Artigos

A arquitetura de Jessie Burton

1 / dezembro / 2015

Por Natalia Klussmann*

casa_miniaturista

A casa de bonecas de Petronella Oortman (Rijksmuseum, Amsterdã)

Uma miniatura é algo que reproduz, em escala menor, coisas que existem no mundo. Pode haver miniatura de todos os tipos e de quase tudo: réplicas fiéis ou simplificadas, elaboradas ou rústicas de carros, casas, animais, pessoas e, diria eu, até mesmo nomes. A personagem principal de Miniaturista é um bom exemplo. Nella é a miniatura de Petronella. Se a jovem interiorana mostra força, garra e capacidade imaginativa, a menina que chega em Amsterdã é reduzida a mera peça no tabuleiro já armado dos Brandt — sua nova família —, incapaz de agir com liberdade ou de perceber o panorama macroscópico da dinâmica social em seu novo lar. Diante de seus olhos assombrados, detalhes não formam uma peça consistente, mas uma profusão de rostos e cabeças difíceis de serem escrutinadas, uma montanha de ações e atitudes impossíveis de serem compreendidas. Entre os jogos de poder dentro e fora da casa, em meio ao desconhecido e ao imaginado, Petronella conduz o leitor não por um simples romance histórico, mas por profundas reflexões a respeito de como nos tornamos protagonistas de nossas próprias vidas.

CapaFrente_Miniaturista_WEBA Amsterdã do final do século XVII parece moderna, arrojada e dinâmica. As mulheres gozam de certas liberdades e o dinheiro é farto. A casa dos Brandt parece hostil, com os irmãos Johannes e Marin conversando com frases soltas e os empregados Otto e Cornelia dando respostas atravessadas. Nella está perdida dentro da casa de nove cômodos e da cidade costurada por canais. É quando ela recebe do marido um presente de casamento inusitado. A casa de bonecas vem montada dentro de uma cristaleira antiga e reproduz com exatidão o lar dos Brandt, a não ser pelo fato de que faltam todas as decorações da residência. Nella deve decorar a casa de bonecas a seu gosto, e para isso contrata um miniaturista que encontra em um catálogo. O artesão entrega a primeira encomenda com os itens solicitados, mas acrescenta novos objetos e uma mensagem que a deixa intrigada.

A partir de então, a trama do livro vai se construindo como um artesanato de ideias. A casa de bonecas aos poucos ganha objetos e as mensagens recebidas com eles parecem ler a mente de Nella. Assustada, porém instigada, a jovem percorre caminhos e descobre segredos da casa aparentemente insondável dos Brandt e da misteriosa cidade em que agora vive.

Jessie Burton esculpe com materiais convincentes um jogo de perspectivas muito inteligente. Ao mesmo tempo em que apresenta detalhes isolados e a princípio sem significado e grandes panoramas históricos e narrativos, a autora mostra como, muitas vezes, para entendermos o macro é preciso enxergar o micro. Esta perspectiva, do macro e do micro funcionando como partes complementares, traz uma riqueza digna de Amsterdã à trama. Com a habilidade de uma artesã cuidadosa, a autora desconstrói o estereótipo de que a mulher sempre foi um ser omisso e não participativo na trama. Em seu lugar, constrói uma narrativa surpreendente sobre como as mulheres arquitetam a própria sorte. Mas, por ser perspicaz e imaginativa como a personagem de seu livro, Burton também constrói e reconstrói outras certezas dentro da obra, criando um mundo que flerta com a sorte, claro, e com o engenho, provando que “as coisas podem mudar”. Nós, leitores, somos pequenas miniaturas que ela rearranja no texto para contar uma história encantadora sobre encontrar-se e construir-se.

Leia um trecho de Miniaturista

 

Natalia Klussmann é tradutora e mestre em literatura brasileira.

Comentários

Uma resposta para “A arquitetura de Jessie Burton

  1. Gostei demais,e gostaria de adquirir o livro,seria possivel me passar as informações via email? Agradeço

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *