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Hawking, em busca da Teoria de Tudo

5 / fevereiro / 2016

Por Amâncio Friaça*

No prefácio de 2001 de O universo numa casca de noz, Stephen Hawking lembra que quando Uma breve história do tempo foi lançado, em 1988, esperava-se que a Teoria de Tudo já estivesse quase pronta. Porém, a situação agora é mais ou menos a mesma que a de 2001: “avançamos bastante”, mas “o fim ainda não está à vista”. Continuamos a navegar em um vasto oceano contando apenas com mapas muito toscos, cheios de buracos.

A Teoria de Tudo descreveria a totalidade do mundo físico e constituiu a busca de uma vida para Hawking. Ela é essencialmente uma visão unificada de todos os fenômenos físicos. Essa também foi a busca de uma vida para Albert Einstein, depois que ele formulou a sua Teoria da Relatividade Geral, em 1915. Nas décadas seguintes, ele procurou unificar as forças conhecidas até então — a gravidade e a força eletromagnética — dentro do que chamou de Teoria do Campo Unificado, que é a sua versão da Teoria de Tudo. Einstein morreu em 1955 sem ver o seu sonho realizado.

 

A busca da Teoria de Tudo ao longo da história

CAPA_UniversoNumaCascaDeNoz_MAINHá milênios os pensadores estão atrás de uma Teoria de Tudo, embora não com esse nome. Foi assim que surgiu a filosofia no Ocidente, com a escola jônica, do século VI a.C. Os primeiros filósofos eram filósofos físicos, ocupados em unificar a imensa diversidade dos fenômenos com um grande princípio organizador. O primeiro dos filósofos jônicos, Tales de Mileto (623/624-546/548 a.C), propôs a água como o princípio de tudo (o arché). Depois, outros filósofos da escola jônica lançaram outros candidatos a arché. Para Anaxímenes (588-524 a.C.) seria algo mais sutil, o ar, mas coube a Anaximandro (610-547 a.C.) o pioneirismo de propor como arché algo totalmente afastado da experiência cotidiana, o apeíron, o ilimitado.

O apelo a um princípio além do mundo dos sentidos prossegue no atomismo de Demócrito (460-370 a.C.), no qual os átomos invisíveis são a razão de todos os fenômenos da natureza. A riqueza das coisas observadas decorre do movimento de infinitos átomos. Dois milênios depois, o pensamento atomista forneceu a base do mecanicismo cartesiano do século XVII, no qual todas as forças podem ser reduzidas a forças de contatos entre átomos ou de estruturas compostas por átomos.

Descartes rejeita as forças de ação à distância, entendidas como um tipo de “influência oculta”. Para ele, tudo seria resultado do contato, por pressão, atrito ou colisão. Essa recusa acaba trazendo grandes dificuldades para explicar o movimento dos corpos astronômicos. Descartes imagina que o espaço sideral não seria vazio, mas totalmente preenchido por vórtices, imensos redemoinhos de fluido invisível que arrastariam consigo os planetas e satélites. O apego ferrenho do cartesianismo a uma visão totalmente mecanicista produziu uma astrofísica pobre, incapaz de explicar os movimentos dos planetas do Sistema Solar.

 

 

A revolução da gravidade de Newton

Contudo, no mesmo século XVII, a Teoria da Gravitação Universal de Isaac Newton (1642-1726/27) marca uma reviravolta na filosofia natural. Newton aceita que há uma grande força de ação à distância, a gravidade, que não pode ser reduzida a forças de contato. E é a força da gravidade que explica não só o movimento dos corpos celestes, mas também a queda dos objetos sobre a Terra. O movimento da Lua e dos planetas é devido à gravidade, que age entre quaisquer corpos, seja entre o Sol e a Terra, seja entre a Terra e a Lua, seja entre a Terra e uma bala de canhão, seja entre duas pedras, seja entre dois átomos. A força da gravidade é uma força atrativa universal. A Teoria da Gravitação Universal fornece a explicação unificadora tanto para a queda de uma maçã da árvore como da órbita da Terra em torno do Sol.

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Pintura de Isaac Newton (fonte)

Mas há ainda duas outras forças de ação à distância conhecidas desde a Antiguidade: a eletricidade e o magnetismo. Um ímã atrai um prego mesmo à distância. Quando se atritava bastão de âmbar (elektron em grego), ele atraía de longe pedaços de tecido. Em 1820, Hans Christian Oersted descobriu conexões entre eletricidade e magnetismo, apontando para uma força única, a eletromagnética. Os trabalhos experimentais de Michael Faraday (1791-1867) estabeleceram leis precisas relacionando campos magnéticos e elétricos. Aliás, foi ele quem introduziu o conceito de campo durante o seu esforço para visualizar as forças elétrica e magnética, por exemplo, ao usar limalha de ferro para traçar as linhas de campo magnético entre os polos de um ímã.

Em 1865, a teoria do eletromagnetismo de James Clerk Maxwell unifica por completo o magnetismo e a eletricidade. Nela, apenas quatro equações expressam de um modo sintético toda relação entre campos magnéticos e elétricos entre si e com cargas elétricas em repouso e em movimento. Com o eletromagnetismo de Maxwell, passa-se a perceber a própria luz como um fenômeno eletromagnético. A luz é uma onda eletromagnética. No final do século XIX, o mundo é composto por partículas e campos. Todas as forças de contato, como o atrito e a pressão, se devem a campos eletromagnéticos agindo entre partículas de matéria.

 

Qual é o número de dimensões da realidade?

A Teoria de Tudo seria a etapa final desse esforço de unificação. Ela forneceria uma descrição unificada das forças da natureza. Atualmente, os físicos reconhecem quatro forças básicas: a gravitacional, a eletromagnética, a forte e a fraca. Unificar essas forças tem sido um empreendimento que vem se estendendo por gerações. Foi ao longo do esforço para unificar as quatro forças fundamentais que surgiu a necessidade de se utilizar dimensões extras.

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Qual o número de dimensões da realidade? Essa é uma questão que persegue os físicos desde o século XIX, embora de modo apenas especulativo no início. No nosso universo reconhecemos três dimensões espaciais e uma quarta, o tempo. Mas será que existem mais dimensões além dessas quatro? Para ilustrar a busca por dimensões extras, Hawking usa a imagem do quebra-cabeça. Nós vemos quatro dimensões porque estamos na borda do quebra-cabeça, mas, quando começamos a ir até a parte central, vão aparecendo novas peças, novas dimensões das quais não suspeitávamos antes. As dimensões que vemos na beirada do quebra-cabeça são as dimensões estendidas, as quatro bem conhecidas por nós (incluindo o tempo), que poderiam se estender até o infinito. Já bem no meio do quebra-cabeça, onde as escalas são diminutas, aparecem as dimensões extras, que são enroladas, porque não vão além de uma certa escala muito, muito pequena. A menor escala possível na qual as leis físicas ainda poderiam ser escritas é o comprimento de Planck, ou 1,6 x 10-33 cm (1,6 milionésimo de 1 bilionésimo de 1 bilionésimo de 1 bilionésimo de centímetro). Mesmo antes de atingirmos esse ponto, mas em dimensões ainda minúsculas, temos um vazio ainda não descrito pela física atual. Como os mapas medievais ao toparem com um território desconhecido, poderíamos escrever: Hic sunt dracones (aqui há dragões).

Quando Einstein começou sua busca por uma Teoria do Campo Unificado, só se conheciam duas forças, ambas de longo alcance: a gravitacional e a eletromagnética. Mesmo nesse estágio, dimensões extras foram utilizadas para tentar unificar gravitação e eletromagnetismo na teoria pentadimensional de Theodor Kaluza e Oskar Klein, de 1921. Posteriormente, a busca de uma teoria unificada foi adiada pela descoberta de duas interações só de curto alcance, a força nuclear forte e a nuclear fraca. Aí o trabalho recomeçou do zero. A força eletromagnética e a força nuclear fraca foram unificadas em 1967-1968 por Sheldon Glashow, Steven Weinberg e Abdus Salam na força “eletrofraca”. Atualmente, caminha-se para a unificação das três forças — eletromagnética, fraca e forte — em uma força eletronuclear dentro da Teoria da Grande Unificação (GUT), embora esta ainda esteja incompleta. Porém, das forças da natureza, a que mais resiste à unificação é a nossa velha conhecida, a gravidade.

 

A unificação das forças

O problema da unificação das forças com a gravidade tem sido uma caminhada cambaleante. Na década de 1970, as teorias da unificação que estavam em alta eram as teorias de supergravidade. Essas teorias têm um ingrediente importante: a supersimetria. Na supersimetria, cada partícula tem uma parceira supersimétrica, que ainda não havia sido detectada nos laboratórios de física de partículas da época. Se a partícula tem um spin semi-inteiro, a parceira supersimétrica tem spin inteiro, e vice-versa. Vamos com calma agora. O mundo é constituído por partículas. E as partículas são de dois tipos: as partículas de spin semi-inteiro, que são chamadas de férmions, e as de spin inteiro, chamadas de bósons. Assim, o elétron tem spin ½ e é um férmion; e o fóton tem spin 1 e é um bóson. Portanto, a parceira supersimétrica de um férmion é um bóson e a de um bóson é um férmion. Havia a esperança de que o LHC (Grande Colisor de Hádrons) pudesse detectar alguma dessas parceiras supersimétricas, porém até agora os resultados foram negativos. Logo, ou a criação dessas partículas exigiria energias mais altas, ou as teorias que preveem a supersimetria estão com sérios problemas.

Em meados dos anos 1980, a supergravidade saiu de moda. A “tendência” passou a ser as teorias de supercordas, nas quais os entes fundamentais não eram partículas, mas cordas em várias dimensões. Depois de uma enormidade de trabalho insano e de muitos tropeços, chegou-se a cinco teorias de supercordas tendo como ingredientes a supersimetria e seis dimensões extras (dez dimensões ao todo). Finalmente, desde a década de 1990, os físicos teóricos começaram a descobrir as chamadas dualidades, que são classes de simetria conectando entre si os diferentes modelos com dimensões extras. Nessa altura, a supergravidade foi reabilitada e as cinco teorias de supercordas passaram a ser vistas, em conjunto com uma supergravidade de 11 dimensões, como casos-limite da chamada Teoria-M de 11 dimensões, que seria a Teoria de Tudo. Mas, é claro, não há unanimidade a respeito disso.

Foi a consistência da rede de dualidades que convenceu Hawking de que deveria haver dimensões extras. Essas dualidades mostram que os modelos seriam apenas aspectos distintos da mesma teoria subjacente, a Teoria-M. Essas dualidades revelam que todas as cinco teorias das supercordas são equivalentes entre si, além de serem também equivalentes à supergravidade. Nenhuma teoria de supercordas é mais fundamental do que a outra ou do que a supergravidade. Antes, são expressões diferentes da mesma teoria subjacente, todas elas úteis para cálculos em situações diversas.

Além da sua consistência físico-matemática, podemos procurar por indícios experimentais das dimensões extras. Se ao menos uma das dimensões extras fosse compacta e não enrolada, poderíamos testar sua existência em laboratório. Uma dimensão compacta é intermediária entre uma dimensão extensa, que pode se estender até o infinito (como são as quatro dimensões do habitual espaço-tempo), e uma dimensão enrolada, que é enovelada numa escala da ordem de alguns comprimentos de Planck. Uma dimensão compacta poderia se estender por alguns milímetros, por exemplo. Entre as quatro interações, é a gravidade que poderia ter uma dimensão extra compacta. Um modo de detectar essa dimensão extra é, por exemplo, por meio da evaporação de miniburacos negros que poderiam ser criados em grandes aceleradores de partículas, como o LHC. Se o miniburaco negro for criado, a partir de sua massa pode-se calcular o tempo esperado para sua evaporação pela radiação de Hawking. Caso a gravidade se propague por uma quinta dimensão compacta sobre uma escala relativamente grande, da ordem do milímetro, a probabilidade do vazamento do conteúdo do buraco negro será significativamente maior e ele explodirá depressa em um fulgurante surto de energia. Teremos visto o dragão, mesmo que por um instante.

 

 

Amâncio Friaça é astrônomo do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo. Trabalha em astrobiologia, cosmologia, evolução química do universo e nas relações entre astronomia, cultura e educação. Foi o responsável pela revisão técnica da edição revista de Uma breve história do tempo e da nova edição de O universo numa casca de noz, ambos lançados pela Intrínseca.

 

Comentários

2 Respostas para “Hawking, em busca da Teoria de Tudo

  1. Tudo é um milagre cotidiano, inesperado, se olhamos com olhos de um menino, nesse instante nascido, como um estrangeiro de um país distante, descobrindo nuances, detalhes, paisagens, pontos turísticos que já nos acostumamos. Tudo agora podia não ter acontecido, ser um vácuo inimaginável, improvável, um breu impenetrável. “Faça-se a luz”… Um dia alguém apertou um mega interruptor e tudo acendeu, ganhou cor, aspecto, contornos, formas definidas, ficaram palpáveis, visível no inimaginável caos. Outros dizem que foi uma explosão ao acaso, um acaso inteligente, um acaso parecendo algo, uma explosão sem pólvora que só serviu pra acender a velha questão de quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha. Sendo assim, o que gerou a bomba de Hiroshima? Já pensei em comprar um saco de bombas em festa junina e solta-las no quintal uma a uma, umas cem talvez, cem tentativas… E ver o que sai. Uma lagartixa correndo, uma barata queimada, uma minhoca derretendo, escorrendo numa pasta gelatinosa. Um ser asqueroso qualquer, alguma coisa que se mova. Asqueroso… A propósito, só mato baratas em ultimo caso, dentro de casa, numa luta franca, ela ou eu, melhor dizendo. Na rua deixo-as passar, não as piso… Tudo é vida, é pulsar, é dor, é prazer, é cor, é algo que não foi feito a esquadro, nem lixado, pintado, já estava lá. O homem só faz imitar o que vê na natureza. O avião tem a forma de um pássaro, senão nunca voaria, nem pousaria com graciosidade, aerodinâmica, dizem os “inventores”. Um famoso cientista Stephen Hawking, considerado o mais novo Einstein, diz que existem outras dimensões, gente igual à gente noutro canto, gente que já se foi daqui e continua lá, replicando, resistindo, existindo. Vultos que saem do nada, mas, não são fantasmas, fantasmas não existem, diz ele, alguém de outra dimensão, que resolveu passar por aqui, dar um olá e dimensionar-se de novo. Já se admite até a possibilidade de destino, “teoria do caos”, uma sucessão de acasos que concorre pra uma conclusão, que obedece a um padrão, um comando qualquer. É que as coisas não são tão simples assim de explicar, a vida surpreende, às vezes: um tsunami, uma enchente, um asteroide a cair na Rússia… E foge ao controle de quem pensa que pode tudo, que a tudo pode explicar. Tudo tem uma razão de ser, uma poça d’água suja na rua, estagnada, tá viva, é um microcosmo, um universo em profusão, é um verso sujo a incomodar nossa estética dominante, determinante. Tudo é perfeito, sincronizado, os dias e as noites, não atrasam, nem adiantam, mesma hora todo dia, tudo é percebido, pouco explicado. Não pedimos pra nascer, fomos aqui lançados. Reparo tudo às vezes, viajo, pelas janelas dos meus olhos como se aqui nunca estivesse estado.

    Fábio Murilo, 01.01.2016

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