Leticia Wierzchowski

Das amoras

8 / outubro / 2015

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Esses condomínios modernos têm de tudo (espaço gourmet, fitness,  playground), mas se esquecem das amoreiras. Que tristeza! (Fonte)

Moro numa rua pequena em Porto Alegre. Antes das sete da manhã, a obra em frente à minha casa começa a dar sinal de vida, como um ogro gigantesco que acorda fazendo barulhos odiosos: plact, pluft, bum. Todos os dias, menos aos domingos, aguentamos uma sinfonia de placts, plufts, buns amplificada pelas buzinas (não aqui na rua, mas no entorno) do horário de pico ou por qualquer intercorrência que para o trânsito por alguns segundos — estranhamente, à vezes alguns segundos parecem ser cruciais para a vida de todos.

Sou mais uma entre milhões — até que não posso me queixar, pois minha profissão um pouco excêntrica me livra de estar na rua nos horários de rush. Mas ando por avenidas, me estresso, tenho horror aos placts, plufts, buns da vizinhança. Sinto falta de natureza. Mesmo. Somos animais um pouquinho mais espertos do que os outros, mas somos animais (ouvi isso um dia desses). Precisamos de um verdinho, de um pouco de sol, de um retalho de vida natural.

Fiz uma coisa bem prosaica que me levou de volta aos seis anos de idade e aliviou minha alma: no meu prédio, temos um pequeno pátio, simples, honesto e simpático — nada que mereça um nome em inglês, como nos condomínios modernos. Nele, há uma figueira centenária que amo — embora alguns reclamem da sujeira que ela faz (tsk, tsk) — e uma grande amoreira. A amoreira fica bem no fundo do quintal e está no auge da sua produção. Como ninguém dá muita bola — todos vivem correndo, presos no trânsito, olhando a agenda no celular —, as frutas têm caído no chão, uma espécie de buffet muito apreciado pelos passarinhos.

Ontem, meu filho e eu nos intrometemos por ali e colhemos um pote cheio de amoras. Por alguns minutos, fiquei pendurada nos galhos da árvore, tomando cuidado para não encostar na cerca elétrica e não transformar nosso pequeno idílio natural em tragédia, e colhi frutas do pé — amoras lindas, enormes, negras de tão maduras! Voltei à infância, quando colhia frutas no quintal da minha tia-avó. Foi tão bom… Saí dali mais leve, feliz e lambuzada, o que eu não ficava havia muito tempo. E depois, em meio aos buns, tuns e platcs, pois a obra em frente não para, almoçamos felizes e tivemos amoras de sobremesa. Com que orgulho meu filho e eu comemos aquelas frutinhas! Amanhã, quero descer lá, encher um novo pote e, talvez, preparar uma geleia.

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