Leticia Wierzchowski

O escândalo dos Wapshot

2 / outubro / 2015

John Cheever

John Cheever

Os livros me ampararam muitas vezes durante a vida. Escrevendo, sempre encontrei um espaço de paz, de alegria, um viés de poder. Quando crio um romance, sou uma espécie de deus: tenho o poder de consertar erros que, na realidade, estão muito além do meu alcance; posso mudar a cronologia e inverter o que já sucedeu. Escrever é, sem dúvida, uma liberdade fundamental na minha existência.

Sou feliz como escritora, mas também (e tanto mais!) como leitora. Penso nos livros que tenho como uma espécie de entidade superior que paira sobre os dias — quando olho as estantes aqui de casa, repletas de brochuras, cores, títulos e mundos, sempre me sinto acolhida. Ter livros transforma este lugar num lar — e sempre me espanto quando, ao visitar alguém, não vejo livros. Como poderia eu viver sem o conforto, o abraço, o soco no estômago, o amparo e o desassossego da literatura? Como pode alguém viver sem livros? Muita gente pode — infelizmente.

Mas não eu.

Existem incontáveis belíssimos livros que exigem do leitor um esforço de busca, sempre recompensado. Sou apaixonada por um autor que, apesar de ter sido muito festejado há algumas décadas, hoje está meio esquecido. Chama-se John Cheever. Dele, podemos encontrar por aqui o 28 contos de John Cheever, pela Companhia das Letras, e também A crônica dos Wapshot, um romance delicioso sobre uma família e um lugarejo da Nova Inglaterra. A obra tem continuação, e somente ontem consegui pôr minhas mãozinhas nela. Que alegria começar a ler um livro tão esperado! E que delícia encontrar o mesmo lirismo, o mesmo humor refinado, a força e a engenhosidade que me seduziram no primeiro volume da história da família Wapshot! Estou feliz. O mundo lá fora não me interessará tanto assim por alguns dias: o dólar, a Dilma, o Rio Grande do Sul depauperado, os arrastões no Rio, a água em Marte…

Que as notícias me esqueçam! Depois de três anos de espera, acabei de voltar a St. Botolphs, e a genial Honora Wapshot, Moses, Coverly, Maggie e o fantasma do inesquecível Leander estão comigo em sua melhor forma. As notícias envelhecem rápido, mas a boa literatura… Ah, essa nunca perde o viço.

 

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *