Clóvis Bulcão

O Ministério dos Notáveis

21 / março / 2016

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Comecei a ministrar uma oficina de biografias. O curso, que vai durar quatro meses, incluirá uma aula sobre a importância das fontes. Já escrevi três biografias: a primeira foi sobre a imperatriz Leopoldina, que viveu no século XIX; a segunda, sobre o padre Antonio Vieira, nascido em 1608; e a terceira, sobre a família Guinle, uma saga que começa em meados do século XIX e chega aos dias de hoje.

A maior diferença entre esses trabalhos reside na existência ou não de fonte oral, pois, quanto mais antigo é o objeto estudado, naturalmente menores são as chances de se contar com testemunhas dos fatos narrados. E esse é um detalhe que faz uma enorme diferença. Um exemplo: de acordo com as fontes escritas, o padre Antonio Vieira falava português com sotaque baiano. Mas como seria o sotaque baiano no século XVII? Não sabemos, pois não temos um único relato de fonte oral.

Entretanto, nem toda fonte oral é fonte realmente de muitas informações. Para escrever a biografia dos Guinle, entrevistei mais de 60 pessoas. Muitas dessas conversas foram paupérrimas, quase nada acrescentaram. Mesmo assim, cada vez que se vai encontrar uma fonte viva é uma emoção.

Ao longo do meu trabalho para escrever Os Guinle, tive um encontro com o jurista Célio Borja. Nunca morri de amores por ele. Na minha juventude, Borja era deputado pela Arena, partido de sustentação da ditadura militar no Congresso. Mais tarde, sempre no campo direitista, Borja se filiou ao PDS e depois ao PFL.

Minha maior irritação com o jurista ocorreu durante o período de impeachment do então presidente Fernando Collor, em 1992. E eu detestava tudo o que se relacionasse a esse presidente. Collor, ao longo de seu curto mandato, cometeu muitos erros, mas acertou ao montar um ministério com homens sem problemas jurídicos. Célio Borja integrou o chamado Ministério dos Notáveis como ministro da Justiça, ao lado de Marcílio Marques Moreira, na Economia, e de Eliezer Batista, na pasta de Assuntos Estratégicos. Eles não permitiam que o pesado clima político contaminasse a administração do país.

Infelizmente, a conversa foi curta, pois Célio Borja disse não ter como me ajudar. Ainda assim, o pouco que ele me passou sobre a família Guinle eu acabei incluindo no livro. No entanto, nem foi isso que fez com que eu amenizasse minha opinião sobre ele. Hoje percebo que Célio Borja e seus pares comandavam com desenvoltura a gestão do governo. Eles nunca foram motivo de ataque das forças que queriam o “Fora Collor”.

Ao longo do processo de impeachment, o presidente era alvo de duríssimas críticas. Sua defesa rasgada era conduzida por um grupo de partidários chamados de “tropa de choque”: o ex-senador Ney Maranhão, o ex-deputado Roberto Jefferson e o atual presidente do Senado, Renan Calheiros. Já os ministros do governo Collor nunca causaram a ira oposicionista. E esse é um fator louvável.

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