou dizendo que a tecnologia seja um atraso. Longe disso. (Sem ela, eu não estaria digitando este texto.)  Mas acredito que podemos juntar o analógico e o digital com criatividade e dar origem a algo realmente nosso. Então, prezado leitor, prezada leitora, use a tinta de sua história e escreva um poema, uma carta, um verso ou uma simples lista de compras. Mas, por favor, me dê sua palavra: use sua letra.

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Comentários

4 Respostas para “A caligrafia na era digital

  1. Já estava com saudades dos seus textos. Que bom que voltou.

  2. A caligrafia, parte da nossa identidade, mostra nosso estado de espírito quando escrevemos. Linhas tortas ou bem retinhas, letras finas e oblíquas ou arredondadas e eretas? Depende da ocasião. Quem me conhece sabe que é assim, pois é com lápis, papel, canetas, cores e âmago que me expresso. Obrigada pela possibilidade de saber que há outros que compartilham pelo meu gosto pela escrita à mão.

  3. O valor da caligrafia é a essência da alma.Muito bom este assunto falando escrito e o digitado pelas mãos humanas.

  4. Muito importante e interessante esse texto, pois resgata algo que se pensava não existir mais, algo com alma, com personalidade.
    Esses dias, ouvi no canal 7 (canal aberto), TV BRASIL, “Cultura”, uma que, agora, é marca registrada desse canal, dita “poeta”, dizer que: “… a poesia é um descarrego…”. Penso que ela se confundiu e pensou que estivesse numa sessão da igreja ou de umbanda. Aí, é que faço a ligação com o que foi dito no texto, de colocar todos os poetas no mesmo saco.

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