Leticia Wierzchowski

Pequeno interlúdio botânico

5 / novembro / 2015

Acontece que na nossa casa de praia temos um jardinzinho. Não é grande nem tem alamedas — como a definição da palavra que consta do dicionário —, mas seu tamanho é suficiente para que eu me sinta feliz ao ver ali rosas (fingindo talvez ser uma dama de antigamente, tal qual a sra. Ramsay) e, às vezes, quando estou triste, arrastar uma espreguiçadeira até a sombra de uma árvore e ficar pensando na vida. Enfim, nada que espante os olhos, mas o bastante — esse meu jardinzinho — para acalmar o coração.

Acontece que temos um jardineiro que vai lá para tratar a grama, aplicar remédios nas flores, matar as lagartas e nos contar pequenas histórias dos outros grandes jardins de que ele cuida com muito êxito e grande trabalheira. Nosso jardineiro é uma pessoa com absoluto senso prático. Talvez, como diria Vinicius de Moraes, um médico de rosas — foi pelas mãos dele que as rosas brotaram ao pé da janela. Ele sabe muito: basta olhar o céu para nos dizer se fica sol ou se vem a chuva Quase nunca erra, por isso é possível fazer planos se baseando somente em seus juízos.

Às vezes, acontece de viver suas angústias, o nosso jardineiro. Este ano, disse-me que a primavera está tão fria e chuvosa que suas flores e plantas não nasceram ou se atrasaram à espera do verão. Está sendo um grande estresse para ele. Seus patrões imaginam o jardim repleto de lírios, rosas, buganvílias, margaridas, jasmins e lavandas. Mas as flores ainda dormem, desatentas aos cuidados com que ele as cumula, tentando reparar os desatinos imprevisíveis do clima.

Fiquei pensando bastante nisso. Hoje em dia, todo mundo anda tão tenso, sempre tão angustiado com horários, cotações, delações e diagnósticos… Segue aqui nosso jardineiro também com seus problemas — angustia-se com a cor e a saúde das rosas, com os botões que não querem abrir ou com o gramado que precisa de reparos. A competência leva o homem às raias da perfeição. A vida é assim para todos: uma lição que aprendi esses dias, vendo-o correr de uma casa a outra — eu que pensava que cuidar de flores sossegasse a alma. Tentando compensar as plantas pela falta que lhes faz a primavera, o jardineiro trabalhou o dobro. E segue cumulando as rosas de atenção, como um pai amoroso que quer poupar os filhos das inevitáveis agruras desta vida.

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