Vanessa Barbara

Cinco livros para entender

3 / dezembro / 2015

Blog_Livros

Um consolo para Lia, de Operação Impensável, e para todas as pessoas que já foram traídas, manipuladas e humilhadas publicamente: vocês não estão sozinhas. Estes cinco livros de ficção podem ajudar a superar o baque e a entender que ninguém está livre de passar por isso. (Não que seja algo aceitável ou normal. Quando o comportamento não faz parte de um acordo, há quebra de confiança e, portanto, violência.)

Seguem as dicas:

 

1- O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald (The Great Gatsby, 1925. Publicado em português pela Penguin Companhia das Letras)

Um clássico sobre adultério, negligência e indiferença, O grande Gatsby fala de um novo-rico que compra uma mansão à beira da baía, em West Egg, e passa a promover festas extravagantes para reconquistar um grande amor do passado, Daisy, casada com um sujeito hipócrita e arrogante chamado Tom Buchanan. O narrador é Nick Carraway, primo pobre de Daisy e amigo de Tom (morador de East Egg, que é onde vivem os ricos tradicionais). Tom mantém um apartamento em Nova York no qual costuma se encontrar com a amante, sem o menor pudor, e durante aquele verão Daisy acaba engatando um romance com Gatsby.

A trama, calcada em “acidentes”, é ainda mais interessante por ser contada sob a óptica de Nick, a um só tempo testemunha e cúmplice dos acontecimentos. Aos poucos, esse narrador vai se dando conta do nível de crueldade contido nas ações de Tom e Daisy, e percebe que os tais “acidentes” que se sucedem no livro não merecem ser chamados como tais.

Diz o narrador: “Eu nunca seria capaz de perdoá-lo ou de gostar dele [Tom], mas vi que seus atos eram, a seus olhos, inteiramente justificáveis. Tudo decorrera de forma descuidada e confusa. Eles eram todos descuidados e confusos. Eram descuidados, Tom e Daisy — esmagavam coisas e criaturas, e depois se protegiam por trás da riqueza ou de sua vasta falta de consideração, ou o que quer que os mantivesse juntos, e deixavam os outros limparem a bagunça que eles haviam feito…”

 

2- Garota exemplar, de Gillian Flynn (Gone Girl, 2012. Publicado em português pela Intrínseca)

Esse thriller cheio de reviravoltas tornou-se um best-seller imediato, sobretudo por enganar o próprio leitor e conduzi-lo a conclusões equivocadas. A narrativa se alterna entre duas perspectivas opostas e conflitantes, que aos poucos vão revelando novos desdobramentos do caso.

O livro começa com o desaparecimento de Amy na manhã de seu aniversário de casamento, naquilo que parece ser um arrombamento e um sequestro. As suspeitas logo recaem sobre o marido, Nick. (Atenção: os parágrafos seguintes contêm spoilers.)

Um dos pontos altos de Garota exemplar é a caracterização de Amy, que se revela uma mulher inteligente, calculista e poderosa, já que o leitor acaba por descobrir, a certa altura, que tudo é apenas um plano de vingança arquitetado por Amy para se vingar de Nick, que a estava traindo. Num planejamento que levou um ano, Amy planta pistas inequívocas de culpa que acabam por colocar a comunidade inteira e a polícia contra o marido, tornando a vida dele absolutamente insuportável.

“Ele podia me trair e nunca me contar, portanto pensaria cada vez menos de mim por eu não descobrir. Ele olharia para mim na mesa do café da manhã comendo ingenuamente uma tigela de cereais e saberia que sou uma tola. E como alguém pode respeitar uma tola?”

Daí a vingança.

E, no final, a rendição de Nick: “Eu sou um ótimo marido porque tenho muito medo que ela me mate.”

 

3- Nada a dizer, de Elvira Vigna (2010, Companhia das Letras)

O romance conta a história de um adultério sob o ponto de vista da mulher traída. O triângulo amoroso é formado por Paulo, sua amante N. e a narradora, cujo nome não é revelado. À luz do que acaba de descobrir, ela vai reconstruindo os acontecimentos em busca de pistas retroativas ou provas de sua estupidez. A incerteza, a insegurança e a raiva também se alternam, traduzindo-se em múltiplas interpretações do que ocorreu, de acordo com o momento.

Nada a dizer mostra, sobretudo, o tamanho da quebra de confiança que se estabelece quando há um adultério e a solidão a que o traidor condena o traído ao quebrar o acordo entre ambos. Para piorar, no momento em que se vê ameaçado, Paulo faz de tudo para ocultar o caso extraconjugal, menosprezando a esposa.

“Ele não achava que tinha me humilhado ao me pôr num papel merda, banal, medíocre, imbecil, de uma história merda, banal, medíocre, imbecil. Não via que ele tinha me transformado em personagem coadjuvante de uma história de outrem, que ele havia me retirado de mim.”

 

4- O amor é fogo, de Nora Ephron (Heartburn, 1983. Publicado em português pela Rocco)

Nesse romance com traços autobiográficos, Ephron faz uma descrição dolorida do que viveu ao descobrir que estava sendo traída pelo marido, o jornalista Carl Bernstein, de Todos os homens do presidente. Ela estava grávida ao se dar conta da situação.

Embora a história seja pesada, o relato é repleto de trechos sarcásticos e bem-humorados. Ephron acredita que contar o que sofreu é justamente o contrário de se fazer de vítima; é colocar-se de volta no protagonismo da própria história, deixando de se definir pela óptica do traidor. Ephron escreve: “Porque, ao contar a história, controlo a versão. Posso fazer os outros darem risada, e prefiro que riam de mim a que sintam pena. Porque, ao contar a história, não dói tanto. Porque, ao contar a história, posso me livrar dela.”

Há duas boas cenas de vingança no livro: na primeira, Rachel espalha que a amante do marido tem uma doença venérea. Na segunda, ela está num jantar com amigos e percebe de repente que continuar com o marido não faz o menor sentido. Então, pega a sobremesa — uma torta de limão —, arremessa na cara dele e depois vai embora.

 

5- A handful of dust, de Evelyn Waugh (1934)

Mais um romance com traços autobiográficos para esta lista. A handful of dust foi considerado pelos críticos uma obra corajosa e habilidosa, a primeira a “compreender o verdadeiro horror do abandono do afeto num caso de adultério a partir do ponto de vista do inocente”. É inspirada no casamento do autor, que durou apenas um ano. Após esse período, a mulher confessou que estava tendo um caso com um amigo em comum.

O romance conta a história de Tony Last, que é casado com Brenda e tem um filho de oito anos, John Andrew. Tony é um sujeito simples que se satisfaz com a vida no campo, mas Brenda não compartilha dessa alegria e começa a traí-lo com John Beaver, um playboy que mora com a mãe e não tem ocupação. O caso se torna falado pela sociedade, escapando apenas ao conhecimento de Tony.

Lá pelas tantas, Brenda chega a convencer o marido a alugar um pequeno flat em Londres, onde ela se encontra regularmente com o amante.

Tony não desconfia do caso nem quando John Andrew, o filho do casal, morre em um acidente de equitação. Ao ouvir que “John está morto”, Brenda pensa se tratar do amante e fica desconsolada. Ao descobrir que era o filho, deixa escapar um “Graças a Deus!”.

Ela, por fim, confessa o adultério e pede o divórcio. Tony concorda em assumir a culpa para não arruinar a reputação de Brenda, mas ela muda de ideia e pede uma quantia exorbitante como pensão. Desconsolado, Tony decide partir numa expedição ao Brasil.

Um dos trechos mais doloridos é quando Tony, ingenuamente, conta a um amigo que Brenda o estava traindo, e este reage com naturalidade: “Todo mundo sabia, e já faz um tempo.”

Comentários

3 Respostas para “Cinco livros para entender

  1. Amei!!!!! Só faltou o Precisamos Falar Sobre o Kevin. Como eu gostaria de entender por quê ele sabia, mas depois não tinha mais certeza…

  2. Big Love, da Sara Dunn é maravilhoso e surpreendente. No começo parece chatinho, mas vale a pena ler até o final .

  3. Esqueceram de mencionar “A Mulher Silenciosa”-A.S.A Harrison.

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