Maurício Gomyde

Câmera lenta

4 / novembro / 2015

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Às vezes é saudável diminuir a velocidade, parar e refletir sobre o andamento da vida. Se não faço isso, tenho a sensação de que em pouco tempo serei atropelado por um caminhão que tem no para-choque a seguinte frase: “A vida é uma só. O que você fez dela?” Não posso ficar parado no meio da estrada, esperando por esse momento. Não quero um dia descobrir que é tarde demais e que desperdicei minha vida com a autoimposição de querer fazer tudo cem por cento perfeito. Certamente a caçamba desse caminhão vem repleta de sentimentos advindos da sociedade de que sempre precisamos fazer mais, trazer bons resultados e estabelecer novos e magníficos objetivos a cada esquina. Não sei, isso me cansa.

Onde está escrito que preciso todo dia achar algo novo, ter ideias brilhantes e inovadoras, surpreender ou fazer o que os outros esperam de mim? Preciso corresponder aos meus anseios ou aos anseios dos outros? Por que devo me obrigar a ser hoje melhor do que ontem e pior do que amanhã?

Quero fazer da minha vida um filme, com o controle remoto sempre na mão. Colocá-la em câmera lenta quando bem entender. Ficar de bobeira, contemplar uma cena ridícula, sentir que o vento no rosto, imperceptível na correria diária, pode ser algo espetacular. Escutar a discografia completa de uma banda das antigas e não achar que isso é perda de tempo. Perceber o celular descarregado e não estar nem aí. Deitar abraçado com minhas filhas e ficar contando uma história sem pé nem cabeça, sobre um ser que não existe num mundo que não faz sentido. E que se dane o trabalho que ficou pendente, aquela reunião importante ou o capítulo que precisa ser escrito para cumprir o prazo.

Talvez seja esta a chave: descobrir prazer no que aparentemente é irrelevante. O dia não deveria ser contado em horas — hora de levantar, hora de escrever, hora de trabalhar, hora de comer, hora de não-sei-o-quê —, mas em momentos. Momento de parar, de ouvir, de sorrir, de dizer, de sentir, de não fazer nada. Perceber que a vida pode passar mais lenta do que é. Tenho a sensação de que cada ano dura menos, e gostaria de fazê-lo durar pequenas eternidades.

Quando me perguntam qual é o grande sonho da minha vida, a resposta é sempre a mesma: quero chegar ao final dela, olhar para trás e ter a certeza de que fiz tudo aquilo que desejei. E isso não terá absolutamente nada a ver com dinheiro, com bens materiais ou com o que conseguirei poupar durante o percurso. Terá a ver com momentos. De preferência, em câmera lenta.

Comentários

3 Respostas para “Câmera lenta

  1. As colunas do Maurício são literalmente uma extensão de seus livros, sempre carregadas de emoções e reflexões gostosas. Quero ser surpreendida sempre.

  2. Também acho que os momentos são mais importantes do que tudo. São eles que ficam. Adorei o texto do Gomyde.

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