Leticia Wierzchowski

Autômatos do teclado

16 / outubro / 2015

CHRIS GASH_leticia

Gosto das redes sociais, mas com moderação. Encontro leitores, acompanho amigos e digo umas bobagenzinhas aqui e ali. Quando publico meus textos de sexta-feira no Facebook, a interação é muito divertida.

Tomo cuidado, no entanto. Para um escritor, redes sociais são uma janela para a distração. Escrevo sempre com todos os aplicativos fechados — a única coisa que passeia por aqui nas horas vespertinas é minha imaginação (às vezes, às turras). Mas confesso que, de vez em quando, dou um rasante pelo Facebook para arejar as ideias. Tem horas que é bom, tem horas que é chato. Há coisas que se repetem de maneira curiosa (calma, não vou falar em dicotomias políticas) — e uma delas é o fato de que as pessoas andam falando de si de forma muito parecida.

Estou generalizando, claro, e, como toda generalização, sendo um pouco injusta. Mas reparem a repetição de certas expressões como partiu, bora, arrasou, amor maior, poderosa. Foto de filho: amor maior. Elogio: arrasou. Está bonita? Poderosa. Argh. A língua portuguesa é tão gigantesca, desdobrável, adorável, venturosa e fascinante! Porém, as pessoas preferem os clichês que se repetem feito praga.

Não falo das vírgulas erradas nem da sintaxe — quem faz isso, faz porque não sabe, afinal ninguém gosta de errar à toa. Não é elegante, mas é compreensível. Agora, a repetição dos clichês das redes sociais… Por quê, hein? As palavras são tão bonitas! Sua grandiosidade, sua poesia, sua sonoridade… Como frutas maduras esperando que a gente as prove, as palavras se oferecem — e a turma lá: banana, banana, banana. Autômatos do teclado, com suas expressões pasteurizadas que não transmitem mais emoção.

Com tanta Adélia Prado, Manoel de Barros, Drummond, Bandeira, Camões, Pessoa… Com tantas Cecílias e Sophias e Vinícius e Mários e Joões… Vamos ressuscitar a poesia nas nossas vidas! Estão todos atrás de um filtro novo para as fotos, mas nunca de uma palavra mais bela para as frases ou uma frase mais inusitada para as lembranças. Seguem dizendo tudo igual — só troca a boca —, do mesmo jeito, de curinga em curinga, de clichê em clichê, e a língua portuguesa aqui, suspirando de tédio porque ninguém nunca a tira para dançar.

Neruda escreveu: “Sim, Senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam… Prosterno-me diante delas… Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as… Amo tanto as palavras… As inesperadas… As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem… Vocábulos amados… Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho…”

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