Pedro Gabriel

[O ESBOÇO DO INFINITO]

20 / outubro / 2015

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Quem vê apenas o resultado de um trabalho acha que o processo foi fácil. O esforço geralmente é esquecido. Os bastidores nunca são lembrados. O aplauso é sempre para o palco. Muitos acham que já nasce pronto. Dizem: “Ah, isso aí até eu faria.” Ou ainda: “Até minha sobrinha de 3 anos desenha melhor do que você.” Particularmente, acho isso ótimo. Um ser que consegue desdobrar a sua sensibilidade a ponto de ela ser entendida de forma simples é um ser nu, vestido apenas com a sua verdade — ou aquilo em que acredita.

A maioria pensa que o criador da ideia é o artista. Mentira! Quem cria o artista é a ideia. Sem ela, não há arte. E ter uma ideia não é um parto rápido, como muitos pensam. Criar não é uma atividade mediúnica, nem única, como tantos outros imaginam. As ideias não ficam perambulando por aí no cosmos à espera de uma alma sensível para resgatá-la. Ideia nasce da dor. Não necessariamente da dor física. Pode ser da dor da espera. A espera de uma página que demora a ser preenchida. A espera de uma partitura que custa a receber a chegada de suas notas. A espera de uma tela que não sabe dar boas-vindas às cores. A ideia é tudo o que envolve o processo criativo, do esforço para domá-la até o esboço para mostrá-la. Quem não conhece os bastidores da criação não sabe a dificuldade que é tornar fácil um espetáculo.

Eu gosto dos rascunhos e sempre gostei dos esboços. Acho que eles são a representação mais pura da alma. Quer conhecer alguém a fundo? Peça seus cadernos de ideias ou seus bloquinhos de anotações espontâneas — os famosos sketchbooks. Ali, o artista não tem obrigação alguma com a estética ou com o resultado. Por isso, consegue ser plenamente sincero com o que acredita e sente. Ideias espontâneas são despedidas que não têm a finalidade de chegar. Aliás, o destino dos esboços é justamente se destinar a não ter destino. Nessa relação artista-ideia-ideia-artista, há apenas um exercício – um diálogo entre o criador e a sua sensibilidade.

No meu caso, quando comecei a desenhar em guardanapos, tudo aconteceu de forma natural. Tão natural que a impressão de quem acompanha superficialmente meu trabalho é de que foi tudo muito fácil e não envolveu esforço. Mas meu primeiro guardanapo levou 29 anos para ser desenhado. Foram quase trinta anos de gestação, absorvendo todas as referências que o meu mundo me oferecia grafica ou sonoramente. Até o espontâneo precisa de um planejamento demorado, intrínseco, imperceptível, inconsciente. Enquanto isso a ideia está lá, silenciosa, se alimentando das suas leituras, das suas conversas e dos seus amores. Hoje, consigo exteriorizar uma ideia tão rápido que parece que foi jogada ali sem pensar. Mas é que, por dentro, tenho um acúmulo de sensibilidades querendo aflorar. Uma ideia são dois partos. Primeiro, ela precisa nascer dentro de você. Depois, ela sente necessidade de ganhar o mundo.

Nas minhas criações, a sensação que tenho é de que sempre falta alguma coisa. Há sempre algo de incompleto. Um espaço em branco, um traço a menos, uma letra que escapa. Sei lá. Gosto dessa sensação de inacabado. O inacabado é o esboço (e o esforço) do infinito.

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