Filipe Vilicic

Uma lista com as vítimas das guerras que tomaram as redes sociais

19 / abril / 2016

Recentemente, publiquei um texto que explica como nasce a extrema polarização que claramente tempera as discussões on-line: ou se é petista, ou coxinha; ou se é a favor da maconha, ou contra; ou se é democrata, ou republicano; ou se é um radical de esquerda, ou de direita. No Facebook, parece que não tem vez o meio-termo e, em especial, os debates racionais, ponderados, democráticos. Ou se é o aliado a qualquer custo, ou o inimigo mortal.

Frente a isso, a pergunta que martela na minha cabeça (e, espero, na dos mais sãos) é: quem são as vítimas dessa guerra de radicais? Fiz uma lista, ainda em construção — pois, acredito, os feridos (e mortos, ao menos virtuais) se multiplicarão:

1ª vítima: a verdade. Tudo indica que a Verdade, com V maiúsculo, saiu de moda. Espalham-se posts, em tom afirmativo e absoluto, dizendo que o presidente americano, Barack Obama, teria dito “estão caçando juízes em vez de bandidos no Brasil”, que Margaret Thatcher — morta em 2013 — teria analisado a crise econômica brasileira e por aí vai, no caminho infeliz que seguem as inverdades. Tudo Mentira, com M maiúsculo. Parece que as pessoas estão encarando tudo com a leveza que fazem ao compartilhar frases surreais de Clarice Lispector, que parece ter dado início à sua fase mais produtiva após sua morte.

2ª vítima: o debate racional, calcado em estudo, raciocínio e reflexões lógicas. A quem me pergunta minhas posições políticas/econômicas, costumo responder que sou um neoliberal, mas com tendências morais mais à esquerda da sociedade. Normalmente, ao ouvir — e, possivelmente, não compreender — isso, direitistas de extrema costumam taxar: “Seu esquerdista, comunista.” Esquerdistas, por sua vez, costumam berrar: “Seu Bolsonaro.” Tudo sem nem dar um Google nos termos citados acima. Quando me dão a chance de explicar minhas, digamos, preferências reais, gritam ainda mais alto um “isentão”. Pouca gente entende que tenho um lado, sim: o meu. Defendo meu ponto de vista, pois ele demandou certo trabalho para ser formado. Indo além, também defendo aqueles em quem acredito, os que apoio. Mas isso é outra conversa — aposto que iam me chamar de direita, ou de esquerda, ou de “isentão”, por isso.

3ª vítima: o ócio. Como assim, Vilicic? Você tá viajando! Explico. É no ócio que temos a maior chance de reflexão. Ele parece inexistir agora, na era digital. Em vez de aproveitar o ócio para, sei lá, estudar um pouco, ler, pessoas vão para o Facebook escrever suas verdades — que julgam como Verdades. No lugar de curtir o ócio, digamos, jogando videogame, preferem marchar, muitas vezes seguindo uma manada maior, por uma causa que nem sabem explicar qual é.

4ª vítima: a crítica a atividades fora da política. Passou a ser moda julgar o bom músico pelo que ele fala sobre impeachment. Melhoro: taxam como ruim suas canções por determinarem que são asneiras o que ele disse sobre Dilma. Uma coisa não tem a ver com a outra, amigo. E o mesmo vale para aquele ator com quem você não concorda, mas que manda bem na tela da TV. Ou para um pintor, ou para um quadrinista…

5ª vítima: a diversidade de opiniões — logo, a pluralidade de ideias — na mesa do boteco. Parece que, aos juízes e carrascos virtuais — que transpuseram suas posturas ao mundo real —, um cara de opinião X não pode, de forma alguma, andar com um de visão A de mundo. É espião? É “isentão”? Particularmente, adoro debater, conversar. Porém, para tal preciso estar num ambiente democrático, no qual opiniões circulem de forma livre, sem repressão. No fim do dia, qual é a graça de debater apenas com quem tem o mesmo ponto de vista que você?

Como falei lá no início deste texto, trata-se de uma lista em construção. De pronto, já poderia pensar em outras vítimas: o bom senso, a intelectualidade, a leitura profunda… A lista seria grande. Só que não quero tomar seu tempo, caro leitor. Se chegou até aqui, convido-o a pensar no assunto e, em especial, nas vítimas dessas guerras digitais. E, deixo claro, na de todos os tipos. Há republicanos versus democratas, esquerdistas contra direitistas. Daqui a pouco haverá amantes de bacon versus quem só gosta de alface. Para você, quem são as vítimas?

Quanto mais fortes e intransponíveis são as fronteiras impostas entre pensamentos e opiniões, mais chato é este planeta. Afinal, qual é a graça de viver num mundo — real ou virtual — no qual só se pode ter uma ou outra posição?

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