Leticia Wierzchowski

Cristal polonês

27 / novembro / 2015

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O ideal quase nunca está ao nosso alcance, então temos que viver com o possível. Uma grande médica uma vez me disse isso e nunca esqueci. Não sou nenhum buda; cometo meus deslizes por aí, mas gosto de lembrar que somos sempre uma escolha entre as possibilidades ao nosso dispor.

Com o tempo (ou com a vida, essa professora rígida), vamos aprendendo que o ideal não passa de faz de conta. Ele não existe — não na sua grandeza de perfeição, de coisa intocável. Ninguém é perfeito, nem nossos mais amados filhos. Somos todos humanos, e nossas instituições (todas elas) são feitas e compostas por pessoas. Falíveis. A maioria das coisas que vai bem pode ficar melhor com um pouco de esforço, e tudo que vai mal pode ficar pior. Acho que foi uma lição que aprendi nos últimos tempos.

Basta pouco para os problemas ganharem tamanho, para a voz que grita se elevar, para deixar mais triste quem está triste. Basta pouco para que o que é frágil se quebre. A fragilidade das coisas nem sempre é óbvia, mas é latente.

Quando eu era criança, tínhamos em casa um armário de cristais. Eu era proibida de mexer nele. Havia taças, copos e vasos espalhados em prateleiras bem organizadas. Numa delas, ficava o que era cristal polonês — o pouco do que sobrara das coisas que meu avô, ao longo da vida, trouxera da Polônia. Entre todos os frágeis cristais, os poloneses eram os mais delicados, e o pior dos castigos recairia sobre quem quebrasse qualquer um deles. Nunca mexíamos ali, mas olhávamos, reverentes, as taças que tinham sido do avô, lindas e intocáveis. Eram apenas enfeite, e isto para mim era o mais incompreensível: de que valia a beleza guardada num armário?

Eu ainda sabia pouco da vida naquele tempo. As taças trancadas a sete chaves eram a forma possível que minha mãe encontrara para manter certas lembranças intactas. Hoje, quarenta anos depois, quase nada sobrou delas. Guardadas no armário da minha memória, às vezes penso nas taças com reverência. Cristal polonês: tão frágil quanto a própria vida.

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